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Jornada híbrida de trabalho e o direito à desconexão

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A jornada híbrida, impulsionada pela pandemia de Covid-19 e consolidada por vantagens como flexibilidade e aumento da produtividade, tornou-se uma realidade em muitas empresas. Contudo, essa modalidade também trouxe desafios inéditos, especialmente relacionados ao direito à desconexão e ao equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

A jornada híbrida combina o trabalho presencial com o remoto, permitindo que o empregado trabalhe alguns dias em casa e alguns dias na sede da empresa. Esse modelo traz benefícios, como a redução do tempo de deslocamento, maior flexibilidade de horários e, muitas vezes, a melhoria da qualidade de vida do trabalhador. Contudo, ao mesmo tempo em que proporciona mais autonomia, o modelo híbrido também apresenta desafios, sendo um deles a delimitação do início e do término da jornada de trabalho, de modo a assegurar ao empregado o direito à desconexão.

O direito à desconexão é o direito do trabalhador de não ser contatado, acionado ou cobrado fora de seu horário de trabalho. Esse direito visa garantir que o funcionário possa “desligar-se” do trabalho para se dedicar a atividades pessoais e descansar, promovendo o equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional. No Brasil, ainda não há uma legislação específica sobre o tema, mas o princípio é sustentado pela Constituição, que assegura aos trabalhadores o direito ao lazer e ao descanso.

Com a implementação do modelo híbrido, o direito à desconexão se tornou um desafio prático para as empresas, já que o trabalho remoto frequentemente dilui os limites entre o expediente e o tempo livre do trabalhador. O desafio é ainda maior quando o trabalhador utiliza dispositivos eletrônicos, como e-mails e aplicativos de mensagens, para se comunicar com a equipe, pois isso pode gerar no empregador a expectativa de que ele esteja sempre disponível para atender solicitações fora do horário de trabalho.

Esse cenário acaba pressionando os empregados a responderem ou resolverem questões urgentes após o expediente, o que pode levar à exaustão, ao aumento do estresse e ao esgotamento físico e mental. Esses fatores afetam não apenas a saúde e o bem-estar do trabalhador, mas também a produtividade no longo prazo.

No Brasil, o direito à desconexão tem sido abordado pela Justiça do Trabalho, que tem reconhecido a necessidade de limitar o tempo de contato com o trabalhador fora do expediente. Em diversos casos, decisões judiciais vêm estabelecendo indenizações por danos morais quando o empregador aciona o trabalhador reiteradamente fora do horário de trabalho.

Um exemplo relevante desse posicionamento dos tribunais trabalhistas é a decisão da 3ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, no processo nº 0011059-09.2020.5.15.0109, publicada em 18/10/2023, sob a relatoria do desembargador Helcio Dantas Lobo Júnior. Nesse caso, foi mantida a condenação da empresa ao pagamento de danos morais, uma vez que o empregado comprovou ser acionado após o expediente por meio de um aplicativo de mensagens.

A decisão destacou que “manter o empregado conectado ao trabalho nos momentos em que deveria descansar, através de aplicativos de celular, fere o direito à desconexão, sendo passível de gerar indenização por danos morais, por limitar o direito fundamental ao lazer e convívio social”.

Para garantir que o direito à desconexão seja respeitado no modelo de jornada híbrida, as empresas podem adotar algumas práticas. Primeiramente, é importante formalizar uma política de desconexão que oriente os horários de resposta a e-mails e mensagens fora do expediente, estabelecendo que essas comunicações sejam respondidas apenas no próximo dia útil, salvo em casos emergenciais.

Além disso, os gestores devem ser treinados para que administrem suas equipes dentro do horário de trabalho e respeitem o período de descanso dos empregados. Assim, as lideranças também incentivam o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. A implementação de ferramentas de controle de jornada no trabalho remoto também é importante, pois protege a empresa e previne discussões sobre horas extras e disponibilidade fora do horário laboral.

O modelo de jornada híbrida é uma tendência que veio para ficar e que pode trazer benefícios para empregadores e empregados. No entanto, para que o trabalho híbrido realmente contribua para a qualidade de vida e a produtividade, é necessário que o direito à desconexão seja respeitado, permitindo que os trabalhadores preservem o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.

A adoção de políticas claras, a capacitação dos gestores e o uso de ferramentas tecnológicas são passos essenciais para que o ambiente híbrido promova não apenas produtividade, mas também bem-estar e respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores.

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O incremento da licença-paternidade e o desafio de não elevar ainda mais o Custo Brasil

21/11/2024 07h30

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Por pressão legítima de entidades da sociedade civil organizada, a discussão sobre o aumento da licença-paternidade tem aumentado nos últimos anos. É difícil ser contra a ideia de que os pais possam participar mais ativamente do início da vida dos seus filhos, assumindo uma maior responsabilidade pelos seus cuidados. A necessidade de regulamentação desse direito está prevista no artigo 7º, inciso XIX, da Constituição Federal. Enquanto não regulamentado, define o art. 10, parágrafo 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que o prazo da licença-paternidade é de cinco dias.

Recentemente, foi levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF) a omissão na regulamentação do art. 7º, inciso XIX, da Constituição. A conclusão foi no sentido de reconhecimento da omissão do Legislativo, fixando-se o prazo de 18 meses para o Congresso Nacional sanar essa omissão. Caso não o faça, provavelmente o STF o fará, podendo estabelecer a equiparação entre os prazos das licenças maternidade/paternidade.

