Dificilmente vai haver um consenso na história da humanidade sobre o conflito de interesses entre os grupos que a compõem. É da essência do ser humano, sempre, querer mostrar que o destino do caminho escolhido por um grupo é melhor do que o outro, e por essa razão todos devem seguí-lo, e para que isso aconteça o método empregado há milênios é o discurso.
O problema começa a aparecer quando o discurso do líder é maior que a causa, nitidamente para satisfações pessoais (por egoísmo, vaidade ou loucura) e aqueles que o seguem começam a acreditar piamente que aquele motivo também pertence a eles, surgindo também interesses pessoais escusos do grupo contrário, que criam um discurso digladiador, elegendo outro líder, instigando a massa, instaurando o caos, sem se preocuparem com o todo, considerando totalmente natural a defesa individual com a extirpação do grupo alheio.
Na história da humanidade, Erasmo de Rotterdam quando escreveu “Elogio da Loucura”, o fez como forma erguer um discurso a denunciar a hipocrisia e histeria coletiva da humanidade, a fim de chamar as pessoas de volta à razão, e que quando o escreveu a sua obra no século 16 criticou juristas minuciosos, matemáticos empertigados, bispos luxuriosos, comerciantes gananciosos e governantes corruptos, enfim, ninguém escapou.
E Rotterdam, num período em que a Igreja Católica detinha o poder estatal, político e religioso, em franco gesto espirituoso e divertido a criticou, mas concluiu a sua obra que toda hipocrisia, e os piores adjetivos humanos, tinha um único culpado que era a loucura, e ele justificava na Bíblia a sua assertiva em Corintios 1:25 quando disse que “a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria humana”.
Ingenuamente, porém, o confessa Jeremias: “Todos os homens tornaram-se loucos à força da sabedoria.”
Muito embora fosse uma obra considerada perigosa para a época, o Vaticano compreendeu a importância dela, que Rotterdam queria uma reforma interna da Igreja e não uma ruptura, e que, de forma inteligente, não puniu o autor da obra e jamais pessoalizou as suas ideias, encarando como uma crítica construtiva para fortalecer a sua instituição.
O discurso de Rotterdam extremamente ácido e, à época, considerado chulo pelo linguajar pouco polido em tecer críticas a Igreja Católica, que era a instituição mais poderosa do planeta, que poderia prende-lo e executá-lo em praça pública se quisesse, decidiu com sabedoria, racionalidade, serenidade e de forma institucional, ouví-lo e entender que Rotterdam advertia a Igreja Católica de que se não mudasse haveria uma rebelião interna, o que, de fato, aconteceu com a reforma protestante de Martinho Lutero pela acusação de venda das indulgências, que o Vaticano teve que tomar providências urgentes para que não perdesse os seus fiéis, e imediatamente assim o fez.
O Vaticano mostrou que as instituições de poder servem para serem maior que a causa, o Vaticano veio mostrar que uma instituição não precisa impor o terror e o medo quando lhe apontam o dedo na cara, a instituição da Igreja Católica foi sábia ao ouvir Rotterdam, quando este lhe anteviu o problema.
Ela não o acusou e não agiu de forma ditatorial e covarde para proibir ideias, quando Rotterdam foi às ruas e escancarou o problema da venda das indulgências, que já era de conhecimento público.
O Vaticano entendeu que se prendesse e aniquilasse quem apenas lhe criticasse, outros clérigos de outros países imporiam-lhe sansões piores do que a Igreja Católica sofreu, que foi a reforma protestante pela Alemanha, e que julgamentos que envolvam o interesse público devem ser tomados por um colegiado, com sabedoria e prudência, como o fez o Vaticano, e não de forma individual, como alguns membros do Vaticano quiseram, a fim de preservar o último bastião da fé humana: a Justiça.


