No interior de Mato Grosso do Sul, povos indígenas têm enfrentado uma série de problemas com relação à energia elétrica, que vão desde oscilações constantes até uma suposta recusa por parte da concessionária em aceitar a autodeclaração como comprovante de residência, em uma espécie de "preconceito burocrático".
Conforme exposto pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), em Dourados as reclamações sobre a falta de atendimento por parte tendem a ser recorrentes, município esse que fica longe cerca de 231 quilômetros da Capital e concentra aproximadamente 20 mil indígenas.
Esse caso levou à instauração de um "procedimento administrativo" por parte do MPMS, já que as reclamações têm se acumulado enquanto a Energisa supostamente não teria aceitado a declaração de próprio punho que, com base na Lei Estadual n. 4.082, de 06 de setembro de 2011, supriria a exigência de comprovante de residência.
Segundo a concessionária: "nos casos de povos indígenas que não tenham rede de energia elétrica no local, necessitando de obra de extensão e implantação de rede, se faz necessário a Declaração da Funai de reserva indígena e Registro Administrativo de Nascimento Indígena (RANI)", cita a Energisa em manifestação, dizendo também que para moradores de aldeias que já possuem extensão de rede é aceita a autodeclaração de endereço.
Entretanto, para a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), não haveria impedimento para emissão de declaração da área/aldeia indígena nos casos em que será necessária a instalação ou extensão de rede em áreas protegidas pela legislação, enquanto que a declaração "família por família" exorbitante estaria prejudicando esses povos originários.
Em resposta ao promotor, antes do despacho de arquivamento e posterior recurso, a Energisa se limitou a afirmar que está sujeita aos regulamentos e normas da Aneel.
Ou seja, segundo eles, os documentos solicitados para pedido de ligação nove e outras solicitações seriam regidos através da resolução de número mil da Agência Nacional.
"Reforçamos que a concessionária visa manter o atendimento com qualidade e segurança de seus clientes e usuários, sendo que os problemas pontuais devem ser encaminhados a Companhia através de comunicação, via telefone, agência local ou energisa on, para que as providências cabíveis sejam adotadas",
Porém, o MPMS considera a resolução normativa publicado em 2021 pela própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), dizendo que as as regras de Prestação do Serviço Público de Distribuição dispõe o que é necessário que o consumidor apresente para a elaboração de orçamento de conexão, sendo:
"Licença ou declaração emitida pelo órgão competente caso as instalações ou a extensão de rede de responsabilidade do consumidor e demais usuários ocuparem áreas protegidas pela legislação, tais como unidades de conservação, reservas legais, áreas de preservação permanente, territórios indígenas e
quilombolas", sem essa exigência expressa da emissão de documento individual para cada família ou da área/aldeia indígena, complementa o MP.
Entenda
Como bem esclarece a coordenação regional (CR) da Funai em Dourados, sobre a autodeterminação de residência e o relacionamento da concessionária para com os povos originários da região, a Energisa estaria indo contra as disposições previstas na Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Ao versar sobre os direitos dos povos indígenas e tribais, a Convenção ratificada pelo Brasil seria a forma de garantir a independência, a liberdade e o direito de organização própria, já que exige respeito justamente ao princípio da autodeterminação.
“Ademais, observa-se o descumprimento da Lei nº 4.082, de 6 de setembro de 2011, que assegura aos cidadãos o direito à autodeclaração de residência, sendo esta um documento válido e suficiente para a realização de diversos atos civis, inclusive a contratação de serviços essenciais, como o fornecimento de energia elétrica”, cita a CR-Funai/Dourados.
Com uma série de denúncias, as reclamações dos indígenas trazem sempre o mesmo teor, de que teriam ido até a Energisa pedir ligação de energia em sua residência, porém apontando que as atendentes responsáveis sempre acabavam exigindo o chamado Registro Administrativo de Nascimento Indígena (RANI) para que o serviço fosse realizado, mesmo que cada um já possuísse em mãos os documentos de identificação, como RG e CPF.
Isso aconteceu com Mary Rosa Morales, com Noemi Gabriel Cáceres e uma série de outros indígenas, que agora têm as tratativas entre a Funai e Energisa acompanhadas de perto pelo MPMS, já que não haveria mais possibilidade de regularização voluntária e consensual entre as partes envolvidas.
Como bem aponta a portaria que regulamentou o procedimento administrativo, pelo menos desde dezembro de 2023 a Funai tem oficiado o Ministério Público Federal, com questionamentos sobre a exigência de documentos e autenticação para abertura e/ou mudança de unidades consumidoras para indígenas.
Com isso, foi solicitado que a concessionária informasse as providências adotadas desde que tomou conhecimento das exigências a partir das agências de Dourados, para que contas de unidades consumidoras e/ou mudanças fossem feitas em áreas de comunidades indígenas.
Energisa e indígenas
Tudo isso teria começado com uma notícia de fato, que chegou a ser arquivada num primeiro momento, a qual a Funai chegou a interpôr recurso contrário, afirmando que a ausência de aceite de autodeclarações seria uma situação recorrente e costumeira por parte da Energisa.
Inclusive, no caso de Marines Candido da Silva teria sido exigido da indígena por parte da Energisa um documento intitulado de "procedência de reserva indígena", o que supostamente sequer existe.
O MP apontou para supostas "barreiras" impostas ao acesso dos indígenas à prestação do serviço público de energia elétrica e exercício dos direitos, diante do volume de reclamações ditas como recorrentes.
Como descrito em ofício, a resposta aponta que a Energisa tem sido utilizada para "prejudicar famílias indígenas", já que dificulta o acesso ao serviço de energia elétrica, além de interpôr sobrecarga de trabalho para a Funai, com a exigência de declaração de residência e/ou RANI.
Isso porque, conforme explicação prestada pela Energisa, seria função da Funai emitir declarações de residência para cada uma das 20 mil famílias de Dourados, uma vez que a Fundação atende aproximadamente 40 mil indígenas totais distribuídos pelos demais municípios.
Uma vez que o pedido pelo serviço teria sido atendido após emissão de declaração da Funai, e Fundação diz que realiza tais procedimentos para nas prejudicar as famílias, sendo que "se faz necessário que a Energisa passe a respeitar a autonomia dos povos indígenas", já que a concessionária estaria fazendo esse tipo de exigência apenas à bancos e universidades.


