Artigos e Opinião

EDITORIAL

Quem aposta no conflito deve perder

Quem aposta no conflito deve perder. Perder espaço, perder influência, perder legitimidade. Só assim se cria um ambiente no qual a solução pacífica, mediada e técnica seja mais vantajosa

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Os episódios recentes em Mato Grosso do Sul acenderam mais uma vez o alerta sobre a urgência de se enfrentar, com seriedade e racionalidade, os conflitos fundiários entre indígenas e proprietários de terras. Em Iguatemi, no Cone-Sul, duas pessoas já morreram em decorrência dos confrontos.

No mês anterior, em Caarapó, o embate também ocorreu, deixando feridos – desta vez, sem vítimas fatais. A recorrência dos fatos revela um cenário que se agrava e que não pode ser tratado como algo inevitável ou circunstancial.

Antes de qualquer debate sobre demarcações, titulações ou direitos, é preciso pôr fim ao ciclo de violência e dificultar a vida dos que, por interesse político, financeiro ou ideológico, apostam justamente no conflito como estratégia.

É claro que há pleitos legítimos por parte de povos indígenas. Em alguns casos, há elementos históricos, culturais e antropológicos que justificam o reconhecimento de determinadas áreas. Em outros, porém, isso não se sustenta.

E é justamente essa zona cinzenta que alimenta tensões, já que os processos de demarcação na Funai envolvem áreas enormes e critérios que, muitas vezes, são considerados extremamente subjetivos pelos afetados.

A razoabilidade deve ser o primeiro pilar das decisões federais. É preciso avaliar: será mesmo que dezenas – até centenas – de milhares de hectares são necessários para garantir a sobrevivência cultural e territorial de determinados grupos? A resposta não pode ser automática nem guiada por pressões externas, mas por critérios técnicos, transparentes e equilibrados.

Por outro lado, não cabe ignorar o fato de que a situação fundiária em muitas regiões do Estado é frágil e demanda escrutínio. Assim como se questionam demarcações, também é legítimo questionar a legalidade de alguns lotes objeto de disputa. Pode haver terras griladas? É possível.

Os processos de regularização no Brasil são historicamente falhos, e a União precisa ser rigorosa ao verificar a origem e a legalidade dessas áreas. Não se trata de apontar culpados, mas de reconhecer que o problema não é unilateral e que a solução deve passar por uma análise firme, técnica e isenta.

No final das contas, o que falta – e o que deveria orientar qualquer decisão – é razoabilidade. A violência nunca pode ser tratada como consequência natural de conflitos territoriais. Ela é resultado de omissão, de brechas legais e de grupos que encaram o confronto como tática para pressionar o Estado.

Esse comportamento precisa encontrar barreiras institucionais claras. A máxima que deveria prevalecer é simples: quem aposta no conflito deve perder. Perder espaço, perder influência, perder legitimidade. Só assim se cria um ambiente no qual a solução pacífica, mediada e técnica seja mais vantajosa do que o caminho da força.

Enquanto isso não ocorrer, os episódios de Iguatemi e Caarapó continuarão se repetindo – e, com eles, o risco permanente de novas mortes. O País não pode aceitar que a disputa por terra, em pleno século 21, seja resolvida na bala ou na base de ações improvisadas.

A responsabilidade é do Estado, da sociedade e de todos os envolvidos: resolver com diálogo, técnica e firmeza aquilo que, se deixado à deriva, sempre termina em tragédia.

EDITORIAL

Judiciário não é palco nem mercado

Restringir a atuação como coach e impor limites a determinadas docências, especialmente aquelas transformadas em verdadeiros cursos caça-níqueis, é fundamental

13/12/2025 07h15

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A decisão do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Edson Fachin, de proibir que magistrados atuem como coaches, seja nas redes sociais ou fora delas, não é apenas correta como necessária.

Trata-se de um freio institucional que chega em boa hora a um Judiciário que, nos últimos anos, tem convivido com excessos de exposição, vaidade e práticas que colocam em xeque a sobriedade exigida da magistratura.

Não é de hoje que esse limite vem sendo testado.

Há cerca de dois anos, causou perplexidade o caso de um ex-juiz federal que passou a vender cursos na internet ensinando “táticas” para ganhar recursos judiciais. O paradoxo salta aos olhos: quem julgava recursos passou a faturar dinheiro “por fora” ensinando advogados a vencê-los.

Ainda que se alegue liberdade profissional após deixar a toga, a prática é, no mínimo, eticamente questionável e contribui para corroer a confiança da sociedade na imparcialidade do sistema de Justiça.

A medida de Fachin reconhece um problema real: tem faltado comedimento à parte da magistratura brasileira.

Em tempos de redes sociais, palestras remuneradas e cursos de viés mercadológico, alguns juízes parecem ter esquecido uma máxima antiga, simples e ainda extremamente atual: o lugar em que o magistrado mais deve falar é nos autos.

A autoridade da toga não se constrói com likes, seguidores ou discursos performáticos, mas com decisões técnicas, fundamentadas e discretas.

Restringir a atuação como coach e impor limites à determinadas docências, especialmente aquelas transformadas em verdadeiros cursos caça-níqueis, é fundamental. Não se trata de censura nem de cerceamento da liberdade intelectual, mas de preservação da função jurisdicional.

