Época de férias: crianças em casa e muito tempo para diversão. É nesse período que pode ser percebida a sobrevivência de brincadeiras que, mesmo com a invasão de novidades tecnológicas no universo infantil, ainda d e s p e r t a m o interesse das crianças. São diversões que não precisam de grandes investimentos e, por isso, aparecem com mais destaque nos bairros da periferia, onde as opções de lazer são mais escassas. A brincadeira de pipa – também conhecida como pandorga ou papagaio – é soberana entre a criançada. Não importa qual região da cidade se percorra – por exemplo, no Conjunto Tarsila do Amaral, na região da saída para Cuiabá ou no Conjunto Moreninha 2, no outro extremo da Capital – é possível observar as crianças aproveita-se do tempo de folga tendo esta atividade como companheira. No primeiro local, o estudante Johnatan Henrique Alves Paim, 9 anos, diz que logo após o almoço se reúne com os amigos, grande parte deles da própria rua onde mora, para soltar pipa num campo de futebol situado nas imediações de su a casa. “Ficamos por lá até o fim da tarde. Essa é uma de nossas principais brincadeiras nessa época. Tem outras coisas, mas soltar pipa é uma das mais divertidas”, aponta. Um de seus amigos, o estudante V í t o r Hu g o Rahal, 7 anos, o acompanha. “Tem dias que aparecem muitos garotos por aqui com suas pandorgas”. Poucas opções “Nesse período do ano é sem- pre assim: eles têm que inventar o que fazer”, aponta a dona de casa Maria Célia Gomes, 38 anos, mãe de um garoto de 13 anos e uma menina de 3 anos. “Não tem muita coisa para as crianças fazerem no bairro e elas sempre improvisam. No caso do meu filho mais velho, ele gosta de andar de bicicleta, ir a lan hou- se e até soltar pandorga. Sempre fico de olho no que ele está fazendo”. A bri ncadeira com pipa também traz uma prática que anima a garotada e pode criar confusões: as guerras de pipas. A prática é um disputa na qual certa técnica se alia a uma arma perigosa, o cerol. Os garotos entrevistados disseram saber do perigo de impreg- nar a linha da pipa com o produto criado a p a r t i r da mistura de cola e fragmentos de vidro, e t a m- bém afirmam que alguns meninos o utilizam. “Não tem briga nas guerras de pandorgas, mas muitos perdem as suas quando têm suas linhas cortadas”, lembra Wesley Doura- dos Vasconcelos, 10 anos. Mas nem tudo são rosas no uni- verso das brincadeiras. A cabeleireira Teresa Nascimento Gimenez, 62 anos, moradora na Moreninha 2, reclama da invasão do seu quintal por crianças em busca das pipas perdidas nas guerras. “Sempre tem uma pulando o muro. O problema é que ninguém pede licença, vai entrando de qualquer jeito. Em um certo dia, falei que não entrariam mais para pegar, mal virei as costas e eles entraram mesmo sem a minha permissão”. Diversidade Para a empregada doméstica Iracema Rodrigues dos Santos, mãe de duas meninas, atualmente as crianças se dividem entre brincadeiras aprendidas em programas de televisão, pelo computador e aquelas que remontam à sua infância. “Vejo minhas filhas brincando do jeito que eu brincava quando era criança. Elas brincam com as colegas de pega-pega, esconde-esconde”. Raissa Alves Paim, 12 anos, filha de Iracema, confirma o que a mãe diz: “A gente tem que inventar muito nas férias. Vamos na lan house, visitamos as colegas e brincamos também. Aqui na minha rua gostamos muito de bete-ombro, quando os meninos e as meninas jogam juntos”, explica a menina, moradora do Tarsila do Amaral. Na Moreninha 2, a dona de casa Regina Aparecida Alves, 48 anos, acredita que certas brincadeiras nunca sairão de moda, mesmo com as novidades que possam surgir. “As crianças querem novidades, mas acho que muitas delas não têm a força das antigas. Mesmo com game ou carros de corrida, eles querem correr e brincar com outras crianças, coisa que só acontece com as pipas ou as bonecas”. Ela é mãe de 3 crianças, entre 7 e 12 anos. Existe época para cada brincadeira? O estudante Fabrício Carvalho Farias, 11 anos, aposta que sim. “Agora é época de soltar pipa, não é de jogar ‘bolita’ – bola de gude –, acho que isso será lá por julho e agosto”, diz, enquanto tenta soltar sua pipa do alto de uma árvore.