Artigos e Opinião

ARTIGO

Ruben Figueiró: "Pra onde vais, Brasil?"

Ex-senador da República

Redação

14/08/2015 - 00h00
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Boris Fausto, um dos mais consagrados intelectuais de nosso País, assegura que a democracia é uma instituição consagrada em nosso meio. Há uma consciência nacional a respeito. Portanto, a interrogação contida na epígrafe não induz apreensão, e sim que os embates decorrentes da crise econômica, mesmo com a turbulência política gerada, hão de se conduzir dentro dos parâmetros constitucionais, ora vigentes. Aliás, assim tem sido o comportamento das partes litigantes – a população atenta e os partidos governistas e os das oposições. 

Talvez, na história de nossa Pátria, não houvera um debate como agora, tão longo e tão intenso, sobre os desdobramentos originários do desastre fiscal, econômico e moral a que o governo Dilma tem provocado. No passado, ocorreram fatos que abalaram de forma significativa a ordem legal: crises econômicas ameaçadoras do equilíbrio das contas públicas; escândalos causados pela desordem moral por parte de dirigentes públicos; tentativas de subversão da ordem institucional. Enfim, houve de tudo. Porém, não se registra nada que poderia levar desequilíbrio das emoções populares, como a causada pelos lamentáveis episódios que se iniciaram com o “mensalão”, seguido pelo seu irmão inescrupuloso, o “petrolão”. Daí decorreu a operação higienizadora do Lava Jato.

Tenho lido manifestações de diferentes analistas políticos, assistido a entrevistas pela televisão, e delas percebo que surge com lucidez a palavra renúncia, por parte da senhora presidente. Ela terá esse alcance? Não custa destacar que a nossa história registra quatro atitudes altivas de então presidentes que renunciaram seus mandatos: Deodoro da Fonseca, 

Washington Luís, Jânio Quadros e João Goulart. Razões, talvez íntimas, movidas por convicção ou por forças das circunstâncias. Poderia entender que foi para evitar uma conflagração entre irmãos, portanto de grandeza cívica. Pela personalidade forte da senhora presidente, a pergunta ficaria no ar.

A vitória suada nas urnas de 2014 fez com que a presidente perdesse a essência da sua própria origem, de promessas vãs, custo altíssimo com a utilização de recursos públicos esbanjados por uma publicidade estonteante, tudo se transformando em uma onda tsunâmica, cujo caos a nação padece. A posição tida como irredutível, da presidente, poderá sofrer um abalo durante e após as manifestações populares anunciadas para  domingo, dia 16. Ao ouvir o clamor das ruas, aliás, de onde partiu sua recondução ao governo, ela poderá perceber que a voz é do mesmo povo que a alerta: Basta!

Todas as notícias que vêm de Brasília são de preocupação, não mais da autoridade presidencial hoje deteriorada, é de a então inexpugnável maioria parlamentar no Congresso esboreou-se. Até o PT, no seu bojo dirigente, arquiteta manhosamente de que Dilma “fora” é o caminho salvador que abre oportunidade para Lula em 2018. O PMDB, tradicional parasita das entranhas do poder, vê com gula pantagruélica a sua oportunidade de saciar-se no poder.

Permito-me registrar: sou tucano. Preocupa-me a divergência entre as nossas lideranças maiores. Tentar anular o resultado das eleições presidenciais de 2014, penso que não alcança a vontade popular hoje tão presente. Esta é – vê-se e se ouve nas ruas – pelo  impeachment da presidente, respeitado o que afirma “o livrinho” (a Constituição), na famosa expressão do então presidente Gaspar Dutra. É a lição do passado.

editorial

Violência contra a mulher e ações efetivas

Setores nostálgicos da sociedade ainda pregam o retorno a um modelo em que a mulher era silenciada, confinada ao lar e privada de voz pública

13/06/2025 07h00

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O mais recente Mapa da Segurança Pública, divulgado nesta semana pelo Ministério da Justiça, trouxe novamente um dado alarmante: o Estado de Mato Grosso do Sul continua figurando entre os líderes do ranking nacional quando o tema é violência contra a mulher. Trata-se de uma repetição trágica que vem se confirmando ano após ano, sem que haja sinais de uma reversão estrutural. Os números são um reflexo doloroso de uma realidade que exige, com urgência, uma abordagem séria, objetiva e comprometida por parte das autoridades.

O enfrentamento da violência contra a mulher exige mais do que discursos bem-intencionados. Ele exige dados, precisão nas políticas públicas e, sobretudo, vontade política. A primeira e mais óbvia necessidade é garantir que os agressores sejam punidos com rigor. Não por desejo de vingança, mas por um princípio essencial do Direito Penal: a punição eficaz tem função pedagógica e dissuasória. Onde há impunidade, há incentivo ao crime. Onde há resposta firme do Estado, há limites sendo reafirmados.

