A Santa Casa de Campo Grande é o coração do sistema hospitalar de Mato Grosso do Sul. Referência regional em cirurgias complexas e atendimentos de urgência, o hospital é também o espelho das contradições da saúde: enquanto salva vidas diariamente, luta há anos contra um modelo de gestão na UTI e financiamento que opera no limite entre a vida e a morte.
O que se repete em Campo Grande não é sinal de resiliência, mas o reflexo de um sistema que sobrevive no improviso. A cada nova crise, a sociedade revive o temor de paralisações e a angústia de ver um serviço essencial ameaçado pela falta de recursos.
A imagem que se consolida é a de uma instituição vital, mas dependente de socorros emergenciais e repasses de última hora – um hospital que, paradoxalmente, vive sob a iminência de sua própria asfixia.
A Sociedade Beneficente, entidade administradora, tem buscado equilibrar o atendimento de alta e média complexidade com um orçamento que não cobre os custos reais.
Embora o uso da mídia como instrumento de pressão tenha se tornado um recurso histórico, há espaço para reconstruir a credibilidade da gestão com base em transparência, relatórios públicos e auditorias independentes.
A Santa Casa precisa trilhar um caminho que a distancie do papel de refém e a reposicione como instituição de excelência e responsabilidade social. O desafio hercúleo é romper o ciclo do improviso financeiro.
Por atender quase integralmente pacientes do SUS, o hospital necessita de estabilidade contratual e previsibilidade orçamentária. Isso exige que o poder público atue com firmeza e planejamento – e que a direção hospitalar abandone a lógica da emergência financeira.
Recursos não podem depender de comoção pública, mas de políticas de reciprocidade e resultados concretos.
A recuperação passa por alguns pilares basilares: planejamento, transparência e responsabilidade compartilhada. É hora de consolidar uma nova cultura administrativa, em que cada real gasto seja rastreável e cada resultado, mensurável.
O corpo clínico e administrativo da Santa Casa é altamente qualificado, mas a gestão financeira ainda carece de clareza e governança.
Essa transparência é essencial para restabelecer a confiança da sociedade e atrair recursos voluntários como os de antigamente, quando o saudoso Naim Dibo fez doações milionárias, não só fortalecendo o caixa, mas também ampliando a capacidade de atendimento com novas alas.
Os empréstimos realizados em gestões anteriores beiram o absurdo e deveriam ser casos de polícia. Mas cabe tão somente à atual administração acionar as autoridades competentes, investigar as operações e responsabilizar quem, por negligência ou má-fé, comprometeu o patrimônio institucional e financeiro da instituição.
A impunidade não pode ser regra. O momento exige coragem para encerrar o ciclo de omissões que, como na expressão do general francês Jean A. Junot, mantém “tudo dantes como no quartel de Abrantes”.
Uma intervenção técnica tripartite, liderada pelo Ministério da Saúde e acompanhada por Estado e Município, deve ser vista como oportunidade histórica – não como punição.
O objetivo é reestruturar, auditar, revisar contratos e estabelecer metas claras de eficiência e governança. É o momento de transformar a Santa Casa em referência de gestão filantrópica moderna, profissional e sustentável.
A Santa Casa é mais do que um hospital: é um patrimônio moral e social dos sul-mato-grossenses. Resgatar sua solidez é garantir o direito à saúde e restaurar a confiança pública em um sistema que precisa voltar a funcionar pela razão – e não pela urgência, pela chantagem ou muito menos com a “faca no pescoço”.


