Javier Milei pode ser o mais estridente, mas não é o único. O presidente Donald Trump possui ao menos outros dois aliados claros na América Latina além de seu homólogo argentino: Santiago Peña (Paraguai) e Nayib Bukele (El Salvador). E tem parceiros ocasionais. No caso do presidente paraguaio, o apoio ocorre para tentar "livrar a cara" do seu padrinho político, o ex-presidente Horácio Cartes, acusado de grave corrupção pelos EUA.
O sinal mais recente foi dado quando Argentina, Paraguai e Costa Rica se opuseram ao debate chamado por Honduras no âmbito da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) para tratar da política de deportação em massa adotada nos Estados Unidos.
Ao cancelar o encontro que seria feito em Tegucigalpa, a presidente hondurenha, Xiomara Castro, disse que houve "oposição sistemática", ainda que não tenha mencionado de quais países, depois listados à reportagem por autoridades do seu governo. Xiomara afirmou que eles privilegiavam "outros interesses" em detrimento da coesão regional.
Questionados, interlocutores da diplomacia paraguaia dizem que se opuseram porque os temas da reunião (migração, ambiente e unidade regional) eram "muito vagos" e porque a convocação não seguiu o rito de reunir primeiro as equipes técnicas dos países para eventualmente, depois, convocar os chefes de Estado.
A Argentina foi taxativa: disse a Honduras que não acompanharia nenhuma declaração que saísse dali. O governo da Costa Rica, do centro-direitista e democrata Rodrigo Chaves, por sua vez, pediu que o tema fosse tratado nos próximos dias 6 e 7 pelos coordenadores nacionais da Celac sem precipitar uma reunião de presidentes.
O leque de interesses de cada país para afagar Washington é variado. Todas as nações da América Latina e do Caribe têm grandes laços com a economia americana, e para muitos países, em especial os da América Central, as deportações podem ter um peso considerável na renda.
Essas amarras econômicas fazem com que o terreno para qualquer bandeira vermelha contra os EUA seja mais sensível. Mas qualquer posição conjunta da região, como se viu na reunião da Celac que previa unicamente um debate entre as partes, vê-se desafiada.
CORRUPÇÃO NO PARAGUAI
No caso paraguaio, existe uma agenda governamental e outra estatal. O presidente conservador Santiago Peña, colorado que costuma ter boa relação com líderes à esquerda e à direita -ele tem ótimo trato com o presidente Lula, por exemplo- tem expectativas de que sob Trump os EUA anulem a designação de seu aliado de primeira hora Horácio Cartes, ex-presidente (2013-2018), como "figura significativamente corrupta".
Essa designação foi adotada por Washington em 2022 e, no ano seguinte, o Tesouro americano impôs sanções contra Cartes.
Na ocasião, os americanos disseram que Cartes "incorreu em atos de corrupção antes, durante e depois de seu mandato como presidente" e que "sua carreira política foi baseada e continua dependendo de meios corruptos para ter êxito". Suas empresas também foram sancionadas.
Cartes foi padrinho político da campanha de Peña, influenciou na designação de seus ministros e há quem, com tom mais ou menos pejorativo, diga que o atual presidente seria em partes uma marionete.
Mas há ao menos um outro interesse imediato, além de, claro, ganhar projeção na região: o governo de Peña espera obter apoio de Trump para a nomeação de seu chanceler como futuro secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), com sede em Washington. A eleição ocorre em março, cada país-membro tem um voto equivalente e Assunção concorre com um representante do Suriname.
Até aqui o cenário é nebuloso para o ministro de Peña, segundo relatos. São necessários 18 votos para ser eleito, e ao menos 17 países-membros já disseram que vão votar pelo surinamês. O Brasil ainda não definiu seu apoio. A ideia de Assunção é a de usar o eventual apoio da Casa Branca para dissuadir os votos declarados de apoiarem o Suriname.
IDEOLOGIA
Já no caso de Javier Milei, há uma agenda ideológica e outra econômica. O argentino vê em Trump a figura máxima de sua ideologia liberal e de sua guerra cultural: contra a ideologia de gênero, os direitos reprodutivos e os benefícios sociais. Tudo que o economista inclui na agenda "woke". Mas também vê em Trump uma muleta financeira.
Milei pode ter operado um choque econômico que diminuiu mais de 20 pontos de inflação mensal em um ano, mas a economia argentina ainda tem desafios crônicos. E, nesse sentido, a Casa Branca é vista como uma aliada estratégica e fundamental para ter apoio e financiamento de órgãos financeiros como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Membros do governo Milei costumam se gabar do fato de Trump ter nomeado o bilionário do setor de tecnologia Elon Musk para chefiar um departamento de desregulamentação do Estado, uma ideia que germinou primeiro em Buenos Aires, quando o ultraliberal criou seu próprio ministério para operar esse projeto.
A Costa Rica não é um aliado de primeira hora, mas prioriza a manutenção de relações tranquilas com os EUA. Rodrigo Chaves teve relação próxima com Biden e já disse que quer continuar trabalhando lado a lado com Trump.
Já El Salvador de Bukele tem um leque mais variado. Fez diferentes sinalizações a Trump, a quem no passado pediu para reduzir o apoio do governo americano a ONGs ao redor do mundo (como o republicano acaba de fazer), e também sinaliza que poderia receber deportados de diferentes nacionalidades enviados pela gestão do republicano.
Por outro lado, o direitista não se opôs à reunião da Celac. Sua relação com a vizinha Honduras, liderada por uma presidente de esquerda, é próxima. Xiomara Castro já tentou imitar a questionada guerra às gangues de Bukele, alvo de acusações internacionais de violação de direitos humanos e populismo penal.
(Informações da Folhapress)