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Sônia Puxian: "Você podia, ao menos, ter silvado"

Jornalista

Redação

24/11/2018 - 02h00
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Conta a lenda que, certa vez, passando por um vilarejo distante, vinham um pastor e um menino, caminhando lentamente e trocando ideias. Em determinado momento, ao se aproximarem de uma quadra onde alguns meninos brincavam na rua, eles se dirigiram ao pastor e disseram: “Pastor, não se aproxime muito daquela casa abandonada na outra quadra, porque nela mora uma cobra perigosa. Ela ataca a todos que se aproximam”.

O pastor levou em conta o que ouviu e ficou atento. Ao se aproximar do local mencionado, olhou atentamente e viu que a cobra saiu de sua toca rapidamente. Nesse momento, ele deu um tempo. Ficou observando cautelosamente e, depois de uns minutos, dirigiu-se a ela com tranquilidade:  “Bom dia, vejo que você é malquista nesse lugar e todos se afastam porque você ataca quem se aproxima. Que tal ser mais dócil, assim as pessoas podem se aproximar e até gostar de você”.

A cobra ouviu a mensagem e ficou pensativa. Quem sabe essa mudança de atitude poderia lhe render bons frutos e boas amizades. E assim ela mudou de atitude.

No dia seguinte, os meninos foram brincar no lugar habitual e, ao se aproximarem da cobra, notaram que ela estava diferente. Não atacava, não silvava nem oferecia risco, estava dócil, como pregara o pastor.

Resolveram então se aproximar mais e mais, até que chegaram perto. Ela permaneceu mansa, não silvou nem atacou. Os meninos estranharam essa reação e resolveram brincar com a cobra. E ela aceitou!

Pegaram a cobra e esticaram, jogaram um para o outro, fizeram cabo de guerra, cada grupo esticava a cobra para o seu lado para medir força, enrolaram a cobra no braço e jogaram para o alto, e o outro grupo pegava e lançava longe... Até que a cobra caiu, desfalecida e sem forças para reagir.

Após alguns dias, o pastor e o menino retornavam pelo mesmo local e resolveram fazer uma visita à cobra.

Ao se aproximarem, perceberam que ela estava inerte e muito machucada. Chegaram mais perto e ela não reagiu, permaneceu caída. Assustado, o pastor se aproximou ainda mais, agachou-se e perguntou o que acontecera.

Desfalecida e muito machucada, ela disse: “Pastor, veja o que o seu evangelho do amor fez comigo. Resolvi mudar e ser boa quando os meninos se aproximaram e, ao notarem que eu estava diferente e dócil, resolveram brincar comigo”.

O pastor ficou atento para ver o que aconteceu depois disso. “Eles me jogaram para os lados, para cima, puxaram, esticaram e abusaram da minha bondade porque eu estava mansa e permiti a brincadeira”. E a cobra prosseguiu explicando toda a maldade que fizeram a ponto de desfalecer. Indignado, 
o pastor se aproximou compadecido e disse: “Você podia, ao menos, ter silvado, ameaçado atacar pra se proteger”.

Assim é com as pessoas também, se não houver limite ou não for detalhado até onde elas podem ir, o resultado pode ser desastroso. Em tudo há que se ter uma medida, tanto ao se doar quanto ao receber. Não é preciso exagerar a ponto de ultrapassar os seus limites, mas, se houver abuso, tente, ao menos, silvar!
É muito importante ter a medida certa tanto pra se doar quanto pra receber. De que vale se doar intensamente sem olhar para si mesmo e sem medir seus limites de tolerância? Muitas vezes, o ato de doar-se torna-se automático, já não surte mais o efeito desejado e, com o tempo, transforma-se em obrigação. Ugh!

É nesse momento, ou melhor, antes desse momento que é preciso parar e fazer uma avaliação, ou melhor, tentar, ao menos, silvar...

Só pra registrar, há alguns anos, eu li esse texto num livro, não me recordo o nome, por isso, fiz essa adaptação. Hoje, ao acordar, me veio a lembrança desse texto e então corri ao meu notebook para escrever aos meus caros leitores. “A inspiração natural e a emoção sempre regem os meus textos”.  Tenham ótimos dias e muitas alegriasss...

ARTIGOS

O que tem para dizer o MPF?

19/11/2024 07h45

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O que há de ser entendido no silêncio que o Ministério Público Federal (MPF) adotou – quando se calou e se mantém calado – diante da solução que os governos federal e estadual encontraram para pôr fim ao caso da Terra Indígena (TI) Ñande Ru Marangatu, em Mato Grosso do Sul?

Como é sabido, a questão abarcava conflitos violentos que vinham acontecendo há décadas entre indígenas e não indígenas. Esses conflitos foram desencadeados a partir da instrução do processo administrativo em que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) demarcou – pela ocupação indígena em passado remoto que ela mesmo declarou – um território inteiro de terras particulares em Antônio João, até então, integralmente ocupado, possuído e explorado há quase um século por seus respectivos proprietários. 

O que amparava esses conflitos era a teoria do indigenato, de 1912, do ministro João Mendes, que pela ocupação indígena em passado remoto identificou a TI Ñande Ru Marangatu. Essa forma de identificação de terra indígena tem sido a causa das incontáveis invasões indígenas às terras particulares que ocorreram e que ocorrem todos os dias em MS e em muitas regiões do território nacional.