Mas a efetividade da lei não se mede apenas pela quantidade de anos previstos em uma pena. A lei só é respeitada quando é aplicada de forma real, rápida e visível. Isso requer mais do que papel e tinta — requer fiscalização, presença ostensiva, estrutura e recursos humanos preparados. Tudo isso custa dinheiro. E mais que isso: custa tempo, comprometimento e esforço coordenado entre o Executivo, o Judiciário, os órgãos de segurança e os sistemas de proteção social.

A verdade incômoda é que, sem vontade política clara e corajosa para enfrentar os agressores de mulheres, os números continuarão altos. Não se pode permitir que casos de violência sejam tratados com negligência ou relativismo, como se fossem apenas conflitos domésticos ou “questões privadas”. A omissão do poder público e da sociedade civil, em qualquer nível, é cúmplice da perpetuação da violência.

Além da resposta penal, há um desafio ainda maior: o da transformação cultural. É preciso romper com a cultura da subjugação das mulheres, que ainda encontra espaço em muitos setores da sociedade. Não adianta o Estado fazer campanhas sobre respeito e igualdade se, ao mesmo tempo, líderes religiosos ou comunitários reforçam discursos que colocam a mulher em posição de inferioridade. A sociedade precisa decidir, coletivamente, qual papel deseja dar às mulheres — e essa decisão deve ser baseada em igualdade, dignidade e liberdade.

É verdade que os tempos mudaram, e que hoje há mais autonomia feminina do que em décadas passadas. No entanto, setores nostálgicos da sociedade ainda pregam o retorno a um modelo em que a mulher era silenciada, confinada ao lar e privada de voz pública. Essa nostalgia que não respeita a autonomia da mulher — muitas vezes romantizada como “valores da família” — precisa ser encarada como parte do problema, e não como solução.

Reduzir a violência contra a mulher no Mato Grosso do Sul e no Brasil é possível. Mas isso exigirá ação efetiva, punição exemplar aos agressores, investimento público contínuo e coragem para enfrentar costumes nocivos à diginidade das mulheres ainda presente nas instituições e no cotidiano. Não há caminho mais curto — nem mais necessário.

ARTIGOS

Caetano canta música evangélica e o erro estratégico de setores progressistas

10/06/2025 07h45

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A cena é recorrente nos shows de Caetano Veloso: após sucessos consagrados de seu repertório, o artista entoa a canção “Deus Cuida de Mim”, do pastor Kleber Lucas. A resposta do público, composto em larga medida por admiradores laicos, progressistas e críticos do fundamentalismo religioso, é fria, por vezes, entremeada por vaias.

Muitos entendem essa escolha uma provocação deslocada, uma suposta concessão ao bolsonarismo, dado o histórico apoio evangélico à extrema direita. No entanto, essa leitura é, para dizer o mínimo, apressada e míope. Caetano não cede ao senso comum, mas propõe, pela via da música, uma reflexão profunda sobre escuta, alteridade e a complexidade da experiência religiosa no Brasil.

Reduzir os evangélicos à caricatura do reacionário militante é ignorar a pluralidade real e histórica desse campo e, no atual estado de coisas, incentivar a radicalização de muitos grupos.

Kleber Lucas, pastor batista, negro, progressista e oriundo de comunidade periférica no Rio de Janeiro (RJ), é um exemplo eloquente da riqueza que existe dentro do universo evangélico. Sua trajetória, marcada por pontes entre tradições religiosas, pelo respeito às culturas de matriz africana e pelo compromisso com a justiça social, destoa da retórica de ódio que contaminou setores das igrejas.

Quando Caetano escolhe cantar Kleber, ele o faz com plena consciência: não por ignorância sobre a força do bolsonarismo entre evangélicos, mas justamente para resgatar, em meio ao ruído, vozes que dissonam e que são invisibilizadas. Há, portanto, um erro estratégico e moral no impulso de vaiar Caetano. Rejeitar a canção e a sua proposta é rejeitar o convite a enxergar o outro em sua inteireza, com suas contradições e insurgências internas.

Ao zombar da religiosidade popular, sobretudo quando encarnada em sujeitos negros, pobres e periféricos, setores do campo progressista acabam por reproduzir o elitismo que denunciam e contribuem, inadvertidamente, para o isolamento de milhões de brasileiros.

O abandono simbólico das massas evangélicas, tratadas como um bloco homogêneo e retrógrado, é uma das razões pelas quais a extrema direita tem conseguido monopolizar esse campo. A política, afinal, não se faz só com razão: exige também empatia, imaginação e capacidade de escuta.

Cantar Kleber Lucas em um palco para o público majoritariamente progressista é, da parte de Caetano Veloso, um gesto político potente e perigosamente mal compreendido. Se a esquerda deseja cativar um público maior, precisa deixar de lado o conforto da superioridade moral e compreender, com generosidade e estratégia, a religiosidade do povo.

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