O transporte coletivo é pauta novamente em Campo Grande, desta vez com paralisação dos motoristas que exigem o pagamento do vale atrasado, que, segundo o Consórcio Guaicurus, é motivado por atraso milionário em repasses que deveriam ter sido feitos pelo poder público, comprometendo recursos financeiros da empresa.
Às 4h30 da manhã de ontem, cerca de mil motoristas não colocaram os ônibus em circulação, após o Consórcio Guaicurus, concessionária responsável pela administração do transporte coletivo em Campo Grande desde 2012, não efetuar o pagamento do vale de R$ 1,3 mil, que geralmente é depositado dia 20 de todo o mês. Depois de 1h30 de paralisação, os motoristas voltaram a trabalhar.
Como justificativa, Themis de Oliveira, diretor-presidente da concessionária, colocou a responsabilidade sob a Prefeitura de Campo Grande, visto que o executivo está em débito com a empresa, que já soma mais de R$ 9 milhões, informação detalhada pela concessionária por meio de nota enviada ao Correio do Estado.
“O Consórcio lamenta profundamente o transtorno causado e esclarece que enfrenta severas restrições financeiras, com insuficiência de recursos para cumprir integralmente obrigações salariais, fiscais e contratuais. A dificuldade não se limita ao repasse de R$ 9,08 milhões em negociação com o poder concedente, mas reflete um desequilíbrio estrutural que vem se agravando diante da defasagem tarifária e do esgotamento das linhas de crédito”, informa.
Em coletiva de imprensa após o ocorrido, o presidente da Câmara de Vereadores, Epaminondas Vicente Silva Neto, o Papy (PSDB), diz ter recebido um ofício há 10 dias fazendo um alerta de que havia o risco de paralisação das atividades caso os repasses não fossem feitos de imediato. Este foi o segundo de três alertas, já que outros foram enviados nos dias 20 de setembro e 20 de outubro.
De acordo com o vereador, os repasses relativos aos custos do transporte de estudantes das redes públicas não ocorrem há quase quatro meses e a dívida do governo do Estado soma pouco mais de R$ 6 milhões e a da prefeitura já supera a casa dos R$ 3 milhões.
Em nota, o executivo municipal contrariou a versão do presidente da Câmara e diz que não está em dívida com o Consórcio Guaicurus, ‘empurrando’ a responsabilidade pelo atraso nos repasses para o Estado.
“A Prefeitura de Campo Grande informa que está rigorosamente em dia com todas as suas obrigações de pagamento junto ao Consórcio Guaicurus. É importante destacar que o financiamento do transporte coletivo urbano envolve também outros entes públicos e a própria sociedade, por meio da tarifa paga pelos usuários”, destaca.
“No que compete ao Município, todos os compromissos estão sendo cumpridos. A administração mantém diálogo constante com o Consórcio para buscar as melhores soluções e assegurar a continuidade e a qualidade do serviço, evitando prejuízos à população”, complementa.
No entanto, conforme Papy, o Estado não fez os repasses porque a prefeitura, que é intermediária, está com o “nome sujo” e não consegue emitir a certidão exigida pelo governo estadual para que o repasse seja feito.
Na próxima segunda-feira (27), haverá uma assembleia geral em decorrência do atraso no pagamento do adiantamento salarial da categoria, convocada pelo Sindicato dos Motoristas.
POSICIONAMENTOS
O Correio do Estado entrou em contato com os principais órgãos públicos que cercam os problemas do transporte público de Campo Grande.
O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), que foi um dos órgãos que recebeu o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquéirito (CPI) do ônibus, afirma que os indiciamentos sugeridos no documento ainda estão sob análise das promotorias responsáveis.
“Em relação ao relatório da CPI do Transporte Coletivo, foi protocolado no MPMS no dia 3 de outubro e distribuído para a 25ª Promotoria de Justiça, responsável pela área do consumidor. Também foram entregues outros dois relatórios diferentes, por vereadores, à 30ª Promotoria do Patrimônio Público. As informações seguem em análise para a adoção das medidas que forem consideradas cabíveis”, reforça.
Vale lembrar que a CPI recomendou o indiciamento de Odilon de Oliveira Júnior e Vinicius Leite Campos, ambos ex-diretores da Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos (Agereg), de Janine de Lima Bruno e Luís Carlos Alencar Filho, ex-diretores da Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran), e de diretores do Consórcio Guaicurus.
Já a Câmara Municipal, após reunião entre os vereadores que integram a Comissão Permanente de Transporte e Trânsito da Casa de Leis, vai agilizar um projeto de lei para criação do Fundo Municipal de Mobilidade e Trânsito, que visa assegurar previsibilidade dos repasses e um novo modelo de financiamento do transporte público na Capital, evitando atrasos como o que gerou a paralisação desta quarta-feira.
A reportagem também entrou em contato com o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS), para saber como está o andamento do Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) relacionado ao transporte público de Campo Grande, firmado em 2020 e retomado pelo órgão recentemente. Porém, até o fechamento desta edição, não houve retorno.
PARALISAÇÕES
Esta foi a quarta paralisação do transporte na Capital de seis anos para agora. Em junho de 2019, a cidade amanheceu sem ônibus nas ruas e terminais, ação motivada pelos cortes do governo na educação e a reforma da Previdência.
Exatos três anos depois, em junho de 2022, os campo-grandenses acordaram sem transporte coletivo, após greve dos motoristas pelo descumprimento do depósito do vale quinzenal dentro do prazo, ou seja, até o dia 20, mesmo motivo apresentado ontem pelos trabalhadores.
Em janeiro de 2023, houve outra paralisação, desta vez por causa de reajustes salariais e aumento nos benefícios, o que foi resolvido um dia depois, após reunião entre o Consórcio Guaicurus, o executivo municipal e o Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Coletivo e Urbano de Campo Grande (STTUCU-CG).








