A disputa por terras em Mato Grosso do Sul tem se intensificado no segundo semestre deste ano. Em nova tensão e briga por espaço, um indígena foi morto com um tiro na cabeça na madrugada de ontem em Iguatemi, na Terra Indígena (TI) Iguatemipegua I, e outras quatro pessoas teriam ficado feridas. A polícia também contabiliza uma segunda morte, ainda não identificada.
A região é marcada por conflitos entre indígenas e fazendeiros há muito tempo, em 2023, por exemplo, em uma das retomadas da área reivindicada pelos guarani-kaiowá, um jornalista canadense e uma cineasta foram feridos na disputa.
Desta vez, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Vicente Fernandes Vilhalva, de 36 anos, morreu e há outros quatro feridos, todos pessoas guarani-kaiowá – dois adolescentes, uma mulher e um homem.
Segundo eles, cerca de 20 homens fortemente armados teriam atacado na madrugada de ontem a retomada Pyelito Kue, que desde outubro teria avançado sobre a Fazenda Cachoeira, que estaria dentro da TI reivindicada e ficaria contígua à aldeia de mesmo nome. Na ação teria ocorrido a morte de Vicente e os feridos.
A versão é contestada pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), que afirma que além do indígena, o funcionário de uma fazenda na região também foi morto no confronto.
“A Sejusp esclarece que as Forças de Segurança do Estado deram apoio às forças federais no ocorrido neste domingo (16) no município de Iguatemi, que resultou na morte de um indígena e de um funcionário de uma propriedade rural na região. Outras duas pessoas estão hospitalizadas”, diz a nota.
A Pasta ainda alega que um dos suspeitos de ser o autor seria um indígena, que foi preso pela Polícia Militar e entregue à Polícia Federal, porém, a nota não explica se ele teria matado as duas pessoas ou apenas uma delas.
“Um indígena suspeito de ser o autor do crime, que também foi ferido, já foi detido e encaminhado pela Polícia Militar à Polícia Federal. Por decisão judicial, a PM não fazia a segurança ostensiva na área”, completou.
Apesar disso, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) soltou nota para manifestar seu “profundo pesar pela morte do indígena guarani-kaiowá na comunidade de Pyelito Kue, município de Iguatemi (MS), após ataques de pistoleiros, em contexto de recente retomada realizada nos dias anteriores”.
Segundo o ministério, o Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas (Demed/MPI) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) atuam na situção e acionaram os órgãos de Segurança Pública.
“O MPI reforça a necessidade de uma investigação rigorosa e uma ação conjunta para combater os grupos de pistoleiros que atuam na região. Ressalta, ainda, a importância de políticas que fortaleçam a proteção dos indígenas e de seus territórios”, disse o ministério, em nota.
O secretário-executivo do MPI, Eloy Terena, afirmou ao Correio do Estado que foi convocado para hoje a uma reunião extraordinária do Gabinete de Crise guarani-kaiowá , que reúne além do Ministério dos Povos Indígenas e da Funai, membros da Polícia Federal, Força Nacional de Segurança, governo do Estado e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), para tratar sobre o assunto.
“Para a gente ver quais as providências já adotadas e quais aquelas que estão ainda pendentes”, declarou Terena.
O Correio do Estado procurou a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) para falar sobre o assunto, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.
DEMARCAÇÃO
Parada desde 2013, a demarcação da terra indígena teve andamento no início do mês. O Ministério dos Povos Indígenas e a Funai concluíram os estudos de identificação e delimitação da área e o processo foi remetido para o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e aguarda a publicação para finalizar o processo.
Segundo documento datado do dia 7, após terminar as análises jurídicas de 16 pedidos de impugnação do processo, a Procuradoria Federal Especializada (PFE) da Funai concluiu por acatar o pedido de demarcação.
“Concluindo em todos os pareceres e despachos de aprovação respectivos pelo preenchimento dos requisitos constitucionais e legais do processo de demarcação da Terra Indígena Iguatemipegua I”, diz trecho do documento.
CONFLITOS
Desde 2015 os indígenas já ocupam 100 hectares da Fazenda Cambará, que também estaria sobreposta à TI delimitada em 2013, que tem 41,5 mil hectares. E, desde então, eles tentam retomar a área onde está localizada a Fazenda Cachoeira.
Em uma dessas tentativas, em novembro de 2023, o jornalista canadense Renaud Philippe e a cineasta e antropóloga Ana Carolina Mira Porto foram agredidos, ameaçados e roubados enquanto apuravam suposta denúncia de ataques contra os indígenas kaiowá e guarani em Iguatemi.
Segundo o relato dos dois, eles foram cercados por homens encapuzados e armados MS-386, que dá acesso à área indígena.
Ainda conforme o casal, ambos foram jogados ao chão e Renaud foi espancado e teve parte de seu cabelo arrancado. Já Carolina foi ameaçada com uma faca e arrastada pelos homens.
Além da violência, eles alegaram terem tido documentos, celulares, cadernos com anotações e também equipamentos fotográficos e audiovisuais, inclusive cartões de memória com parte de seu trabalho, roubados. O caso foi registrado na polícia.
*SAIBA
Após o confronto, a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) chegou ao local para fazer segurança, assim como equipes da Sesai e da Polícia Federal.
(Colaborou João Pedro Flores)