Lado outro, a Comissão Especial de Autocomposição do Supremo Tribunal Federal (STF) homologou o acordo, o que leva concluir que a mais alta Corte de Justiça concorda com esse modus operandi de se identificar terras indígenas e o adota, como se tanto fosse possível, na solução das causas que julga envolvendo matéria indígena. O exemplo mais recente envolve o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.017.365/SC.

Aliás, a Corte faz confusão quando identifica terras indígenas. Ora adota a teoria do indigenato, ora adota a sua própria interpretação, proclamada na assertiva de que a “configuração de terras ‘tradicionalmente ocupadas’ pelos índios já foi pacificada com a edição da Súmula nº 650, que dispõe: ‘Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto’”.

Notadamente, o STF relativizou ainda mais o direito de propriedade constitucional diante da matéria indígena, proclamando que, uma vez constatada a ocupação indígena em passado remoto, não há que se invocar o direito de propriedade, o título translativo nem a cadeia sucessória do domínio como defesa. Em resumo, o posicionamento extremo do Supremo é de que a ocupação indígena – seja ela presente, seja ela em passado remoto (indigenato) – define a terra indígena da União. 

A seu turno, por que o MPF – ferrenho defensor dessa ordem jurídica – deixou que os governos federal e estadual pagassem aos particulares pelas terras indígenas que ocupavam e exploravam no distrito de Campestre, em Antônio João? Com a palavra, o MPF em Mato Grosso do Sul!

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ARTIGOS

A resiliência e a fé

19/11/2024 07h30

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Os desafios diários enfrentados por quem atua na proteção da natureza têm se tornado uma enorme prova de resistência e fé. As condições climáticas extremas, impulsionadas pelas altas temperaturas, ameaçam nossas reservas com o fogo e penalizam a fauna e a flora – já impactadas pela reincidência de incêndios violentos desde 2020.

Percebo que a fauna enfrenta o pior processo de extinção desde o período em que conseguimos a vitória no controle da caça, do tráfico de animais silvestres e da pesca predatória na década de 1980. O cenário atual é de destruição de habitat natural, em que espécies estão sendo dizimadas de forma assustadora, especialmente répteis e insetos. As chamas estão tão intensas que, somadas aos ventos fortes, invadem todos os lugares: locas, copas das árvores, etc, persistindo por meses de forma impiedosa.

Não há dúvidas de que estamos perdendo essa batalha. Somente neste ano já ultrapassamos os 3 milhões de hectares queimados. Esse trágico número foi alcançado mesmo com o empenho de recursos financeiros nas ações de combate, que certamente superam R$ 1 bilhão – entre os investimentos dos governos federal e estadual.

Nunca tivemos – em um histórico de 40 anos – uma infraestrutura de combate tão ampla, incluindo recursos humanos, equipamentos de logística, helicópteros, caminhões e embarcações. É importante destacar o trabalho pioneiro da Famasul, que contabiliza os prejuízos na produção das fazendas no Pantanal, já ultrapassando R$ 50 milhões.

Como podemos ser mais eficientes se nossa capacidade financeira já extrapola seus limites dos desafios e a força humana se mostra insuficiente, em algumas situações até incapaz? Estamos enfrentando algo sem precedentes e que excede nossa capacidade de resposta.

Não devemos nos omitir na identificação dos responsáveis. Eles existem, embora sejam poucos. Ainda assim, acredito que não haverá melhoras significativas na questão comportamental apenas com multas milionárias e possíveis prisões. 

A experiência de outros países, como Portugal e Austrália, nos indica que o ímpeto punitivo não traz uma solução completa. Esses países já lidam com incêndios gigantescos e perdas de vidas humanas em virtude deles há mais de 20 anos.

O mais impressionante – e certamente mais doloroso que as próprias chamas – são as acusações equivocadas e a ignorância de alguns que associam o crescimento dos incêndios às reservas de proteção. Ao contrário, as poucas áreas protegidas no Pantanal (menos de 5%) têm estruturas para evitar incêndios e ações preventivas em seus planos de trabalho, como a presença de brigadas.

Podemos reduzir a escalada dos incêndios ano após ano se implementarmos outras estratégias que não se restrinjam ao combate ao fogo, mas que incluam 
a prevenção. Devemos reconhecer que nossos planos atuais não estão trazendo os resultados esperados e que não será somente o aumento dos investimentos financeiros que nos trará a solução.

O ponto crítico é como um dos biomas mais preservados (cerca de 85%) passou a ser um grande emissor de gás carbônico no País. Os fenômenos naturais são impactados negativamente pelas condições climáticas extremas. Essa situação ameaça nosso bioma e exige novas estratégias que unam ciência e competência para enfrentar esses fenômenos sem precedentes.

Restaurar ao proprietário formas de manejo do fogo pode ser uma alternativa. Eles podem ajudar. Ao mesmo tempo, com mais tecnologia e grupos de ação de combate ao fogo, equipados com boa logística e equipamentos adequados, podemos reduzir o tempo de resposta. Não podemos desistir e precisamos ter fé e resistência para rever nossa relação com o planeta.

Poderíamos, em um gesto responsável, olhar e fazer algo pela nascente do Rio Paraguai. Não sou pessimista, mas talvez apenas a desesperança e o senso de urgência possam nos salvar.

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