O combate à Covid-19 em Campo Grande foi judicializado, e uma decisão deve sair até o fim desta semana. A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, por meio do defensor-público-geral, Fábio Rogério Rombi da Silva, ingressou com uma ação civil pública pedindo a restrição total (lockdown) por pelo menos 14 dias.
Uma decisão, porém, só deve ser tomada pelo juiz José Henrique Neiva Carvalho e Silva, titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, depois que a Prefeitura de Campo Grande se manifestar nos autos. O magistrado deu 72 horas para a administração se defender.
Fora dos autos do processo, as reações vieram: contrárias, dos comerciantes, dos vereadores e do prefeito da Capital, Marcos Trad (PSD), e favoráveis, na comunidade médica e em autoridades da Secretaria Estadual de Saúde.
A indicação do governo de Mato Grosso do Sul para se adotar uma quarentena com somente as atividades essenciais liberadas, feita na semana passada, é usada como argumento do defensor público-geral de MS. Mas o que Fábio Rombi da Silva quer mesmo é o lockdown: restrição total.
O chefe da Defensoria pede até restrições à circulação de veículos particulares e limitação do funcionamento do transporte coletivo. Também quer o uso total do efetivo da guarda municipal, dos servidores de fiscalização da área de segurança e também das forças de segurança estaduais, fiscalizando o cumprimento do lockdown.
REAÇÃO
O pedido da defensoria provocou reação contrária de autoridades municipais, a começar pelo prefeito da Capital, Marcos Trad (PSD). Ele disse que está vendo redução do número de óbitos e está abrindo novos leitos (haverá mais 20, 10 no Hospital Regional e 10 no Hospital do Pênfigo) nos próximos dias.
“A Defensoria se baseia no boletim do Prosseguir do Estado. Os números que ali estão podem ser lidos de várias maneiras e com diversas interpretações. Se baseando na mesma planilha, nós entendemos que estamos achatando a curva, inclusive com diminuição do número de óbitos, o que nos leva a entender que não é necessário o lockdown”, disse Trad.
Por falar em programa Prosseguir, o governador Reinaldo Azambuja (PSDB) defendeu as recomendações do programa do governo do Estado para Campo Grande, que seria uma quarentena similar à que a cidade teve no mês de março, com a liberação somente das atividades essenciais.
“Eu não acredito que lockdown total possa ser a solução, eu acredito que as atividades não essenciais, que são aquelas atividades que o próprio Prosseguir diz”, afirmou.
O programa do governo, feito em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço da Organização Mundial de Saúde (OMS) nas Américas, colocou Campo Grande no nível extremo, a classificação mais restritiva do governo. Azambuja entende que o termo “lockdown” indica o fechamento total.
A Associação Comercial e Industrial de Campo Grande (ACICG) também reagiu ao pedido da Defensoria Pública.
“A entidade, que representa mais de 8 mil empresas associadas, considera a medida ineficaz para barrar o avanço da pandemia causada pelo coronavírus, tendo como base a experiência recente de Campo Grande, além de outras cidades, estados e países – como Cuiabá, São Paulo, Argentina e Nova York – que adotaram o fechamento dos estabelecimentos e continuaram com grande aumento do contágio e da demanda por leitos de UTI”, afirmou em nota.
A mesma associação adverte que o bloqueio total do comércio teria efeitos devastadores à economia da cidade. A entidade ainda acrescentou, afirmando que tem participado do comitê de gerenciamento de crises da Covid-19. Não detalhou, porém, as medidas que o comércio vem tomando para reduzir o contágio.
Na Câmara, que retomou as atividades ontem, os vereadores reagiram. Otávio Trad (PSD), sobrinho do prefeito, disse que se a Justiça atender ao pedido da Defensoria, será uma “interferência”.
FAVORÁVEL
Médico infectologista da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Júlio Croda rebateu argumentos como o da Associação Comercial de que “lockdown” não funciona.
“Tem que deixar claro que esta afirmação de que lockdown não funciona é uma fake news [notícia falsa], pois existem artigos publicados mostrando seu impacto, tanto no exterior como no Brasil”, argumentou.
Croda, por exemplo, citou artigo publicado pela fundação BMC, da Inglaterra, que indica que as medidas restritivas mais severas reduzem o contágio em até 74%.
Ontem, Campo Grande tinha 92% dos leitos de unidade de tratamento intensivo ocupados. Dos leitos reservados somente para pacientes com Covid-19, a ocupação era de 92,1%.