Dados do CNJ mostram que os 221 magistrados estaduais de MS são os campeões nacionais no que se refere a supersalários
Reportagem do jornal O Globo publicada nesta terça-feira (18) revela que os 221 magistrados do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul receberam, no ano passado, R$ 162 milhões em salários acima do teto constitucional, o que equivale a R$ 734 mil por magistrado.
Mas o valor é ainda maior, pois foram excluídos valores referentes a auxílio-moradia, auxílio-alimentação e auxílio-saúde.
Este valor, segundo o levantamento é o mais alto entre os tribunais estaduais, ficando atrás somente do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, onde o rendimento médio acima do teto foi de R$ 835 mil.
Em segundo lugar neste ranking dos supersalários aparece o TJ de Minas Gerais, onde 1.597 juízes e desembargadores embolaram R$ 596 mil acima do teto constitucional, que no ano passado era de R$ 44 mil e que neste ano subiu para R$ 46,3 mil.
Na média de todos os tribunais do país, nas esferas estadual e federal, o pagamento acima do teto para magistrado foi de R$ 270 mil no ano passado.
Ou seja, com R$ 734 mil, os juízes e desembargadores de Mato Grosso do Sul rebeberam 171,8% acima da média nacional.
No ano anterior, em 2023, os magistrados de Mato Grosso do Sul já estavam em primeiro lugar no ranking nacional dos maiores salários, conforme mostrou a 21ª primeira edição do relatório “Justiça em Números”, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Eles custaram 195,9% a mais que os últimos colocados do ranking, que são os magistrados do estado de Alagoas.
Em Alagoas, berço eleitoral de Fernando Collor, que na década de 80 do século passado virou presidente da República por conta de sua “caçada aos marajás” do serviço público, um magistrado custou R$ 40.673,00 por mês aos cofres públicos em 2023.
Enquanto isso, em Mato Grosso do Sul esse valor foi de R$ 120.354,00. Estar no topo deste ranking não chega a ser novidade. Em 2022, os magistrados daqui estavam em segundo lugar, ficando atrás apenas de Minas Gerais.
Estado eficiente
Os números divulgados pelo jornal carioca desta terça-feira fazem parte da primeira de uma série de cinco reportagens que o diário começou a publicar sobre um “Estado Eficiente”. Esta primeira reportagem morta que o Judiciário pagou quase R$ 7 bilhões em remunerações acima do teto estabelecido pela Constituição durante o ano de 2024.
Os dados foram disponibilizados pelo próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, em nota, disse que “muitos dos pagamentos citados são passivos relativos a decisões judiciais que deram ganho de causa a esses profissionais para o pagamento desses valores”.
A discussão sobre remunerações de servidores acima do teto está entre as principais pautas no debate sobre corte de gastos.
Em reuniões com os presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou uma série de projetos considerados prioritários para a equipe econômica para este ano.
Entre eles, está a aprovação do projeto de lei atualmente no Senado que busca regulamentar o pagamento a servidores, incluindo as verbas indenizatórias.
Ao longo dos últimos anos, tornou-se prática comum o pagamento de verbas de caráter indenizatório, chamadas de “penduricalhos”. A rubrica contempla uma série de benefícios e auxílios concedidos a servidores que, ao serem classificados nesta categoria, não estão sujeitos ao teto remuneratório.
Os dados do CNJ apontam que, nas esferas federal e estadual, o Judiciário gastou R$ 4,9 bilhões com direitos eventuais como “pagamentos retroativos” e “licença compensatória”. Além disso, foi gasto R$ 1,8 bilhão com indenizações. No total, R$ 6,7 bilhões.
E estes valores só não são maiores porque foram retiradas algumas rubricas mais comuns a demais servidores ou a iniciativa privada, como auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-saúde e gratificação natalina. Se fossem considerados todos os valores de indenizações e “direitos eventuais”, o valor chegaria a R$ 12 bilhões.
Para Luciana Zaffalon, advogada e diretora executiva do Justa, centro de pesquisa que atua no campo da economia política da justiça, os valores pagos acima do teto atingem praticamente todos os órgãos do sistema de Justiça, incluindo os Ministérios Públicos, que em cada estado paga valores idênticos aos da magistratura.
'Licença compensatória'
Conforme a reportagem do jornal carioca, para justificar os pagamentos, os tribunais geralmente se baseiam em decisões administrativas próprias ou do Conselho Nacional de Justiça.
Nos últimos anos, um desses mecanismos que gerou críticas, por exemplo, foi a chamada licença compensatória, valor pago em dinheiro por supostas folgas não usufruídas pelos magistrados.
A licença transforma a gratificação por exercício cumulativo em um dia de folga para cada três trabalhados, que pode ser convertido em pagamento.
Ou seja, o juiz é indenizado por não usufruir da folga e o valor assume natureza indenizatória, fora do teto constitucional. Um levantamento feito pela ONG Transparência Brasil apontou que, em 16 meses, os pagamentos dessa rubrica por si só, responderam por R$ 816 milhões no país.
Distorções
O Globo também ouviu o economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Para ele, além do impacto fiscal causado pelo pagamento de valores acima do teto, os penduricalhos também reforçam a injustiça dentro da máquina pública.
Um relatório do Tesouro Nacional publicado no início de 2024 deixou isso claro: no Brasil, 1,6% do Produto Interno Bruto é gasto com tribunais. Em comparação, a média dos países emergentes é de 0,5% e nas economias avançadas é de 0,3%.
Marconi foi diretor de Carreiras e Remuneração do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado durante o governo Fernando Henrique. A pasta foi responsável por formular e implementar a última reforma administrativa de grande porte no Brasil, em 1998.
“Naquele momento, a discussão já era essa e foi definido que dentro do teto estariam incluídas as vantagens remuneratórias, já estava muito claro. Mas eles sempre fazem uma interpretação de que esse tipo de despesa não está considerado nessa definição que está na lei, definem que está fora do teto. O teto em si não é um absurdo, mas sim essas vantagens indenizatórias, que transformam esse valor”, entende ele.
O jornal carioca procurou o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que não se manifestou.