Quando um médico se encontra com um colega, certamente, a conversa principal do colóquio versará sobre a medicina. O raciocínio vale para outras tantas profissões que embelezam a inteligência dos seus protagonistas. Com os operadores do Direito, a direção não é diferente. Essa introdução, embora concisa, é importante para melhor compreender e interpretar as supostas trocas de mensagens entre o ex-juiz Sergio Moro e o procurador-chefe da Lava Jato em Curitiba acerca dos processos que envolvem o ex-presidente Lula e que o site The Intercept Brasil divulgou. Cada cidadão e cidadã tem o direito de exarar o seu juízo de valor sobre o tema. Trata-se de algo delicado, desafiador, mas que precisa ser regularmente apurado para se chegar com segurança à verdade. A perícia é o melhor caminho. Este é um fato incontestável.
Mas esse tipo de relação não é algo inusitado. Protagonizamos essa relação em duas situações. No exercício da advocacia e depois no Ministério Público. Na primeira, o fato foi singular, precioso, autêntico. Instalaram a Comarca de Naviraí no dia 5 de janeiro de 1975 sem nenhuma estrutura material para funcionar adequadamente o Judiciário. O prédio da Câmara Municipal abrigou o Judiciário. A sala das sessões foi transformada no gabinete do Juiz. Ali, o magistrado recebia as autoridades e os senhores advogados e despachava os inquéritos, os processos, realizava as audiências e sentenciava nos feitos. O promotor de Justiça nem sala tinha. Sua mesa ficava na mesma sala do magistrado. Seu titular Gevair Ferreira Lima enobreceu sua instituição com o seu trabalho competente e limpo. Mas não era só isso. As casas do juiz e do promotor eram geminadas. Uma ao lado da outra e distante apenas alguns metros do local de trabalho.
Nestas circunstâncias físicas, era impossível evitar o relacionamento entre o promotor e o juiz. O desembargador aposentado Rêmolo Leteriello também judicou naquela pequenina sala. O juiz José Carlos Correa de Castro Alvim era o titular da Comarca de Iguatemi. Despachava em Naviraí uma vez por semana por absoluta falta de magistrados. Eram os advogados que se revezavam semanalmente nos deslocamentos de ida e volta do juiz. Esses relacionamentos eram saudáveis. Não tinham nenhum indicativo de dúvidas quanto ao andamento dos processos. A força do conjunto probatório ditava os rumos da sentença. No exercício da nossa função ministerial, a vertente era a mesma. Naquela época, não existia avanço tecnológico. O contato era pessoal e diário. A verdade é uma só. Esse tipo de relação nasce e avança sempre escorada nos propósitos. Juízes, advogados e membros do Ministério Público só se desvirtuam das suas funções se ignorarem os ensinamentos que receberam de suas instituições.
Elas não empurram seus membros para o abismo da decepção, do desrespeito e da vergonha. Foi isso que aprendi com João Antônio de Oliveira Martins, então chefe da Instituição Ministerial, no ato em que tomei posse no cargo de 1º promotor de Justiça da Comarca de Bataguassu. Privilegiar o trabalho sempre. A família, em especial. Escolher os relacionamentos. Eles pavimentam a estrada de uma carreira exitosa, concluiu o procurador de saudosa memória. Nesse contexto, as supostas de trocas de mensagens entre as autoridades não comprometem a força da marcha processual. São as provas colhidas dentro da lei que determinam os rumos das decisões. São passíveis de recursos. Não existe conspiração.
Dizer que os promotores não conversam com os juízes e esses com os senhores advogados é alimentar uma grande hipocrisia. A Justiça segue altaneira. A denúncia é sempre do promotor de Justiça nos casos de ação pública. Ele representa a sociedade. A sentença é competência exclusiva do juiz. Ele representa o Estado. Trabalhei com muitos juízes.
Todos íntegros e capazes. Outros tantos nomes poderiam ser declinados. O ex-juiz Sergio Moro disse na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal que não pode confirmar as gravações e que deixou o cargo de juiz federal para fortalecer o combate ao crime organizado, ao tráfico de drogas, ao contrabando de armas e munições e à corrupção no ministério da Justiça. Disse ainda não ter apego ao cargo e fez um indicativo precioso para o enfrentamento do tema. Indicou o Supremo Tribunal Federal como órgão responsável para a realização das perícias das supostas mensagens. É assim que a verdade é desvendada.
As opiniões esclarecidas. Eventuais vícios de forma e de objeto não podem prejudicar a perfeição possível dos sistemas de legalidade. Cada qual é responsável pelos seus atos. As instituições não podem ser tisnadas. Elas são perenes, soberanas e inatingíveis. Seus membros, não. São passageiros, efêmeros e fugazes.