Consulta do Correio do Estado encontrou, só na Capital, mais de 500 ações contra cobranças associativas indevidas
Operação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU) descobriu que um esquema envolvendo mensalidades associativas pode ter desviado bilhões das contas de aposentados e pensionistas vinculados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) entre 2019 e 2025. Parte desse dinheiro vem de beneficiários de Mato Grosso do Sul.
A investigação começou com uma pesquisa da CGU, em julho do ano passado, que identificou que 97% dos beneficiários do INSS entrevistados em todo o Brasil informaram não terem autorizado descontos de mensalidades associativas realizados na folha de pagamento. Segundo a controladoria, 1.273 pessoas foram entrevistadas pessoalmente em todos os estados, sendo 57 de Mato Grosso do Sul.
No caso dos entrevistados de MS, apesar de todos eles apresentarem descontos associativos em seus benefícios, eles declararam que não haviam aderido à associação que lhes cobrava em folha.
Mato Grosso do Sul, inclusive, foi o quinto estado onde mais pessoas foram ouvidas na pesquisa. À sua frente estão Minas Gerais (77); São Paulo e Goiás (59); e Rio de Janeiro (58). Em 14 dos 27 estados brasileiros, todos os beneficiários do INSS entrevistados não reconheceram os descontos realizados pelas associações.
De acordo com a CGU, essa pesquisa foi realizada após o órgão perceber um aumento considerável desse tipo de desconto na folha de pagamento dos aposentados do INSS.
Desde 2016, o montante obtido por meio de descontos associativos – autorizados ou não – cresceu ano após ano.
Em 2016, foram R$ 413 milhões, enquanto em 2017 foram R$ 460 milhões, R$ 617 milhões em 2018 e R$ 604 milhões em 2019. Em 2020, em meio à pandemia de Covid-19, o valor caiu para R$ 510 milhões.
Já em 2021 voltou a subir, quando foram descontados R$ 536 milhões. Em 2022, R$ 706 milhões. Em 2023,
R$ 1,2 bilhão. E no ano passado, outros R$ 2,8 bilhões.
“Até o momento, as entidades cobraram de aposentados e pensionistas o valor estimado de R$ 6,3 bilhões no período entre 2019 e 2024”, relata nota da Polícia Federal. Em Mato Grosso do Sul, foram cumpridos mandados de busca e apreensão, porém, nem a CGU nem a PF disseram quantos nem quais os alvos no Estado.
No entanto, em consulta na Justiça sul-mato-grossense feita pelo Correio do Estado, foi possível encontrar – só do último ano para cá – mais de 500 processos de vítimas de cobranças associativas indevidas em Campo Grande e outras centenas no restante do Estado.
Os relatos são de diversas associações, praticamente todas elas com funcionamento nacional, como a Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas (Caap), a Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional (Aapen), a Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (AAABP), entre outras.
OPERAÇÃO
A Operação Sem Desconto, realizada pela PF e pela CGU, cumpriu ontem 211 mandados judiciais de busca e apreensão, ordens de sequestro de bens no valor de mais de R$ 1 bilhão em MS e outros 13 estados (Alagoas, Amazonas, Ceará, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe), além do Distrito Federal. Outros seis mandados de prisão temporária foram cumpridos em Sergipe.
Segundo o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, em entrevista coletiva, a deflagração da Operação Sem Desconto foi apenas um passo importante, porém, inicial, de uma apuração que está só começando.
“Essa é uma investigação complexa que está em seu começo e que, certamente, vai ter desdobramentos”, reforçou o ministro da CGU, Vinícius de Carvalho.
Ele também afirmou que não é certo dizer que todo esse valor repassado às entidades seria ilegal, contudo, nessa pequena amostra feita pelo relatório da CGU, esse tipo de ilegalidade foi encontrado em 97% dos casos.
Por causa disso, o governo federal decidiu suspender todos os acordos de cooperação técnica que permitem que organizações da sociedade civil cobrem de aposentados e pensionistas mensalidades associativas descontadas diretamente dos benefícios pagos pelo INSS.
ORIENTAÇÕES
Segundo a advogada especializada em Direito Previdenciários Juliane Penteado, os aposentados que querem descobrir se estão contribuindo indevidamente para essas associações podem procurar o extrato do benefício, por meio do site Meu INSS.
“Lá, vai constar se há ou não essa mensalidade associativa. Ao que se sabe, muitos aposentados nem sequer têm conhecimento da origem desses descontos. A gente recebe muitas reclamações do tipo. Essas pessoas que não autorizaram têm o direito de ajuizarem uma ação contra o INSS para a suspensão imediata
da cobrança e para a devolução desses valores que foram descontados”, orientou a advogada.
Saiba
Além das prisões, a Operação Sem Desconto também resultou no afastamento de quatro servidores do
INSS e de um policial federal e da demissão do presidente do instituto, Alessandro Stefanutto.
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