Amigo Juca Ganso, dá licença, mas quem ouvir favor avisar que tenho, sim, dois vícios , graças a Deus, incorrigíveis: “escrivinhar “ versos e ouvir rádio. Sobre o primeiro, não se tem o que falar, pois poesia não se discute: sente-se. É gosto pessoal, de foro íntimo de cada ser, de cada alminha desse nosso mundo de meu Deus. Independentemente de credo, raça e gênero. Dizia nosso Poeta Manoel de Barros: “Ao poeta faz bem desexplicar, tanto quanto escurecer acende os vagalumes”. E mais: “O poeta não gosta de palavras: escreve para se ver livre delas. A palavra torna o poeta pequeno e sem invenção”.
Já ouvir rádio, esse gostoso vício do qual não quero me livrar, implica também em mais uma das inúmeras possibilidades de se medir o comportamento de nossa gente, além de nos trazer melhores e muito mais bonitas sensações do que aquelas que querem nos fazer engolir, via telinha, os péssimos BBS da vida, as esdrúxulas personagens das novelas, construídas com tantas aberrações e contrassensos que fariam corar de espanto, raiva e vergonha quaisquer cientistas estudiosos do psiquismo Freud, Lacan, Klein e outros.
Uma das qualidades de uma rádio, a interatividade com os ouvintes, é um poderoso termômetro de se avaliar a quantas anda a nosso conteúdo humano, nosso grau de aceitação do outro, nosso entendimento sobre o que seja religião, ética, enfim, como é que estamos exercendo nossa cidadania.
Numa dessas manhãs, por exemplo, eu ouvia um programa na mesma FM Educativa,onde estava sendo tratada a questão da violência contra a mulher. Uma das participantes, ao ser questionada pelo repórter de rua, se denunciaria um homem que agride sua mulher, cândida e educadamente respondeu em bom português mas péssima cidadania: “Não, nunca. Mas incentivaria outras pessoas a fazê-lo” (!!!) .
Essa interatividade que nos permite refletir sobre os rumos de como questões sociais estão sendo pensadas pela nossa população, na rádio, é tão forte que muitos ouvintes querem, por alguns minutos, também ser locutores, e tais como estes, se alongam em seus proseios telefônicos , chegando a imitar até o seu linguajar, uns, com fala mansa; outros, com voz contundente; outros, ainda, que, sem emoção, como se estivessem lendo frases feitas, emitem o seu : “Bom dia, caros ouvintes”. Só não ouvi ainda - que bom!- quem tenha se atrevido a imitar aqueles locutores que parecem estar num rodeio para surdos , tão altos são os decibéis com que se comunicam.
Neste ano, nós, ouvintes habituais de rádio, estamos assistindo a um fenômeno, no mínimo, interessante: a proposta de uma mudança na programação da melhor- na minha opinião- rádio do nosso Estado, a FM 104. 7, que começa a causar até um certo “frisson” nas redes sociais. O time do “Sou contra” e a galera do “Sou a favor” não têm deixado por menos. Enquanto os primeiros alegam que “os locutores mandam mais abraços do que tocam música”, os outros, pelo contrário, estão gostando deste resgate de nossa autêntica cultura musical. Não negamos que ainda existem exagerados falatórios por parte de alguns locutores. Mas, é preciso considerar que alguns bons programas (a “Hora do Chamamé”, “Quebra Torto”, por ex, ) ficaram mais de oito anos fora do ar, sendo natural que seus ouvintes cativos queiram, neste retorno, ligar, aparecer, dar boas vindas ao Mengual, ao Aral (paremos por aqui com as rimas) e a outros locutores. Não foi assim que fizemos com o conhecido amigo Ciro de Oliveira, quando, por motivos alheios, “roubaram” seu chão e sua alma – e as dos milhares de seus ouvintes também, ao tirarem do ar o seu “Encontro de Gerações”?
Reclama ainda o Grupo do contra que os locutores vivem mandando abraços para Fulano, Beltrano e Sicrano, da Cophavilla, Cophatrabalho, Cophamorena, Cophaisto, Cophaquilo. Mais uma vez, defendo que há que se ter um mínimo de condescendência com o cidadão comum, que quer, sim, ser acarinhado, lembrado, enaltecido em seu ego com a citação de seu nome por aquele seu locutor amigo que no momento é o seu ídolo, domador de ondas da rádio, falando só pra ele, humilde Zé ou apenas pra comadre Zefa, seja num gostoso sotaque fronteiriço ou caipirourbana, que importa? Por instantes, suas dores e sofrimentos estarão sendo anestesiados. Saudades virão à tona. Alegrias e tristeza serão exorcizadas sob os acordes de uma guarânia, de um chamamé, de um bolero ou de uma das lindíssimas canções dos nossos compositores urbanos.
Como dizem os versos cantados de Geraldo Espíndola: “Pela rádio mandei avisar . Tô voltando pra te reencontrar. Eu pensei que você se apaixonou. Não duvidei. Coração não se enganou”. Que não se engane seu coração também... Mais sentimentos, menos intelecto.


