Artigos e Opinião

EDITORIAL

Quando a cidade esquece seu coração

Campo Grande precisa repensar seu centro, transformando imóveis vazios e comércio em declínio em espaço de cultura, serviços e convivência

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Na semana passada, arquitetos, urbanistas e autoridades se reuniram para discutir os rumos – ou talvez a ausência deles – para o centro de Campo Grande. O debate é necessário e urgente, pois a região, que já foi o cartão-postal da cidade, hoje parece esquecida e desprezada. Antes, porém, de avançarmos na análise crítica, é importante destacar que não houve descaso em termos de infraestrutura.

Em 2019, a Rua 14 de Julho e seu entorno passaram por um amplo processo de revitalização, que aplicou conceitos urbanísticos modernos, com calçadas largas, iluminação diferenciada e espaço mais amigável ao pedestre. Ainda assim, o projeto não conseguiu transformar a dinâmica da região como se esperava.

O que deu errado? Reportagens recentes do Correio do Estado trouxeram explicações de especialistas que ajudam a entender o quadro. Um dos fatores está na supervalorização dos imóveis. Muitos proprietários insistem em cobrar aluguéis ou preços de metro quadrado que não condizem com a realidade do mercado.

O resultado é uma vacância persistente, com lojas fechadas e prédios abandonados. Ninguém ganha: comerciantes não conseguem pagar valores fora da realidade, consumidores não encontram diversidade de serviços e produtos, e os donos dos imóveis ficam sem renda. É hora de os proprietários terem mais pé no chão e reconhecerem que especulação não é sinônimo de valorização.

Além disso, é preciso pensar em mecanismos para que o centro volte a pulsar. Em tempos de e-commerce e shoppings consolidados, insistir apenas no comércio tradicional é um equívoco. O coração da cidade precisa ser reposicionado como espaço de experiência: gastronomia, entretenimento, cultura, educação e serviços devem ser tratados como vocações naturais da região central.

O público que frequenta bares na Rua 14 de Julho, por exemplo, é prova viva de que há demanda. Mas, em vez de incentivar, tanto o poder público quanto parte do comércio local parecem agir de forma truculenta e hostil com o público que busca entretenimento na região, criando barreiras ao que poderia manter o centro vivo e atrativo.

Outro ponto essencial é a recuperação de prédios abandonados e salas comerciais ociosas. Uma política de retrofit é fundamental para dar novos usos a edifícios fantasmas, sejam eles residenciais ou comerciais. Para isso, incentivos fiscais como redução de ISS e IPTU seriam bem-vindos, assim como a adoção de um IPTU progressivo para punir a vacância especulativa, que trava a revitalização e contribui para a degradação.

O Reviva Centro, projeto que nasceu com grandes expectativas, até agora não atingiu seus objetivos. Não basta urbanizar calçadas, trocar luminárias e plantar árvores: é preciso uma estratégia integrada, que envolva setor público, comerciantes e sociedade civil em torno de um projeto de identidade para o coração da cidade.

Campo Grande só terá um centro vivo e pulsante quando aceitar que o espaço precisa se reinventar – com aluguéis realistas, vocações respeitadas e políticas públicas ousadas. O futuro da cidade passa, inevitavelmente, por sua capacidade de resgatar o centro que, um dia, já foi nobre.

Artigos

Cop 30, a hora da verdade

Escrito pela presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva

06/11/2025 03h00

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República Divulgação

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Começa hoje, na Amazônia brasileira, a Cúpula de Belém, que antecede a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30). Convoquei os líderes de todo o mundo para essa reunião, dias antes da abertura da COP, para que todos assumam o compromisso multilateral de agir com a urgência que a crise climática exige.

Se não atuarmos de maneira efetiva, para além dos discursos, nossas sociedades perderão a crença nas COPs, no multilateralismo e na política internacional de maneira mais ampla. É por isso que convoquei os líderes globais para a Amazônia e conto com o empenho de todos eles para que essa seja a COP da verdade, o momento em que provaremos a seriedade de nosso compromisso com todo o planeta.

Ações coletivas baseadas na ciência provam nossa capacidade de enfrentar e vencer grandes desafios. Fomos capazes de proteger a camada de ozônio. A resposta global à pandemia da Covid-19 provou que o mundo dispõe de meios para agir, sempre que há coragem e vontade política.

O Brasil foi sede da Cúpula da Terra em 1992. Aprovamos as convenções do Clima, da Biodiversidade e da Desertificação e os princípios que estabeleceram um novo paradigma e rumo para preservarmos o planeta e a humanidade. Nesses 33 anos, os encontros resultaram em acordos e metas importantes para a redução dos gases de efeito estufa (zerar o desmatamento até 2030, triplicar o uso de energia renovável, etc.).

Mais de três décadas depois, o mundo volta para o Brasil para discutir o enfrentamento à mudança do clima. Não é à toa que a COP30 aconteça no coração da floresta amazônica. É uma oportunidade para que políticos, diplomatas, cientistas, ativistas e jornalistas conheçam a realidade da Amazônia.

Queremos que o mundo veja a real situação das florestas, da maior bacia hidrográfica do planeta e dos milhões de habitantes da região. As COPs não podem ser apenas uma feira de boas ideias, nem uma viagem anual dos negociadores. Elas devem ser o momento de contato com a realidade e de ação efetiva no enfrentamento à mudança do clima.

Para combater, juntos, a crise climática precisamos de recursos. E reconhecer que o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, continua sendo a base inegociável de qualquer pacto climático.

