Hoje é Lepo Lepo — mas no final dos anos 1970 era Lero Lero. Em 1978, estourou nas rádios e tevês do País a bonita Lero Lero, parceria de Edu Lobo com o poeta Cacaso que abre o “long play” (LP, vinil) Camaleão, 13º dos 27 lançados até agora pelo excelente cantor, compositor, arranjador e instrumentista carioca. Aqueles com pelo menos 45 anos vão se lembrar de cor, salteado e sem força dos primeiros versos de Lero Lero: Sou brasileiro de estatura mediana/Gosto muito de fulana mas sicrana é quem me quer... A “estatura mediana” da letra era uma manifestação poética de boa vontade dos autores diante da realidade: o homem médio brasileiro em 1978 não media mais do que acanhados 1,67 metro de altura. Nestes anos em que um elemento a partir de 1,80 metro destoava da paisagem como se fossem um ET, o cidadão do Lero Lero era mediano para o padrão geral, mas pequeno ao olhar do alto cidadão do Primeiro Mundo, por baixo oito centímetros mais crescidos. Embora ainda não se tenha descoberto por aqui o elixir do gigantismo eterno, a boa notícia é que, de lá para cá, a coisa mudou de forma concreta – e para melhor.
Duas instituições tradicionais dão formas, números e estatísticas ao espichar nativo: o Exército e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os militares fazem a média ponderada do tamanho de seus recrutas desde o início dos anos 1980, quando constatou o topo médio masculino de 1,67 metro. Nos últimos dados concluídos no Exército, de 2011, a altura média saltou para 1,74 metro. Muito próxima das medianas dos países ricos (1,77 metro) e europeia (1,78). A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2002-2003, do IBGE, apontou que o homem brasileiro tinha altura mediana ponderada de 1,69 metro aos 19 anos. A última POF disponível, de 2008-2009, revelou três centímetros a mais: 1,72 metro. No caso das mulheres, a média aumentou apenas um centímetro, de 1,60 metro para 1,61 metro.
Entre os jovens de 18 anos nos grandes centros, o IBGE registrou em 2008 as médias de 1,77,8 metro para homens e 1,67,3 metro para mulheres. Isso significa que pelo menos essa parte dos brasileiros – mais urbana, instruída, rica e cercada de conforto – já olha olho no olho em linha reta os bem criados dos países ricos (média de 1,77 metro para os homens). Os especialistas creditam a maior parte do esticão brasileiro, a partir dos anos 1980, à melhoria das condições econômicas. E também aos primeiros resultados efetivos das políticas sociais implantadas em grande escala pelos governos. Três em cada dez brasileiros oscilavam entre a alimentação deficiente e a desnutrição até o início dos anos 1980. A partir daí, passamos todos – sobretudo os pobres - a comer mais e melhor. E a viver em ambientes com índices mais dignos de saneamento básico, luz elétrica, higiene, água potável, oferta de remédios, tratamentos médicos e vacinas.
Em resumo: muito mais do que o DNA, foi a proximidade de um padrão mínimo de dignidade que deixou o brasileiro médio posicionar seus olhos um pouco mais altos em direção ao horizonte. O que leva à desconfiança de um fortalecimento ainda maior da tendência de crescimento literal à medida em que os resultados das políticas públicas sociais, educacionais e de saúde implantadas nos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma produzirem resultados nas novas e próximas gerações. Um sintoma deste fenômeno de espicha, talvez o mais óbvio e relevante, é a evolução da altura média nas seleções brasileiras de vôlei nas últimas três décadas. Nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, a média dos brasileiros convocados chegava a 1,95,3 metro. Quatro anos depois, em Londres, pulou para 1,98,5 metro. Um crescimento de 3,2 centímetros em apenas quatro anos.
Em 2013, o técnico Bernardo Rocha de Resende, o Bernardinho, reuniu o mais alto grupo masculino da história do vôlei brasileiro, com média de 1,99 metro e oito atletas com mais de 2 metros de altura. O mais esticado deles (e também do vôlei do País), o oposto Renan Buiatti, 23 anos, bate o topo do telhado na marca de 2,17 metro da régua. A chamada geração de prata masculina, de William, Bernard, Renan & Cia, segunda colocada nas Olimpíadas de Los Angeles 1984, tinha média de altura de 1,90,7 metro na equipe titular e de 191,5 entre todos os convocados. Vinte e oito anos depois, o grupo de Londres 2012, também prata, marcou 2,00,7 metros (dois metros e sete décimos de centímetros) entre os titulares e 1,98,5 centímetros (1,98 metro mais meio centímetro) no total de convocados.
Na prática, um salto de dez centímetros. Para que se tenha ideia do quanto isso pode representar em pontos, vitórias e títulos, o diâmetro médio da bola oficial de vôlei, ou seja, a altura interna entre o seu ponto mais alto e o mais baixo, é de 21 centímetros. Isso significa que todos os jogadores ganharam no corpo, na média, no mínimo “meia bola” para somar aos seus talentos, impulsões, características físicas e táticas e, assim, aprimorar bloqueios, cortadas, saques, pancadas e cravadas. Em um jogo cada vez mais resolvido em detalhe, filigrana, raspada de bola no toque e exploração de bloqueio, a conquista é de alta relevância. Mesmo frutos da combinação deste com uma série de outros fatores, os ótimos resultados do vôlei brasileiro em competições nacionais e internacionais nestes 30 anos comprovam a tese.
Outras comparações interessantes: o levantador titular da geração de prata, William, media “apenas” 1,82 metro. O reserva, Bernardo Rocha de Resende, o Bernardinho, atual técnico da seleção masculina, tinha três centímetros a mais, 1,85 metro. Hoje, o levantador titular, Bruno Mossa de Resende, o Bruninho – filho de Bernardinho e da ex-jogadora do vôlei feminino Vera Mossa (1,83 metro) – exibe seu talento em 1,90 metro de corpo. Oito centímetros a mais do que William e cinco além do pai e comandante de seleção.


