Artigos e Opinião

ARTIGOS

As vítimas silenciadas das apostas (BETs)

O grito de famílias endividadas, jovens viciados, trabalhadores desesperados, não é ouvido pelo Executivo nem pelo Legislativo, tampouco pelo Judiciário

Continue lendo...

Neste país, é lamentável constatar que muitos homens públicos passam a maior parte do tempo em debates intermináveis, discursos vazios e disputas de poder, enquanto ignoram um drama crescente que atinge milhares de brasileiros: as vítimas das apostas esportivas on-line, as chamadas BETs.

O grito dessas pessoas – famílias endividadas, jovens viciados, trabalhadores desesperados – não é ouvido pelo Executivo nem pelo Legislativo, tampouco pelo Judiciário.

O silêncio é conveniente. Afinal, grande parte da mídia e das entidades esportivas vive hoje da publicidade milionária das plataformas de apostas.

Ex-jogadores, atletas em atividade e influenciadores se tornam rostos de campanhas que mascaram o impacto social dessas empresas – que nada produzem, nada acrescentam à economia real e, ainda assim, destroem vidas com promessas ilusórias de lucro fácil.

A tragédia se instala em silêncio. Segundo dados da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/Lenad), 10,9 milhões de brasileiros já apresentam comportamento de risco relacionado a apostas, e 1,4 milhão sofre de transtorno do jogo – um vício reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Entre adolescentes de 14 a 17 anos, o quadro é ainda mais preocupante: 55,2% dos apostadores estão na zona de risco para desenvolver problemas graves de dependência, enquanto entre adultos esse índice é de 37,7%.

Essas plataformas, que agora estampam uniformes de clubes e ocupam horários nobres de televisão, foram legalizadas sem debate amplo, sem escuta de especialistas e sem políticas de proteção.

O argumento de que os jogos já existiam de forma clandestina e que a regulamentação traria controle é, no mínimo, uma meia-verdade. Na prática, a legalização ampliou o acesso e normalizou o vício, abrindo as portas para um problema de saúde pública.

E aqui cabe a pergunta: quem vai pagar o preço das famílias destruídas, das dívidas acumuladas e das vidas ceifadas? O Estado apenas arrecadará impostos sobre o desespero das pessoas?

Estudos internacionais publicados na revista Psychological Bulletin mostram que pensar em tirar a própria vida – e, por vezes, tentar – é de duas a três vezes mais comum entre pessoas com relação problemática com o jogo do que entre o restante da população.

Um em cada três apostadores já pensou em se matar, e um em cada oito tentou. A estatística, baseada em dados de 4,6 milhões de pessoas analisadas por pesquisadores da Noruega e do Reino Unido, revela o tamanho do risco que o País resolveu ignorar.

Do ponto de vista de políticas públicas, esses números levantam questionamentos urgentes: quem assumirá os custos sociais e humanos gerados pelo vício – abandono familiar, dívidas, sofrimento e suicídios silenciosos?

Por que a regulamentação e a tributação das BETs foram priorizadas sem medidas concretas de prevenção, tratamento e apoio às vítimas? E, sobretudo, por que o poder público se recusa a ouvir os especialistas em saúde mental e as entidades que tratam de dependentes do jogo?

Não é aceitável que o Brasil normalize esse cenário. A legalização das apostas deveria ter vindo acompanhada de uma estrutura de proteção, com campanhas educativas, restrição de publicidade, financiamento a centros de tratamento e fiscalização sobre clubes e influenciadores que promovem essas marcas.

O futebol brasileiro, que deveria ser um instrumento de inclusão e alegria, se tornou um dos maiores canais de difusão das apostas, expondo torcedores – especialmente jovens – a riscos psíquicos e financeiros.

As entidades que dirigem o esporte, assim como os clubes e federações, deveriam ser investigadas por sua responsabilidade nesse processo.

É urgente que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário parem de tratar o tema como mera fonte de arrecadação e passem a enxergá-lo como o que realmente é: uma questão de saúde pública e de dignidade humana. A sociedade brasileira precisa reagir antes que o lucro fácil continue transformando esperança em ruína.

EDITORIAL

Judiciário não é palco nem mercado

Restringir a atuação como coach e impor limites a determinadas docências, especialmente aquelas transformadas em verdadeiros cursos caça-níqueis, é fundamental

13/12/2025 07h15

Continue Lendo...

A decisão do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Edson Fachin, de proibir que magistrados atuem como coaches, seja nas redes sociais ou fora delas, não é apenas correta como necessária.

Trata-se de um freio institucional que chega em boa hora a um Judiciário que, nos últimos anos, tem convivido com excessos de exposição, vaidade e práticas que colocam em xeque a sobriedade exigida da magistratura.

Não é de hoje que esse limite vem sendo testado.

Há cerca de dois anos, causou perplexidade o caso de um ex-juiz federal que passou a vender cursos na internet ensinando “táticas” para ganhar recursos judiciais. O paradoxo salta aos olhos: quem julgava recursos passou a faturar dinheiro “por fora” ensinando advogados a vencê-los.

Ainda que se alegue liberdade profissional após deixar a toga, a prática é, no mínimo, eticamente questionável e contribui para corroer a confiança da sociedade na imparcialidade do sistema de Justiça.

A medida de Fachin reconhece um problema real: tem faltado comedimento à parte da magistratura brasileira.

Em tempos de redes sociais, palestras remuneradas e cursos de viés mercadológico, alguns juízes parecem ter esquecido uma máxima antiga, simples e ainda extremamente atual: o lugar em que o magistrado mais deve falar é nos autos.

