Processo contra o município de Campo Grande foi vencido em 2018, mas até agora a família do menino Maycon Corrêa de Andrade segue sem o pagamento
“Já perdi as esperanças. É tanta demora, e o meu filho não vai voltar”, é o que diz Lucilene Corrêa, 44 anos, mãe de Maycon Corrêa de Andrade, que no dia 28 de dezembro de 2011, com apenas nove anos, morreu por asfixia mecânica por compressão torácica, após ser soterrado por um desabamento de resíduos no lixão de Campo Grande, situado às margens do anel viário que liga as saídas de Sidrolândia à Anhanduí, no Bairro Dom Antônio Barbosa.
De lá pra cá, a diarista que vive no São Conrado disse que já são mais de 13 anos de angústia e outros seis à espera do pagamento de uma indenização vencida em agosto de 2018 pela família, referente ao processo ganho contra o município de Campo Grande.
Comemorada em silêncio por Lucilene, a indenização foi encabeçada pelo pedreiro Reginaldo Pereira de Andrade, pai de Maycon, que faleceu em 2023, em decorrência de complicações por tuberculose, além de outros quatro filhos do casal.
Conforme o advogado Luciano de Miguel, responsável pela causa, a demora acerca dos pagamentos de indenização decorre de trâmites judiciários, uma vez que os pagamentos serão feitos por meio de precatórios – requisições realizadas pelo Poder Judiciário para cobrar o pagamento de dívidas que envolvam órgãos públicos.
“Não posso falar em um prazo. Se eu fizesse isso, estaria sendo irresponsável ao estipular uma data para que a família recebesse esse dinheiro. Nesse momento, eles estão na fila de espera, visto que os pagamentos realizados nesse tipo de modalidade ocorrem em lotes”, afirmou Miguel.
À reportagem, o advogado comentou que, por agora, estão sendo realizados os pagamentos referentes às causas ganhas em 2017, ou seja, como a causa foi ganha em 2018, os pagamentos podem ocorrer ainda neste ano.
“Realmente não posso estipular uma data, pode ocorrer em seis meses ou em mais de um ano”, disse o advogado.
Assinada pelo juiz Zidiel Infantino Coutinho à época, a sentença estipulou o pagamento de R$ 30 mil para cada um dos pais de Maycon, além de R$ 10 mil para cada um dos irmãos da vítima, valores a serem corrigidos – segundo o magistrado – pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) “a partir do arbitramento e dos juros de mora pelo índice aplicável à caderneta de poupança a partir da citação, nos termos do artigo 405 do Código Civil”.
No mesmo eixo, o juiz decidiu por ceder a pensão alimentícia aos pais de Maycon no valor de 66% do salário mínimo à época, cerca de R$ 400.
“Inclusive da gratificação natalina, contada a partir do dia em que a vítima completaria 16 anos, até a data em que completaria 25 anos, reduzida, a partir de então, para 1/3 (um terço) do salário mínimo até o óbito dos beneficiários da pensão ou da data em que a vítima completaria 75 anos de idade, o que ocorrer primeiro”, diz trecho da decisão.
Conforme a sentença, os valores da pensão já vencidos deveriam ser pagos de uma só vez, nos termos do artigo 950, parágrafo único, do Código Civil. Perguntada sobre o recebimento, Lucilene afirmou não se lembrar do período em que passou a receber os R$ 400, porém, garantiu que em dezembro de 2024 a gratificação natalina prevista em juízo já não foi repassada à família.
“Eu já recebo os pagamentos há algum tempo, não sei dizer desde quando, mas em dezembro do ano passado já não recebi”, assegurou Lucilene.
Uma vez que dezembro foi o mês da morte do filho, a mãe do garoto disse que é justo nessa época, entre o fim do ano e janeiro, que ela se sente mais emotiva, pois “tudo lembra ele”.
“É muito difícil reviver tudo isso, não me sinto bem, e toda vez que eu falo do Maycon as memórias voltam”, frisou.
Maycon morava no Dom Antônio Barbosa e foi ao lixão acompanhado de alguns amigos para catar material reciclável, assim como dezenas de outras pessoas. Apesar de ser menor de idade, a criança conseguiu ter acesso ao lixão.
LAUDO
De acordo com o laudo pericial, o corpo de Maycon foi encontrado em “decúbito lateral direito, em meio aos resíduos de lixo domiciliar”. Assinada pelo perito Domingo Savio Ribas, o documento constatou que o menino estava encoberto cerca de cinco metros pelo lixo.
No mesmo sentido, a análise reforçou que os materiais descartados no lixão “não eram compactados em sua totalidade, e sim empurrados e parcialmente compactados pela máquina”.
Com 13 páginas, a análise encaminhada ao Instituto de Criminalística em janeiro de 2012 deixou claro que “se eventualmente [os sacos de lixo] forem depositados em um único local, podem favorecer a desestabilização do aterro, provocando o desmoronamento do talude”.
MUDANÇAS
Após a morte de Maycon, o antigo lixão continuou funcionando e só foi fechado em dezembro de 2012. Foi então que os catadores de recicláveis começaram a atuar na área de transição, que ficava ao lado da montanha de lixo.
O espaço foi criado porque a prefeitura fechou o lixão antes que fossem concluídas as obras da Unidade de Tratamento de Resíduos (UTR), para onde os catadores foram designados em agosto de 2015.
Assine o Correio do Estado