Desde a semana passada, o Hospital Regional de Ponta Porã está sob nova direção, após a Secretaria de Estado de Saúde (SES) decidir pela não manutenção do Instituto Acqua, organização social que estava à frente da instituição desde fevereiro de 2020. A não renovação do contrato se deu porque, segundo o governo do Estado, a entidade teve suas contas reprovadas em contrato na Paraíba. Porém, o grupo segue à frente do Hospital Regional de Três Lagoas.
A mudança na gestão do hospital de Ponta Porã é alvo de inquérito civil aberto pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), que tenta entender o que levou o governo do Estado a classificar a organização social como inapta para uma renovação de contrato só agora.
Conforme os autos da investigação, a medida se baseia em pareceres jurídicos da Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul (PGE-MS), que entendeu que a entidade está em desacordo com o artigo 14-B da Lei Estadual nº 4.698/2015, que foi alterado em 2021 e teria incluído entre as vedações para celebração de contrato de gestão com organização social o fato de a entidade ter “tido as contas de contrato de gestão julgadas irregulares ou rejeitadas por Tribunal de Contas ou Conselho e Contas de qualquer esfera da Federação, nos últimos oito anos”.
Como o contrato de Ponta Porã foi firmado em 2020, sendo, portanto, anterior à mudança no texto da legislação, quando a parceria foi firmada era seria válida, mas a SES entendeu que sua renovação por mais cinco anos, que deveria ocorrer em fevereiro deste ano, estaria em desacordo com a medida.
No entanto, o MPMS ressalta que a mesma entidade, em 2022, portanto um ano depois da mudança na legislação, venceu chamamento público para assumir gestão do Hospital Regional de Três Lagoas quando já havia tido as contas reprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB). Entretanto, a unidade no leste do Estado segue sob a gestão do Instituto Acqua.
“Todos os processos dizem respeito a fatos ocorridos antes da contratualização do Contrato de Gestão nº 1/2020, embora com decisões posteriores. Contudo, a mesma entidade, Instituto Acqua, firmou contrato de gestão com a Secretaria de Estado de Saúde para operacionalizar e executar as ações e serviços de saúde no Hospital Regional de Três Lagoas, firmado em 8 de abril de 2022, data portanto posterior à vigência da Lei Estadual nº 5.723, de 23 de setembro de 2021, que incluiu o artigo 14-B na Lei Estadual nº 4.698/2015, e posterior ao menos a duas condenações junto ao Tribunal de Contas da Paraíba”, diz trecho da investigação do MPMS.
“Se a partir do novo requisito tal exigência deve ser fiscalizada e cobrada pelo poder público, porque assim não procedeu a SES ao longo dos anos de 2022 até 2025, considerando que todos os processos se referem à execução de parcerias com o governo da Paraíba de 2019 e 2020? Em outras palavras, não deveria a SES ter verificado, a partir da nova legislação, se a entidade contratada preencheria os requisitos para dar continuidade ao contrato de gestão, ou na pior das hipóteses, ter feito essa verificação a cada novo aditivo de contrato firmado?”, questiona o promotor Gabriel da Costa Rodrigues Alves, que abriu a investigação.
PONTA PORÃ
Durante os pouco mais de cinco anos que administrou o hospital de Ponta Porã, o instituto recebeu do governo do Estado pelo menos R$ 498,4 milhões, conforme documento anexado na investigação do MPMS sobre o rompimento do contrato na cidade que faz fronteira com o Paraguai. O hospital tem cerca de 350 funcionários e 112 leitos.
Pela administração do hospital de Três Lagoas, o governo do Estado repassou, em maio deste ano, R$ 10,14 milhões. Levando em consideração esse valor mensal, o contrato garante ao Instituto Acqua faturamento da ordem de R$ 600 milhões ao longo de cinco anos. Isso, sem contabilizar aditivos para obras e compra de equipamentos. O Hospital Magid Thomé começou a operar em 2022 com 116 leitos, mas com as ampliações vai chegar a 186.
DEFESA
Em sua defesa, também conforme documentos anexados à investigação do MPMS, a direção do Acqua diz “ver com estranheza” a insistência do governo do Estado em não querer renovar o contrato. Diz ter recebido uma série de pedidos de explicações sobre os contratos com o governo da Paraíba e, assim que mandava os esclarecimentos sobre um contrato, imediatamente recebia questionamentos sobre outras impugnações de contas naquele estado.
Além disso, alega o Instituto, as impugnações na Paraíba seriam impeditivos para assinatura de contrato novo, não para renovação. O Estado, porém, entende que elas impedem inclusive a renovação.
O Instituto questiona, inclusive, a idoneidade do conselheiro paraibano que reprovou suas contas. Na investigação no MPMS, estão anexadas reportagens mostrando que o conselheiro André Carlo Torres Pontes foi alvo de uma operação da Polícia Federal no fim de 2019, por suposto envolvimento em um esquema de corrupção no TCE paraibano.
Ele chegou a ser afastado de suas funções e, com base nisso, o Instituto requisitou a anulação de todos os embargos de contas que ele havia feito. Até hoje, porém, esse pedido de suspeição não foi julgado. Se o pedido tivesse sido acatado, alega o Instituto, deixaria de ser ficha suja e poderia renovar o contrato de Ponta Porã sem qualquer tipo de impedimento.
Outro argumento usado pelo Instituto, e desconsiderado pela administração de Mato Grosso do Sul, é o fato de todas as supostas irregularidades encontradas na Paraíba terem sido decorrentes da falta de repasses financeiros do governo do Estado, e não por má gestão ou fraude do Acqua.
Saiba
No inquérito civil aberto pelo MPMS, o promotor Gabriel da Costa Rodrigues Alves ressalta que a investigação não trata da legalidade da não renovação do contrato, mas sim da forma como ela foi feita.
NOVO CHAMAMENTO
Na recomendação publicada no Diário Oficial do MPMS de segunda-feira, a promotoria fixa prazo de 180 dias para que o governo do Estado faça novo chamamento público para escolher uma nova organização social para administrar o hospital de Ponta Porã, já que o Instituto Social Mais Saúde, que assumiu a gestão do hospital na semana passada, foi contratado sem concorrência pública e sem aviso às autoridades municipais de saúde da região sul do Estado.
O governo do Estado já se comprometeu a fazer o chamamento no prazo previsto, conforme a publicação do MPMS, mas ainda não divulgou data para isso.
O Correio do Estado procurou a SES sobre a situação do contrato em Três Lagoas, mas até o fechamento desta edição não houve retorno.