O juiz não é um influenciador digital, tampouco um vendedor de fórmulas de sucesso processual. É agente do Estado, investido de poder para decidir conflitos com independência e imparcialidade.

Isso, porém, não significa defender um Judiciário hermético ou alheio à sociedade. Ao contrário: as cortes precisam, sim, se comunicar melhor nestes novos tempos, explicar decisões complexas, dialogar institucionalmente com a população e prestar contas de seu funcionamento. Comunicação institucional é necessária; autopromoção individual, não.

No fim das contas, o que está em jogo é o respeito à própria instituição. O Judiciário é, talvez, o Poder que mais precisa ser respeitado para que a democracia funcione. E esse respeito não é um privilégio – é uma obrigação que começa dentro de casa.

Seriedade, sobriedade e autocontenção não são virtudes acessórias para magistrados; são requisitos essenciais para quem exerce uma das funções mais sensíveis do Estado.

ARTIGOS

Novas regras do Banco Central sobre ativos virtuais: um marco de maturidade regulatória

Brasil consolida seu papel de protagonista na integração entre inovação financeira e solidez regulatória, aproximando-se dos padrões internacionais de governança e Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo

12/12/2025 07h45

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Em 10 de novembro, o Banco Central do Brasil deu um passo histórico ao publicar as Resoluções BCB nº 519, nº 520 e nº 521, que inauguram um novo ciclo de regulação do mercado de ativos virtuais no País.

Com essas normas, o Brasil consolida seu papel de protagonista na integração entre inovação financeira e solidez regulatória, aproximando-se dos padrões internacionais de governança e Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLD/FT).

Mais do que um conjunto técnico de regras, essas resoluções representam um amadurecimento institucional do sistema financeiro brasileiro diante da realidade cripto. Até então, o setor operava em uma zona cinzenta regulatória, com supervisão limitada e grande diferenças de informações entre prestadores e usuários.

Agora, o País passa a estabelecer bases claras para a operação de Sociedades Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (Psav), além de definir, pela primeira vez, o tratamento cambial para operações internacionais com criptoativos.

A Resolução BCB nº 519/2025 impõe um padrão de governança que coloca as Psav sob um nível de exigência comparável ao das instituições financeiras. Exige-se segregação patrimonial, controles internos robustos e políticas de PLD/FT equivalentes às do sistema bancário.

Essa medida mitiga riscos de uso indevido dos recursos dos clientes e reduz o espaço para fraudes e práticas abusivas. Pontos sensíveis em um setor historicamente marcado por volatilidade e escândalos.

Já a Resolução BCB nº 520/2025 institui o processo de autorização prévia para funcionamento das Psav, com vedações expressas à oferta de crédito e à captação de recursos de clientes qualificados.

O objetivo é proteger investidores e garantir que as operações com criptoativos não contaminem o sistema financeiro tradicional com riscos de liquidez e solvência. A exigência de sede no Brasil e critérios rigorosos de idoneidade e gestão de riscos também reforçam o compromisso com a responsabilidade corporativa e a transparência operacional.

Por sua vez, a Resolução BCB nº 521/2025 corrige uma lacuna importante ao enquadrar as operações internacionais com criptoativos, como operações de câmbio, sempre que houver conversão de moeda ou transferência internacional de valores.

Essa regra coloca as transações de cripto sob a mesma lente de compliance cambial que rege outras formas de movimentação financeira internacional, prevenindo brechas para evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Para bancos e instituições financeiras, o novo marco regulatório representa tanto uma oportunidade quanto uma responsabilidade. A integração dos serviços com ativos virtuais ao portfólio bancário passa a ser viável, desde que sejam obedecidos os novos parâmetros de segurança, segregação de recursos e reporte regulatório.

Ao mesmo tempo, essas instituições terão de repensar suas estruturas de governança e compliance para acomodar o ecossistema cripto dentro de uma lógica de controle prudencial.

Alguns pontos, entretanto, merecem atenção especial: a vedação de crédito com recursos próprios em operações cripto, a segregação total de fundos de clientes, o reforço dos controles de PLD/FT, e o tratamento cambial obrigatório em transações internacionais.

Tais exigências sinalizam que o Banco Central, de maneira mais que devida e assertiva, pretende equilibrar o incentivo à inovação com a blindagem contra riscos sistêmicos e ilícitos financeiros.

Contudo, o período de adaptação será curto. As regras entram em vigor a partir de 2 de fevereiro de 2026 e as obrigações adicionais de reporte internacional passam a valer a partir de 4 de maio de 2026.

Empresas que já atuam no mercado precisam, portanto, iniciar imediatamente seus processos de adequação, revisando estruturas societárias, sistêmicas, políticas de custódia e mecanismos de compliance.

Por fim, as novas resoluções não devem ser vistas como um freio à inovação, mas como um sinal evidente de maturidade regulatória do País.

Ao oferecer um ambiente seguro, transparente e supervisionado, o Banco Central cria as condições para que o Brasil se consolide como um polo confiável de desenvolvimento em blockchain e ativos digitais. É o início de uma nova era em que a confiança institucional passa a ser o ativo mais valioso do universo cripto.

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