Por essa razão, o Sul Global exige maior acesso a recursos. Não por uma questão de caridade, mas de justiça. Os países ricos foram os maiores beneficiados pela economia baseada em carbono. Precisam, portanto, estar à altura de suas responsabilidades. Não apenas assumir compromissos, mas honrar suas dívidas.

O Brasil está fazendo sua parte. Em apenas dois anos, já reduzimos pela metade a área desmatada na Amazônia, mostrando que é possível agir concretamente pelo clima.

Lançaremos em Belém uma iniciativa inovadora para preservar as florestas: o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF). É inovador por ser um fundo de investimento, e não de doação. O TFFF remunerará quem mantiver suas florestas em pé e também quem investir no fundo. Uma lógica de ganha-ganha no enfrentamento à mudança do clima. Liderando pelo exemplo, o Brasil anunciou investimento de US$ 1 bilhão no TFFF e esperamos anúncios igualmente ambiciosos de outros países.

Também demos o exemplo ao nos tornarmos o segundo país a apresentar sua nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC). O Brasil se comprometeu a reduzir entre 59 e 67% suas emissões, abrangendo todos os gases de efeito estufa e todos os setores da economia.

É nesse sentido que convocamos todos os países a apresentarem NDCs igualmente ambiciosas e as implementarem efetivamente.

A transição energética é fundamental para o cumprimento da NDC brasileira. Nossa matriz energética é uma das mais limpas do mundo, com 88% da eletricidade vinda de fontes renováveis. Somos líderes em biocombustíveis e avançamos na energia eólica, solar e hidrogênio verde.

Direcionar recursos da exploração do petróleo para financiar a transição energética justa, ordenada e equitativa será fundamental. As empresas petroleiras do mundo, como a brasileira Petrobras, com o tempo se transformarão em empresas de energia, porque é impossível seguir indefinidamente com um modelo de crescimento baseado nos combustíveis fósseis.

As pessoas devem estar no centro das decisões políticas sobre o clima e a transição energética. Precisamos reconhecer que os setores mais vulneráveis da nossa sociedade são os mais afetados pelos efeitos da mudança climática, por isso, os planos de transição justa e adaptação precisam ter como objetivo o combate às desigualdades.

Não podemos esquecer que 2 bilhões de pessoas não têm acesso à tecnologia e combustíveis limpos para cozinhar. 673 milhões de pessoas ainda vivem com fome no mundo. Em resposta a isso, lançaremos, em Belém, uma Declaração sobre Fome, Pobreza e Clima. É essencial que o compromisso da luta contra o aquecimento global esteja diretamente relacionado ao combate à fome.

Também é fundamental que avancemos com a reforma da governança global. Hoje o multilateralismo sofre com a paralisia do Conselho de Segurança da ONU. Criado para preservar a paz, não consegue impedir as guerras. É nossa obrigação, portanto, lutar pela reforma dessa instituição.

Na COP30, defenderemos a criação de um Conselho de Mudança do Clima da ONU, vinculado à Assembleia Geral. Uma nova estrutura de governança, com força e legitimidade para garantir que os países cumpram o que prometeram. Um passo efetivo para reverter a atual paralisia do sistema multilateral.

A cada Conferência do Clima, ouvimos muitas promessas, mas poucos compromissos efetivos. A época das cartas de boas intenções se esgotou: é chegada a hora dos planos de ação. Por isso, começamos hoje a “COP da verdade”.

* Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República Federativa do Brasil

 

ARTIGOS

Donald Trump e a perigosa escalada nuclear no mundo

Em troca da redução das tarifas impostas a Pequim, Washington busca recuperar espaço na venda de soja e no acesso aos minerais de terras raras do país asiático

05/11/2025 07h45

Arquivo

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O governo de Donald J. Trump firmou um acordo relevante com a China, voltado à melhoria das relações comerciais entre os dois países.

Em troca da redução das tarifas impostas a Pequim, Washington busca recuperar espaço na venda de soja e no acesso aos minerais de terras raras do país asiático – elementos estratégicos para diversas indústrias de alta tecnologia.

Trata-se de uma negociação crucial para a frágil estabilidade do comércio global, marcada por tensões e dificuldades de consenso entre as grandes potências.

Entretanto, no mesmo dia em que anunciou o entendimento com a China, Trump declarou a intenção de retomar os testes nucleares, prática abandonada desde o fim do século 20.

Diante das incertezas geradas pela guerra entre Ucrânia e Rússia, pelos avanços tecnológicos de Pequim e pelas pesquisas nucleares iranianas, os Estados Unidos preparam-se novamente para a hipótese de uma guerra total no século 21.

Único país a lançar bombas atômicas contra outro, Washington conhece bem os dilemas éticos, políticos e estratégicos que esse tipo de decisão acarreta à complexa arena geopolítica internacional.

O cenário poderia ser amenizado com novos tratados que visassem restringir o uso e os testes de armas nucleares. Contudo, tais iniciativas parecem inviáveis enquanto as três maiores potências militares – Estados Unidos, Rússia e China – mantiverem-se em estado de tensão ou conflito iminente.

Assim, enquanto Moscou se sentir ameaçada pela expansão da Otan e Pequim interpretar o apoio norte-americano a Taiwan como provocação direta, a dissuasão nuclear continuará a ser um pilar estratégico na manutenção do equilíbrio global.

Na pior hipótese, porém, esse mesmo equilíbrio pode se transformar em um gatilho para uma catástrofe de proporções apocalípticas.

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