Artigos e Opinião

CRÔNICA

Maria da Glória Sá Rosa: "Mombaça, meu reino do imaginário"

Maria da Glória Sá Rosa: "Mombaça, meu reino do imaginário"

Redação

07/06/2016 - 04h00
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Em minhas lembranças de Mombaça, o real e o imaginário se confundem em nebulosa de emoções. Frequentemente, me surpreendo pensando: não terei vivido no sonho os acontecimentos que estou tentando recompor? Porque, apesar de ter nascido em Mombaça, vivi pouco tempo por lá, apenas os primeiros anos da infância, quando éramos felizes e ninguém estava morto.

Minha mãe contava que fui retirada a ferro de seu útero por uma parteira chamada Benvinda; o parto acontecera de repente e não havia médico na cidade. Até hoje, tenho na testa o sinal do fórceps, que provocou uma ferida transformada em cicatriz. Escapei graças a uma promessa de minha mãe a Nossa Senhora da Glória, de quem tenho o nome.

A cidade tinha poucas ruas, algumas de nomes engraçados, como Rua da Goela. No centro delas ficava uma pracinha, de encontro dos namorados. Em frente, a agência do Correios chefiada por minha tia-avó Cristina Aderaldo, que costumava colocar o lembrete urgentíssimo em todas as cartas que enviava.

Minha mãe, Cleonice Chaves e Sá, professora formada na Escola Normal de Fortaleza, era uma mulher inteligente, meiga, mas dotada de vontade firme no que dizia respeito à educação dos filhos. Foi com ela que me alfabetizei. A cartilha eram as manchetes de jornais. Meu pai, Tertuliano Vieira e Sá, apesar de ter apenas o curso primário, era dono de texto ágil e coerente, resultado das leituras que as pessoas daquele tempo costumavam fazer.

Comerciante com sangue de cigano, veio duas vezes a Mato Grosso do Sul, onde se fixou com a família, para escapar às dificuldades econômicas da região nordestina.

Minha primeira lembrança de Mombaça é a residência de meus avós, José Laurindo de Araújo Chaves, que foi vereador, e Etelvina Aderaldo Chaves, que gerou 17 filhos, dos quais sobreviveram 11. Recordo-me das árvores frondosas em frente à casa de tetos altíssimos na qual eu gostava de ficar à janela, descascando pedacinhos da pintura envelhecida.

A grande diversão era o banho no Rio Banabuiú, com as mulheres em horário diferenciado do dos homens, na inocente nudez de quem está em paz com o mundo. Outro passeio era ao sítio de minha tia-avó Antonina Castelo (Tininha), mãe de Plácido Castelo, que foi governador do Ceará, e de José Aderaldo Castelo, escritor e professor doutor da Universidade de São Paulo.

Sinto o perfume do incenso das missas na matriz de Nossa Senhora da Glória e escuto as vozes estridentes que vinham do coro, enquanto revejo os banquinhos forrados de veludo, com o nome de cada dono numa plaquinha dourada.

Depois do jantar, as pessoas reuniam-se na calçada. Uma atmosfera de nostalgia provocava o retorno de lembranças dos que não estavam mais ali.

Mombaça são as raízes, que fremem, quando recordo cada pequeno acontecimento disperso na fumaça das emoções. Muitos anos mais tarde, voltei. A cidade se refizera, tinha ares de modernidade. Mas a pequena cidade de meus sonhos continua viva no reino da memória em que viceja a realidade de nossa vida.

Editorial

Sem desconto para a corrupção

Roubar é sempre condenável. Mas roubar de idosos muitos deles com saúde frágil, dependentes de medicamentos ultrapassa os limites da degradação moral

24/04/2025 07h15

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A Operação Sem Desconto, desencadeada ontem pela Polícia Federal em conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), revela um dos mais sombrios e revoltantes capítulos da corrupção recente no País. A gravidade do caso não está apenas nos números bilionários envolvidos, mas, sobretudo, no alvo da trama: aposentados, cidadãos que passaram a vida inteira contribuindo com seu trabalho para a construção desta nação. Agora, são lesados por aqueles que deveriam, no mínimo, respeitá-los.

