Nos últimos meses, caminhões carregados de minério estão na mira da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Mato Grosso do Sul, mais especificamente na BR-262, por causa de traficantes que utilizam a carga excessiva para esconder drogas e conseguir chegar nas mãos pretendidas, com ajuda das famosas “mulas” que se arriscam para ultrapassar as barreiras policiais e que chegam a faturar quase 10 salários mínimos se tiverem sucesso na missão.
Por ser uma rodovia que atravessa o Estado de leste a oeste e o liga com São Paulo, a BR-262 é muito utilizada para tráfico de drogas, o que não é novidade para ninguém. Porém, neste ano, a prática de transportar cocaína e outras substâncias ocultas em carregamentos de minério tornou-se quase trivial na região.
Em 1º de abril deste ano, foram apreendidos 452 quilos de cocaína (avaliada em R$ 22 milhões) em Terenos, que estavam escondidos em um caminhão carregado de minério de ferro.
Dois dias depois, uma apreensão semelhante ocorreu em Campo Grande, desta vez foram confiscados 368 quilos do entorpecente (260 quilos de pasta base e 108 quilos de cloridrato).
No mês seguinte, em meados de maio, duas ações policiais em menos de 24 horas encontraram mais de uma tonelada de drogas escondidas em cargas de minério (560,7 quilos em Terenos e 547,9 quilos em Corumbá). Ambas seriam entregues em outros estados, como Minas Gerais e São Paulo, respectivamente.
“Mulas” não nascidas em Mato Grosso do Sul também são utilizadas pelos traficantes. Há aproximadamente três semanas, um catarinense de 32 anos foi flagrado em Miranda transportando 140,5 quilos de cocaína, carga que foi carregada em Corumbá e tinha como destino final um município de Goiás, não especificado pelo motorista.
Coincidência?
No dia 10 de setembro, a PRF realizava uma fiscalização de rotina na BR-262 quando ordenou a parada de um caminhão. Interrogado, o motorista de 24 anos demonstrou nervosismo na fala e mãos trêmulas ao entregar os documentos, o que ascendeu a suspeitas dos policiais.
Por isso, foi realizada uma vistoria minuciosa no veículo e na carga, onde foram encontrados entorpecentes nas duas extremidades dos dois tanques de combustível.
Mesmo que tenha negado conhecimento da droga no primeiro instante, o caminhoneiro admitiu que sabia e que aceitou a missão após ter sido aliciado dentro do pátio da Mineradora Urucum, localizada em Corumbá, sob a bagatela de R$ 10 mil para transportar o ilícito até Campo Grande. Porém, ele disse que não conhecia a pessoa que fez a proposta.
“Após aceitar a proposta essa pessoa providenciou ali mesmo a troca dos tanques por outros já adulterados contendo a droga, ficou combinado de parar em um posto de gasolina no anel viário de Campo Grande, onde os tanques seriam destrocados e ele [motorista] seguiria viagem com a carga lícita de minério até Betim/MG”, explicaram os policiais em depoimento.
Ao todo, foram apreendidos 39,3 kg de cloridrato de cocaína e 225,2 quilos da droga em forma de base livre (pasta base), além de R$ 4,4 mil em espécie que estavam com o motorista e o aparelho celular do suspeito.
Posteriormente, já na delegacia prestando depoimento, o condutor informou que trabalhava como caminhoneiro há cinco anos, dos quais, os últimos quatro meses foram para uma empresa de comércio e serviços, que presta trabalho à LHG Mining.
Em meio a recrutamentos como esse, a demanda por minério de ferro tende a aumentar na região. A mineradora lidera um investimento de R$ 4 bilhões, que aumentará a produção anual de minério de ferro de 12 milhões para 25 milhões de toneladas, justamente no Complexo Morro do Urucum, onde o motorista disse ter sido aliciado.
Após a junção da LHG Mining com a Mineração Corumbaense Reunida (MCR) em 2022, houve uma expansão da atividade na região e, consequentemente, mais caminhões carregados com minério partindo de Corumbá para outros municípios ou estados, o que eleva o risco de traficantes contratarem mulas para realizarem o transporte de drogas, como aconteceu neste caso citado pela reportagem.
Em nota enviada ao Correio do Estado, a LHG Mining prestou esclarecimentos sobre o caso. Confira:
"A empresa desconhece qualquer alegação ou evidência de que os fatos mencionados tenham ocorrido em suas dependências. Todas as áreas da companhia possuem controle de acesso e passam por verificações de segurança. A Lhg Mining mantém colaboração constante com as autoridades competentes, contribuindo com os esforços para prevenir e combater quaisquer práticas ilícitas."
O “frete”
Como mencionado, o caminhoneiro recebeu a proposta para faturar R$ 10 mil caso conseguisse completar a missão. Como efeito de comparação e até explicação do motivo pelo qual muitos aceitam este “desafio ilegal”, o motorista informou aos policiais que sua renda familiar total (dele e a da esposa) é de R$ 8 mil por mês.
Ou seja, em apenas uma viagem ele iria conseguir mais do que sua família inteira arrecada em 30 dias, o que “explica” muitos aceitarem arriscar suas vidas em rodovias extremamente fiscalizadas e carregar drogas que podem deixá-los anos na prisão. Neste caso, após apuração do inquérito policial, o motorista foi indiciado por tráfico de drogas no último dia 6 e deve ser julgado em breve.
“Ocorre que o próprio caso em si, pela própria quantidade apreendida e a natureza desta [a qual necessita passar por processo antes para utilização], além da diversidade de forma de cocaína e da forma como estava sendo transportada, oculta em tanque de combustível, sendo impossível que se trate de drogas para consumo próprio pelo volume da apreensão e modo como a droga estava embalada, bem como as circunstâncias como se deu a prisão, denotam sua finalidade para comercialização”, afirmou o delegado da Polícia Federal em seu relatório final sobre o caso.
*Matéria atualizada às 17h37 do dia 10 de outubro para acréscimo de informação




