No procedimento disciplinar instaurado neste mês de junho pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz Paulo Afonso de Oliveira, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, uma coincidência verificada pela Polícia Federal no bojo da operação Ultima Ratio pode pesar contra o juiz, que é suspeito de venda de decisões, prática de corrupção popularmente conhecida como “venda de sentença”.
Um dos pontos cruciais da acusação é a suspeita de que o magistrado provisionou um saque de R$ 100 mil em sua conta bancária no mesmo dia em que rejeitou embargos à execução em um processo que resultou no pagamento indevido de mais de cinco milhões de reais à advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva.
A decisão suspeita, proferida em 2 de abril de 2018, beneficiou Emmanuelle, mulher do ex-juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior, também do TJMS, e que foi aposentado compulsoriamente pelo CNJ, por corrupção neste mesmo caso.
Juiz Paulo Afonso de Oliveira/ArquivoA investigação, originada na Operação Ultima Ratio, revelou que a conta de Paulo Afonso apresentava saldo insuficiente para o saque no dia da decisão, indicando que ele esperava receber o dinheiro posteriormente, conforme indica relatório assinado pelo presidente do CNJ, o ministro Luís Roberto Barroso, que também preside o Supremo Tribunal Federal (STF).
Três dias depois, dois saques de R$ 100 mil foram efetivamente realizados. A defesa do juiz alega erro do caixa bancário, afirmando que houve um depósito indevido seguido de um novo saque. No entanto, o CNJ considera este argumento insuficiente, uma vez que não foram apresentados documentos que comprovem a alegada venda de gado que justificaria o recebimento do dinheiro.
“Paulo Afonso de Oliveira não possuía saldo suficiente para o saque e já tinha pleno conhecimento de que, no dia 05/04/2018, receberia um crédito em espécie da ordem de R$ 100.000,00 (cem mil reais)”, argumentou Barroso.
Corrupção
As investigações apontam para um esquema de corrupção envolvendo Paulo Afonso, Aldo Ferreira da Silva Júnior, e o advogado Fábio Castro Leandro, filho de um desembargador. Eles teriam mantido contato frequente por meio de um grupo de WhatsApp chamado “Amigos”, cujas mensagens foram deletadas.
A advogada Emmanuelle teria recebido mais de R$ 5 milhões indevidamente, repassando parte do valor para Fábio Castro Leandro. O dinheiro veio do que os investigadores, e também o relator do processo disciplinar chama de estelionato estelionato contra o aposentado Salvador José Monteiro de Barros.
O aposentado foi lesado em uma ação de execução de título extrajudicial foi ajuizada contra ele para cobrança de R$ 6.987.891,00 (seis milhões, novecentos e oitenta e sete mil, oitocentos e noventa e um reais), supostamente por uma dívida em favor de João Nascimento dos Santos, cliente da advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva.
Salvador alegou falsidade na assinatura do documento e que nunca morou em Campo Grande (MS). As alegações do aposentado, contudo, não foram suficientes para convencer o juiz Paulo Afonso de Oliveira.
O magistrados ignorou os indícios de ilicitude, ordenando o bloqueio e posterior transferência de R$ 5.317.003,95 (cinco milhões, trezentos e dezessete mil e três reais e noventa e cinco centavos) para uma conta à disposição do juízo.
Posteriormente, mesmo com novas provas de fraude apresentadas por Salvador, incluindo um laudo grafotécnico atestando a falsidade das assinaturas, o juiz Paulo Afonso de Oliveira autorizou o levantamento imediato dos valores para a conta da advogada Emmanuelle. Foi no embargo contra este levantamento que Paulo Afonso provisionou o saque de R$ 100 mil.
Somente após novas investigações e a prisão de Emmanuelle, os valores foram parcialmente devolvidos. A investigação apontou que o suposto João Nascimento dos Santos era um estelionatário e que a fraude teria sido orquestrada por Emmanuelle, esposa do ex-juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior, com a possível participação do juiz Paulo Afonso de Oliveira e outros.
Paulo Afonso nega a participação no esquema, diz não ter intimidade com Aldo Ferreira da Silva Júnior. Ambos ingressaram no mesmo concurso.
Tanto a PF, quanto o relator do processo disciplinar no CNJ encontraram indícios que mostram o contrário. Entre 2003 e 2006 ambos mantiveram uma conta conjunta.
Eles também integravam o grupo de WhatsApp chamado “Amigos””, com mensagens posteriormente apagadas.
Além da suspeita de recebimento de propina, Paulo Afonso é suspeito, conforme o relatório, de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.
Seu patrimônio, incluindo uma fazenda e uma aeronave, apresenta discrepâncias significativas em relação aos seus rendimentos declarados.
Ele também teria feito uma proposta de compra de outra fazenda por R$ 18 milhões, valor incompatível com sua renda. Paulo Afonso teria de trabalhar 35 anos, com o salário de magistrado, para adquirir tal propriedade.
O juiz foi afastado cautelarmente de suas funções e o PAD segue em andamento.