Roubar é sempre condenável. Mas roubar de idosos – muitos deles com saúde frágil, dependentes de medicamentos e de apoio familiar – ultrapassa os limites da degradação moral. A apropriação indevida de valores que pertencem a aposentados é um crime vil, repulsivo, que exige da sociedade não apenas indignação, mas resposta enérgica e urgente.

As investigações apontam que associações, que em tese deveriam existir para defender os interesses dos aposentados, na prática, pouco ou nada fazem por eles. Mais do que omissas, essas entidades se revelaram cúmplices e beneficiárias de um esquema de desvio de recursos públicos. É uma traição inaceitável que se soma à já habitual sensação de abandono vivida por muitos aposentados no Brasil.

A perversidade do esquema se agrava com a constatação de que servidores públicos também participaram da fraude. Ou seja, agentes do Estado, cuja função é proteger o cidadão e zelar pelo bem público, integravam a engrenagem corrupta que sangrava silenciosamente os vencimentos dos idosos. A participação de funcionários públicos nesse tipo de crime é uma mancha que não pode ser tolerada sem consequências severas.

É justo reconhecer o trabalho sério e técnico da Polícia Federal e da CGU. A atuação coordenada dessas instituições mostra, mais uma vez, que o Estado tem ferramentas e profissionais capazes de desarticular esquemas sofisticados, mesmo quando eles envolvem ramificações em esferas administrativas complexas e protegidas por suposta legalidade.

Mas a investigação, por si só, não basta. A sociedade exige que as pessoas físicas e jurídicas envolvidas nesse escândalo sejam responsabilizadas de forma exemplar. O sistema de Justiça tem agora em mãos uma oportunidade de reafirmar seu compromisso com os que mais precisam de proteção – os aposentados – e com os valores mais elementares da ética pública.

Não se trata apenas de punir. Trata-se de preservar a dignidade daqueles que já deram sua contribuição ao País e, hoje, enfrentam a velhice com incertezas. Trata-se de mandar um recado claro: não haverá desconto para a corrupção, especialmente quando ela atinge os mais vulneráveis. O Brasil deve essa resposta a seus aposentados. E deve com urgência.

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ARTIGOS

Dos livros é que sai a identidade do brasileiro

21/04/2025 07h45

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Para se vestir de uma personalidade amadurecida, para se munir de autoestima, a criança precisa se entender e identificar quem ela é. Ela precisa sentir sua formação cultural, juntamente ao entendimento do passado como pertencente a uma nação. O orgulho de ser quem é e a construção da potencialidade pessoal têm como abre-alas a valorização do seu arredor e do que a gerou. 

Mas a nossa fragilidade, como brasileiros, está em carregar uma vulnerabilidade já intrínseca por termos sido uma vez país colônia, por já termos nascido devendo algo que nos foi muitas vezes roubado, por levarmos má fama de darmos um jeito em tudo – e por nosso “jeitinho” peculiar ou escancarado.

Parece que sempre estamos atrasados em comparação ao resto do mundo… Mas isso tudo é pura confusão de uma história mal contada de nossa origem, ou estigma herdado de gerações que apenas tentavam sobreviver. A desvalorização silenciosa do que é nosso contamina do macro ao micro. E a criança absorve esse estado de exaltação do externo e, como resposta, o imita. 

Temos que quebrar o ciclo e nos apossar do nosso valor, desvendemos os olhos para nossa beleza, raízes e raças. Nossa diversidade cultural é exuberante, temos que viver esse brio na pele e nos enchermos de amor-próprio por isso. Tudo reflete nossa fabulosa, abundante e original criatividade!

É o livro que treina a criança a incorporar todas essas facetas do Brasil e a unificá-las. De qualquer parte do País, ao mesmo tempo, ela pode dançar catira, pode produzir uma pamonha mineira, contar lendas dos bandeirantes, pode cantar com os indígenas da Amazônia, vislumbrar os búfalos de Marajó, apreciar o aroma do chimarrão e outros.

O livro as faz abraçar uma identidade com o selo intransferível de felicidade. O cenário não vem pronto, a criança que cria e transborda em mais cultura, exercitando e incorporando a imaginação, sendo o personagem principal! 

Deixemos, então, o melhor do nosso café aqui mesmo para variar e bebamos com nosso pão de queijo quentinho recheado de um bom causo.

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