Depois do anúncio feito pelo presidente Donald Trump sobre a majoração das tarifas a serem aplicadas ao Brasil, não se ouve mais falar de outra coisa, como se nossa existência (ou mesmo nossa sobrevivência) dependesse unicamente do deslinde dessa questão.
O assunto domina as manchetes diárias, pauta os debates em todos os meios de comunicação, acende discussões em redes sociais, tomando conta de todos os espaços em que se poderia tratar de outros graves problemas sociais, econômicos e de outras ordens que assolam o País.
Vivemos, presentemente, como se estivéssemos à mercê de uma “canetada” estrangeira, sem autonomia ou protagonismo próprio, aguardando de joelhos o resultado de uma decisão política alheia às nossas reais crises.
Não se discute aqui a importância das relações comerciais e diplomáticas, tampouco o impacto imediato de medidas protecionistas adotadas por outros países, que, vez ou outra, se apresentam como parceiros estratégicos. É evidente que o mercado sente e que setores específicos da economia tremem diante de um anúncio como esse.
Todavia, é de se indagar: até que ponto se deve reduzir a agenda nacional a um único tema de alcance externo, enquanto questões internas, muitas delas urgentes e estruturais, permanecem relegadas ao esquecimento?
Embora a medida tenha o condão de deflagrar um burburinho medonho, não apenas no meio econômico, mas político e diplomático, nosso país clama por um olhar mais atento para outros tantos problemas de ordem interna.
A sensação, entretanto, é de que a pauta internacional se torna, convenientemente, um álibi para que governantes evitem o enfrentamento de crises domésticas: desigualdade social; desemprego; inflação; saúde pública; educação defasada; insegurança crescente; e, principalmente, falta de freios à corrupção, que gera todos os demais males. Temas que exigiriam planejamento e ação efetiva, mas que acabam soterrados sob a poeira das manchetes de ocasião.
Às vezes, a impressão que se tem é de que vivemos em um ciclo vicioso. Em vez de se buscar solucionar as crises mais imediatas e reais, prefere-se jogar luz sobre questões extraterritoriais, como forma de distrair e driblar a percepção do buraco situado mais embaixo.
Enquanto se discute o “tarifaço”, o cidadão segue convivendo com as crônicas mazelas nunca erradicadas ou sequer reduzidas, principalmente nas áreas que deveriam ser prioridade: saúde, educação e segurança.
A política externa é vital, indubitavelmente. Entretanto, não pode ser escudo para o descaso interno. Os fatos mostram que relações entre países sempre foram e serão pautadas por interesses, econômicos, militares, geopolíticos, etc. Mais ainda, sabe-se que, no fundo, os países são “amigos” no discurso, mas competidores na prática.
E se o Brasil não olhar para dentro de si mesmo, buscando soluções que nos tornem menos vulneráveis a movimentos externos, continuaremos reagindo em vez de agir, lamentando em vez de propor, esperando que o alívio venha de fora enquanto as urgências se avolumam dentro de casa.
Se revisarmos nossa história, as relações econômicas sempre tiveram essa “pimentinha” intragável de taxações e tarifações impostas pelos que detêm mais poderio de ditar as regras do jogo, mas sempre conseguimos nos contorcer, quase felinamente, para manter a sobrevivência como hoje se sente.
Negócios são negócios. Parcerias são parcerias. Mas o País precisa, antes de tudo, cuidar de sua própria casa. Talvez assim, um dia, possamos olhar para medidas como as anunciadas por governos de outros países, não com desespero, mas com a serenidade de quem tem solidez interna e sabe que sua força não depende unicamente dos “muros que separam quintais”.