A autoridade da toga não se constrói com likes, seguidores ou discursos performáticos, mas com decisões técnicas, fundamentadas e discretas.

Restringir a atuação como coach e impor limites à determinadas docências, especialmente aquelas transformadas em verdadeiros cursos caça-níqueis, é fundamental. Não se trata de censura nem de cerceamento da liberdade intelectual, mas de preservação da função jurisdicional.

O juiz não é um influenciador digital, tampouco um vendedor de fórmulas de sucesso processual. É agente do Estado, investido de poder para decidir conflitos com independência e imparcialidade.

Isso, porém, não significa defender um Judiciário hermético ou alheio à sociedade. Ao contrário: as cortes precisam, sim, se comunicar melhor nestes novos tempos, explicar decisões complexas, dialogar institucionalmente com a população e prestar contas de seu funcionamento. Comunicação institucional é necessária; autopromoção individual, não.

No fim das contas, o que está em jogo é o respeito à própria instituição. O Judiciário é, talvez, o Poder que mais precisa ser respeitado para que a democracia funcione. E esse respeito não é um privilégio – é uma obrigação que começa dentro de casa.

Seriedade, sobriedade e autocontenção não são virtudes acessórias para magistrados; são requisitos essenciais para quem exerce uma das funções mais sensíveis do Estado.

ARTIGOS

Novas regras do Banco Central sobre ativos virtuais: um marco de maturidade regulatória

Brasil consolida seu papel de protagonista na integração entre inovação financeira e solidez regulatória, aproximando-se dos padrões internacionais de governança e Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo

12/12/2025 07h45

Continue Lendo...

Em 10 de novembro, o Banco Central do Brasil deu um passo histórico ao publicar as Resoluções BCB nº 519, nº 520 e nº 521, que inauguram um novo ciclo de regulação do mercado de ativos virtuais no País.

Com essas normas, o Brasil consolida seu papel de protagonista na integração entre inovação financeira e solidez regulatória, aproximando-se dos padrões internacionais de governança e Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLD/FT).

Mais do que um conjunto técnico de regras, essas resoluções representam um amadurecimento institucional do sistema financeiro brasileiro diante da realidade cripto. Até então, o setor operava em uma zona cinzenta regulatória, com supervisão limitada e grande diferenças de informações entre prestadores e usuários.

Agora, o País passa a estabelecer bases claras para a operação de Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (Psav), além de definir, pela primeira vez, o tratamento cambial para operações internacionais com criptoativos.

A Resolução BCB nº 519/2025 impõe um padrão de governança que coloca as Psav sob um nível de exigência comparável ao das instituições financeiras. Exige-se segregação patrimonial, controles internos robustos e políticas de PLD/FT equivalentes às do sistema bancário.

Essa medida mitiga riscos de uso indevido dos recursos dos clientes e reduz o espaço para fraudes e práticas abusivas. Pontos sensíveis em um setor historicamente marcado por volatilidade e escândalos.

Já a Resolução BCB nº 520/2025 institui o processo de autorização prévia para funcionamento das Psav, com vedações expressas à oferta de crédito e à captação de recursos de clientes qualificados.

O objetivo é proteger investidores e garantir que as operações com criptoativos não contaminem o sistema financeiro tradicional com riscos de liquidez e solvência. A exigência de sede no Brasil e critérios rigorosos de idoneidade e gestão de riscos também reforçam o compromisso com a responsabilidade corporativa e a transparência operacional.

Por sua vez, a Resolução BCB nº 521/2025 corrige uma lacuna importante ao enquadrar as operações internacionais com criptoativos, como operações de câmbio, sempre que houver conversão de moeda ou transferência internacional de valores.

Essa regra coloca as transações de cripto sob a mesma lente de compliance cambial que rege outras formas de movimentação financeira internacional, prevenindo brechas para evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Para bancos e instituições financeiras, o novo marco regulatório representa tanto uma oportunidade quanto uma responsabilidade. A integração dos serviços com ativos virtuais ao portfólio bancário passa a ser viável, desde que sejam obedecidos os novos parâmetros de segurança, segregação de recursos e reporte regulatório.

Ao mesmo tempo, essas instituições terão de repensar suas estruturas de governança e compliance para acomodar o ecossistema cripto dentro de uma lógica de controle prudencial.

Alguns pontos, entretanto, merecem atenção especial: a vedação de crédito com recursos próprios em operações cripto, a segregação total de fundos de clientes, o reforço dos controles de PLD/FT, e o tratamento cambial obrigatório em transações internacionais.

Tais exigências sinalizam que o Banco Central, de maneira mais que devida e assertiva, pretende equilibrar o incentivo à inovação com a blindagem contra riscos sistêmicos e ilícitos financeiros.

Contudo, o período de adaptação será curto. As regras entram em vigor a partir de 2 de fevereiro de 2026 e as obrigações adicionais de reporte internacional passam a valer a partir de 4 de maio de 2026.

Empresas que já atuam no mercado precisam, portanto, iniciar imediatamente seus processos de adequação, revisando estruturas societárias, sistêmicas, políticas de custódia e mecanismos de compliance.

Por fim, as novas resoluções não devem ser vistas como um freio à inovação, mas como um sinal evidente de maturidade regulatória do País.

Ao oferecer um ambiente seguro, transparente e supervisionado, o Banco Central cria as condições para que o Brasil se consolide como um polo confiável de desenvolvimento em blockchain e ativos digitais. É o início de uma nova era em que a confiança institucional passa a ser o ativo mais valioso do universo cripto.

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).