Muito importante foi a vitória da existência do princípio da presunção de inocência. Antes dele, pessoas foram presas, torturadas e mortas, inúmeras vezes sem sequer serem julgadas imparcialmente, mas tiveram a sua sentença pelo estigma de um discurso maniqueísta do bem e do mal.
Só se fala dos mortos e dos que passaram décadas na prisão, aqueles ou aquelas que se transforam em mártires para que servissem de imagem e de exemplo para as gerações futuras, mas ninguém sequer sabe o nome de tantos homens, mulheres e crianças que simplesmente desapareceram ou foram enterrados em valas comuns e viraram números para que uma conquista da humanidade fosse consagrada.
A existência de um princípio significa que é a partir dele que todas as regras escritas devem ser reveladas, e não é diferente com a presunção de inocência, uma conquista vinda da Revolução Francesa, que previu, na Declaração dos Direitos do Homem, em 1789, que "todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado".
A Convenção Americana dos Direitos Humanos, assinada em 1969, da qual o Brasil é signatário, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, também reconheceu essa conquista da humanidade.
E em 1988, a Constituição Federal Brasileira previu, nos direitos e garantias de cada pessoa, no art. 5º LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Ainda contando um pouco sobre os horrores da história que antecedeu a Revolução Francesa, o camponês francês Robert-François Damiens, em 1757, foi acusado de parricídio, por tentar contra a vida de Luís XV, que se dizia ser o pai de todos os franceses.
Então, Damiens (que não matou ninguém, muito menos o pai dele, para ser acusado de parricídio) foi condenado a uma sessão de tortura em praça pública em que seus mamilos, braços e coxas fossem atenazados, e cada parte fosse queimada com fogo de enxofre e chumbo derretido, e após o seu corpo puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, o que ficou conhecido como o Suplício de Damiens.
O que se queria mostrar a toda a população é que nem os corpos dos condenados pertenciam a eles.
É bem verdade que, na história da humanidade, quando se fala de investigação criminal, é um assunto que desperta o interesse de todos, afinal, as pessoas querem saber quem cometeu o crime, mas, em meio ao turbilhão, por vezes se esquecem do princípio da presunção de inocência.
Nas últimas décadas, no mundo inteiro, costumou-se chamar as investigações de grande complexidade de "operações".
Diferentemente de investigações de casos mais simples (que se transformam em números de processos), as operações passaram a ser nominadas.
A partir dessa nominação começa-se o suplício de quem a responde, antes mesmo de serem julgadas: nomes de pessoas e de famílias são estigmatizados publicamente, bens e dinheiro lhes são tomados pelo Estado e a prisão, por tantas vezes chamada de cautelar e excepcional, acaba virando regra.
Mas os corpos dos condenados ainda pertencem a eles...
A partir do momento em que uma pessoa investigada é nominada como parte de um todo de um suposto grande crime, que costumou-se chamar, no mundo todo, de operação, há a violação do princípio da presunção de inocência.
Um princípio deve ser seguido como um paradigma a fim de que seja reverberado no sentimento de toda a sociedade, e não ser apenas uma letra morta, que simplesmente foi escrita como forma de enaltecer um fato histórico.
O que acontece é que todos nós ficamos cauterizados, ensimesmados e aceitando como se fosse normal a nominação e o apontamento público dessa ou daquela pessoa como se criminosa fosse. E não é. Presumir inocente significa partir da primeira premissa de que quem é investigado ou processado não é o culpado do crime, ponto final.
O que mais a advocacia criminal está assistindo é a diminuição das possibilidades de recursos para fazer valer a presunção de inocência.
Falar-se de discussão de violação de lei federal e infringência à Constituição Federal, para que o caso seja levado ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal, torna-se um trabalho hercúleo e quase inglório, em razão de uma política construída no consciente coletivo do trânsito em julgado em segunda instância.
Ora, se há a conquista na Constituição Federal de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado, significa que o caso tem que ser analisado em todas as instâncias, e não apequenar a advocacia com a criação de fórmulas quase que algébricas para admissão de recursos aos tribunais superiores.
A bem da verdade é que a humanidade sempre busca soluções com relativizações de princípios, como forma de ter respostas rápidas para um determinado caso dito como criminoso, e se esquece que com isso destrói todo o trabalho de uma luta, que nós mesmos tivemos, para que o princípio da presunção da inocência fosse garantido e jamais excepcionalizado.