Há mais de 100 projetos de lei versando atualmente sobre o tema no Congresso, mas um dos principais traz uma ampliação gradual do prazo da licença-paternidade, podendo chegar a até 60 dias e custeada pela Previdência Social.

É importante que se tenha consciência, entretanto, que com esse prazo de licença o Brasil passará a ter uma das maiores licenças-paternidades do mundo, ficando mais próximo de países como a Eslovênia e a Finlândia. Destoaremos, assim, da totalidade dos países da América Latina, em que a licença-paternidade está na média de cinco dias. Os que contam com prazo maior – casos de Colômbia, Equador e Venezuela – oferecem licenças remuneradas de 8, 10 e 14 dias, respectivamente.

A razão pela qual esses países não adotam prazos maiores está ligada, sem dúvida, aos custos decorrentes e aos impactos sobre a competitividade das empresas. 

É impossível ignorar o “custo dos direitos”, para fazer lembrar o título da famosa obra de Holmes e Sunstein, ainda mais em matéria de seguridade social.

Ora, foi para evitar que o poder público continuasse cedendo à pressão de grupos que pleiteiam direitos previdenciários os mais diversos que a Carta Magna determinou que “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total” (art. 195, § 5º).

O caráter social da Previdência não sobrevive sem a observância do seu aspecto contributivo e a preservação do seu equilíbrio financeiro e atuarial, como as sucessivas reformas previdenciárias têm sinalizado e reforçado.

Em um momento em que ainda se discute a necessidade de redução da carga tributária das empresas por meio da reforma tributária e que já começam as notícias sobre a necessidade de uma nova reforma previdenciária, não vislumbramos como fazer avançar nesse debate, como se fossem questões completamente dissociadas. Pois não são.

Nesse mesmo sentido, se os custos da ampliação da licença-paternidade forem das empresas, há de se considerar já o elevado custo da contratação formal no País. A decisão de eventual ampliação da licença deve ser realística, levando-se em conta a capacidade da Previdência e das empresas, de modo a não engrossar ainda mais o Custo Brasil, com impactos na competitividade e na geração de empregos formais.

De toda forma, o Congresso é quem conta com as melhores condições de definir sobre essa alocação de custos e direitos. Espera-se, assim, que o Poder Legislativo exerça de forma adequada essa prerrogativa dentro do prazo fixado pelo Supremo, sem se olvidar dos princípios e das diretrizes que dão sustentação ao nosso já combalido sistema de seguridade social e à sustentabilidade das empresas.

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O que tem para dizer o MPF?

19/11/2024 07h45

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O que há de ser entendido no silêncio que o Ministério Público Federal (MPF) adotou – quando se calou e se mantém calado – diante da solução que os governos federal e estadual encontraram para pôr fim ao caso da Terra Indígena (TI) Ñande Ru Marangatu, em Mato Grosso do Sul?

Como é sabido, a questão abarcava conflitos violentos que vinham acontecendo há décadas entre indígenas e não indígenas. Esses conflitos foram desencadeados a partir da instrução do processo administrativo em que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) demarcou – pela ocupação indígena em passado remoto que ela mesmo declarou – um território inteiro de terras particulares em Antônio João, até então, integralmente ocupado, possuído e explorado há quase um século por seus respectivos proprietários. 

O que amparava esses conflitos era a teoria do indigenato, de 1912, do ministro João Mendes, que pela ocupação indígena em passado remoto identificou a TI Ñande Ru Marangatu. Essa forma de identificação de terra indígena tem sido a causa das incontáveis invasões indígenas às terras particulares que ocorreram e que ocorrem todos os dias em MS e em muitas regiões do território nacional.

Lado outro, a Comissão Especial de Autocomposição do Supremo Tribunal Federal (STF) homologou o acordo, o que leva concluir que a mais alta Corte de Justiça concorda com esse modus operandi de se identificar terras indígenas e o adota, como se tanto fosse possível, na solução das causas que julga envolvendo matéria indígena. O exemplo mais recente envolve o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.017.365/SC.

Aliás, a Corte faz confusão quando identifica terras indígenas. Ora adota a teoria do indigenato, ora adota a sua própria interpretação, proclamada na assertiva de que a “configuração de terras ‘tradicionalmente ocupadas’ pelos índios já foi pacificada com a edição da Súmula nº 650, que dispõe: ‘Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto’”.

Notadamente, o STF relativizou ainda mais o direito de propriedade constitucional diante da matéria indígena, proclamando que, uma vez constatada a ocupação indígena em passado remoto, não há que se invocar o direito de propriedade, o título translativo nem a cadeia sucessória do domínio como defesa. Em resumo, o posicionamento extremo do Supremo é de que a ocupação indígena – seja ela presente, seja ela em passado remoto (indigenato) – define a terra indígena da União. 

A seu turno, por que o MPF – ferrenho defensor dessa ordem jurídica – deixou que os governos federal e estadual pagassem aos particulares pelas terras indígenas que ocupavam e exploravam no distrito de Campestre, em Antônio João? Com a palavra, o MPF em Mato Grosso do Sul!

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