A morte de uma criança Guarani Kaiowá, de um ano, vítima de uma desnutrição severa, há uma semana, em Dourados, ilustra um problema que os povos originários enfrentam há anos na cidade: a fome e a falta de assistência por parte do poder público.
De acordo com nota emitida pela Aty Guasu (Grande Assembleia Das Mulheres Kaiowá e Guarani), a menina foi sepultada à beira da rodovia, próximo ao acampamento onde a família mora, desde 2016, após serem expulsos junto com a comunidade toda de seu território originário, que hoje é ocupado pela Usina São Fernando.
Ao Correio do Estado, uma das Jaqueline Jaqueline Aranduhá Kaiowá, membro da Kuñangue Aty Guasu, relatou que é já se tornou comum famílias inteiras de indígenas se instalarem em acampamentos quando saem das aldeias rumo à cidade em busca de emprego. Não há um número exato de quantas pessoas vivem nesta situação, já que o movimento varia bastante, mas o número de crianças é grande e a morte por desnutrição ainda é uma realidade.
A líder ainda destaca que, embora a maior taxa de mortalidade infantil tenha sido em 2005 e o nível não ter sido superado graças a alguns avanços na saúde indígena, ainda existem muitas crianças que são vítimas do descaso do poder público em oferecer auxílio.
“De fato o índice nunca foi superado, mas, também nunca foi garantido uma saúde de qualidade aos povos indígenas. E essa precariedade também existe nas aldeias porque não há uma garantia dos direitos dos povos indígenas”, pontua Jaqueline.
Ela ainda revela que a situação se agravou porque, desde o início do ano, a prefeitura de Dourados paralisou a distribuição de cestas básicas, que eram doados nos acampamentos e áreas de retomada por meio do Centro de Referência de Assistência à Saúde (Cras) da cidade.
“Morar em acampamento é a realidade de muitos indígenas que migram para a cidade e a família dessa criança foi uma delas. Também tem outros que ficam perambulando em busca de ‘restos de comida’”, explica.
E completa: “Também vemos a precariedade nos territórios, com a falta de garantia dos direitos dos povos indígenas. A Reserva Indígena localizada em Dourados é a mais populosa do país e enfrenta a superlotação de habitantes há dácadas”.
Ainda de acordo com Jaqueline, a falta de espaço nas aldeias é consequência da falta de demarcação de outros territórios que são originalmente dos povos indígenas, por exemplo, o Território Indígena Dourados Peguá, que faz parte da Terra Apyka’I.
De acordo com Verônica Groneu Luz, professora do curso de Nutrição da Universidade Federal da Grande Dourados e docente da Residência Multiprofissional em Saúde Indígena, não é possível estimar quantas famílias vivem nestas condições, já que o movimento nesses locais é bem variável, contudo, são contabilizados 13 locais onde os povos originários vivem em acampamentos à beira da estrada e áreas de retomada, aguardando demarcação de suas terras.
“Apesar da taxa de mortalidade infantil indígena ter reduzido muito, a morte de bebês e crianças ainda acontecem muito. Não apenas por fome, mas também por doenças totalmente previníveis, que acontecem por falta do básico como água tratada”, afirma.
A pesquisadora ainda revela que a prefeitura de Dourados está alheia ao que acontece com as famílias indígenas porque acreditam que as questões indígenas são ligadas ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Sesai) e à Fundação Nacional dos Povos Originários (Funai).
“Essas pessoas não deixam de ser munícipes, mas a prefeitura sempre se exime de suas responsabilidades ao ponto de nem Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] e nem bombeiros entrarem nas áreas demarcadas e muito menos nos acampamentos indígenas.
Ainda conforme Verônica, todas as solicitações de atendimentos de saúde para os indígenas são feitas por meio da Sesai no Ministério Público Federal (MPF). Em Dourados, a instituição tem duas bases de atendimento volantes responsáveis pelas 13 áreas de retomada e acampamento e mais quatro aldeias fora da reserva indígena.
“Elas trabalham por meio de revezamento, então, vão ao mesmo local só duas vezes no mês. Isso foi implementado de maneira rotineira devido ao tanto de demandas via MPF porque a Sesai também entende que os indígenas fora de terras demarcadas não têm direito à saúde”, conclui.
DEMARCAÇÃO
De acordo com a denúncia encaminhada pelo Conselho Geral Kuñangue Aty Guasu, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas suspendeu os trabalhos do grupo técnico criado para identificação e delimitação do território originário onde a menina vivia com sua família antes de serem expulsos.
Além da denúncia sobre a morte da criança, também foi encaminhado aos órgãos responsáveis que apurem a situação com urgência.
“ [...] a morte dessa criança é só a ponta do iceberg de uma situação gravíssima continuada, que estão ligadas às questões fundiárias, as consequências da não garantia de nossos direitos originários e constitucionais, e dos problemas sociais que decorrem por décadas os territórios Kaiowá e Guarani”, destaca a denúncia.




