A Procuradoria-Geral do Município de Campo Grande revelou em peça judicial a existência de um esquema envolvendo médicos e advogados que forçam a judicialização da saúde para aumentar seus rendimentos.
A descrição veio a tona em defesa a uma ação do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) que visa acabar com uma fila de espera de 7,7 mil consultas e cirurgias ortopédicas.
A procuradora jurídica do município, Viviani Moro, afirma que os custos desses procedimentos, solicitados via processos judiciais, contribuem para o aumento das filas na saúde pública.
Em contestação à ação civil pública ajuizada pelo MPMS no fim de abril, Moro destacou dois processos judiciais em que pessoas demandam procedimentos de quase R$ 600 mil e R$ 50 mil.
“Desde a judicialização da saúde, inúmeros profissionais médicos e empresas encontraram nas ações meios para obter melhores lucros”, afirmou a procuradora.
“Por uma questão lógica, tais profissionais não se interessam em realizar o procedimento no âmbito do SUS, cujo custeio de tais procedimentos é pífio. E por mais que os serviços estejam contratualizados, o Gestor Público não possui finanças suficientes para subsidiar valores equiparados com os que são praticados no âmbito privado”, complementou a procuradora jurídica.
Exemplos
O Correio do Estado verificou que esses procedimentos podem ser realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e são catalogados como eletivos, fora dos critérios de urgência e emergência.
Em um exemplo citado, uma cirurgia ortopédica orçada em quase R$ 600 mil inclui uma prótese e honorários médicos de R$ 120 mil, além de outros custos.
O Estado e a prefeitura de Campo Grande poderão pagar mais R$ 120 mil em honorários de sucumbência ao advogado da parte contrária, valor não incluído na ação.
Um servidor público reconheceu a demora para zerar as filas de cirurgia, mas também criticou a prática predatória dos profissionais envolvidos. Decisões judiciais são frequentemente tomadas por liminares, com pouca análise técnica, baseadas em argumentos de perigo da demora (periculum in mora) e fumaça do bom direito (fumus boni iuris).
A resistência dos advogados em promover audiências de conciliação e a apresentação de orçamentos cirúrgicos muito acima dos preços de mercado são indicativos deste comportamento.
“Os municípios de todos os estados buscam soluções rápidas para abrandar os prejuízos econômicos causados por tais ações”, explicou a procuradora.
O processo do procedimento de mais de meio milhão de reais está em segunda instância, após a negativa de antecipação de tutela.
O Núcleo de Apoio Técnico (NAT), órgão que envolve uma junta médica no Tribunal de Justiça, manifestou-se favoravelmente à realização do procedimento, sem questionar os custos apontados.
O município argumenta que a cirurgia pleiteada é eletiva e pode ser realizada com materiais disponíveis no SUS. Também se propõe a pagar o honorário do médico conforme as tabelas do SUS ou da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em caso de derrota.
A ação
Em abril, o MPMS ajuizou uma ação civil pública indicando uma demanda reprimida de 3.530 consultas iniciais para cirurgias ortopédicas de coluna, 1.667 para cirurgias de ombro, 1.350 para cirurgias de quadril e 1.207 para cirurgias de mão, totalizando 7.754 pacientes na fila. A promotora Daniela Cristina Guiotti argumentou que a ineficiência do serviço público causa a judicialização da saúde.
Na ação, o MPMS pede que o Estado e o município apresentem um plano para zerar a fila em até 180 dias, com multa diária de R$ 10 mil por descumprimento. A ação foi agrupada com outra mais abrangente, que também pretende zerar consultas e cirurgias especializadas na rede pública de saúde de Campo Grande. Uma audiência de conciliação está marcada para o próximo dia 20.