Escândalos de corrupção já não surpreendem o Brasil. Mas a Operação Ícaro, deflagrada neste mês pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), para desarticular esquema de fraude fiscal e corrupção, trouxe um protagonista improvável.
No centro do esquema, que pode ter desviado mais de R$ 1 bilhão em créditos de ICMS, estava um auditor fiscal formado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), reconhecido como o melhor aluno de sua turma. Um profissional brilhante, que colocou sua genialidade a serviço do crime, em tese.
Segundo o MPSP, ele dominava todas as etapas da engrenagem criminosa: criou uma empresa de fachada em nome da mãe, articulou contratos fictícios e blindava os participantes contra revisões internas.
Empresas de renome, como Ultrafarma e Fast Shop, aparecem na teia de investigações. Apesar da sofisticação técnica, o castelo de cartas ruiu. A esperteza venceu no curto prazo, mas não resistiu ao tempo.
Esse contraste entre brilho intelectual e falência ética revela uma verdade desconfortável: inteligência não é o suficiente. Ser o melhor da turma em matemática, estratégia ou gestão não protege ninguém contra o colapso da própria consciência. Quando a arrogância combina com a impunidade, a queda é mais ruidosa.
Há um mito recorrente nas empresas de que basta contratar os mais competentes e deixar que a técnica resolva o resto. Essa lógica é perigosa. Competência sem caráter se transforma em risco.
Um engenheiro brilhante pode maquiar números. Um advogado pode estruturar contratos de fachada. Um gestor carismático pode normalizar assédios. O que falta, nesses casos, não é inteligência: é integridade.
É aqui que entra o papel do programa de compliance. Muitos ainda veem a integridade como entrave burocrático, um custo que limita a “eficiência”. Mas basta observar as manchetes para perceber o erro dessa visão. A integridade não é um freio, é o critério que qualifica a esperteza.
Sem ela, a astúcia se degenera em manipulação, e a inteligência técnica converte-se em risco. É a integridade que separa a competência confiável da dissimulação brilhante, garantindo que resultados não venham à custa da reputação.
A razão de existir de um programa de compliance efetivo é impedir que a esperteza se transforme em fraude tolerada, seja no setor público ou no privado. Ele cria barreiras contra práticas ilícitas, fortalece mecanismos de detecção de irregularidades e assegura canais confiáveis para denúncias.
Mais do que controles, consolida a cultura que lembra todos os dias: inteligência sem integridade não é ativo, é risco.
A lição da Operação Ícaro é clara: a inteligência técnica pode abrir portas, mas só a integridade mantém essas portas abertas. O auditor que dominava todas as variáveis do esquema não previu a mais óbvia: o tempo.
Cedo ou tarde, a esperteza é desmascarada. E o preço da queda é sempre alto – perda de liberdade, destruição de reputação, ruína de empresas e prejuízo direto à sociedade.
Quem acha que integridade é supérflua se engana. E quem aposta apenas na inteligência, acreditando que ela basta para se proteger, também. A conta chega e é alta.
Não é questão de moralismo, mas de sobrevivência empresarial. A verdadeira liderança exige mais do que cérebro. Exige caráter. Porque a esperteza pode até sair na frente, mas não vai longe.


