Por falta de provas, o ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), absolveu nesta semana o investigador de polícia Márcio Cavalcanti da Silva, policial preso em 2019 na Omertà, acusado de manter e ocultar 40 munições de fuzil em seu armário funcional, na Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Roubo e Furto (DERF), em Campo Grande.
Segundo o inquérito policial, as munições teriam sido encontradas no dia 5 de novembro de 2019, dentro de uma mochila localizada no armário de uso pessoal do então investigador, preso em setembro do mesmo ano, na primeira fase da Operação Omertà.
A decisão recente do ministro anulou o acórdão condenatório anterior e reafirmou a sentença de primeiro grau, que já havia julgado improcedente a denúncia do Ministério Público. Desta vez, a análise do STJ reconheceu quebra da cadeia de custódia, ou seja, ausência de outras provas que corroborassem a acusação e fragilidade nos procedimentos de apreensão.
Segundo a denúncia, as munições foram encontradas dentro de uma mochila em seu armário funcional, onde ele atuava como investigador. O acusado, no entanto, negou ser o dono da munição, e disse não saber como foram parar em seu armário.
À época, o policial civil foi afastado de suas funções, chegou a ficar em presídio federal e negou participação em qualquer plano para ataque ao delegado Fábio Peró, que encabeça a Omertà e desde maio, foi reintegrado à polícia.
Apesar de a acusação ter sido sustentada pela localização das munições e pela testemunha do delegado Reginaldo Salomão, que relatou a apreensão do material durante uma vistoria no armário do réu, a defesa argumentou que o processo não tinha garantias adequadas de legalidade.
Salomão afirmou que, mesmo sem autorização formal, teve que abrir o armário de Cavalcanti para retirar seus bens, inclusive a mochila onde as munições foram encontradas. No entanto, não houve registro fotos ou imagens da apreensão, o que gerou questionamentos sobre a validade da prova apresentada.
Além disso, o delegado não conseguiu comprovar que as munições haviam sido adquiridas de forma lícita, com a devida autorização do Comando do Exército, como exige a legislação brasileira. O laudo pericial também não conseguiu confirmar a autenticidade da apreensão, uma vez que a cadeia de custódia da prova não foi adequadamente documentada, o que enfraqueceu a acusação.
O julgamento apontou que o ato de revistar o armário do acusado sem a presença de testemunhas e sem registros comprometeu a integridade das provas, apesar desta ser uma prerrogativa interna da polícia .Em decisão unânime, o tribunal concluiu que, sem evidências suficientes para sustentar a acusação, o caso deveria ser arquivado e o réu absolvido, restabelecendo a sentença que havia sido previamente julgada improcedente.
A acusação
Segundo o inquérito policial, as 40 munições encontradas no armário de Cavalcanti eram de fabricação israelense (marca IMI Israel Military Industries), calibre 5.56, de uso restrito, semelhantes às apreendidas meses antes, em 19 de maio de 2019, em um imóvel de Jamil Name e Jamil Name Filho, apontados como líderes de organização criminosa ligada à milícias armadas, pistolagem e tráfico de armas. A acusação afirmava que Márcio teria ocultado e mantido as munições com o objetivo de colaborar com o grupo criminoso.
A quadrilha era especializada em execuções de inimigos, desafetos. À época, as investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) apontaram que o grupo agiu por pelo menos uma década em Campo Grande no comando de jogos de azar, sobretudo "Jogo do Bicho".
Conforme a decisão, o armário onde as munições foram encontradas estava localizado na sede da DERF, e segundo o delegado Reginaldo Salomão, a abertura se deu por conta do afastamento funcional de Márcio, determinado pela Corregedoria-Geral da Polícia Civil. O delegado relatou que recebeu orientação para inventariar os bens deixados por Márcio na repartição e, por isso, teria entrado no armário com dois escrivães, localizando a mochila com os projéteis.
No entanto, inconsistências nos depoimentos e nos procedimentos realizados geraram dúvidas e testemunhas como o investigador Ronaldo Ajala afirmaram que o armário permaneceu fechado durante o período em que Márcio esteve preso. Também foi relatado que o armário poderia ser aberto facilmente com o levantamento das dobradiças, sem necessidade de chave, o que fragilizou a preservação da cena.
Além disso, segundo a decisão, não houve registro de diligência formal, não foram convocadas testemunhas neutras, nem houve a presença de familiares do acusado durante o recolhimento dos bens, condutas consideradas obrigatórias em situações como essa, conforme depoimento do escrivão Luciano da Silva Neres.
Primeira instância já havia absolvido o réu
Em sentença proferida pela Justiça de primeiro grau, o juiz responsável já havia entendido que não houve prova suficiente de que a mochila com as munições pertencia de fato ao acusado. Ressaltou também que o laudo pericial indicou que as munições apreendidas eram de calibre .223 REM, similar ao 5.56, mas não idêntico, e que ambas podem ser utilizadas em fuzis, ainda que isso não fosse tecnicamente recomendado.
Diante dessas inconsistências probatórias, o magistrado considerou não haver elementos suficientes para afirmar que as munições foram efetivamente armazenadas e ocultadas por Márcio, razão pela qual o absolveu o réu por insuficiência de provas.
Falhas na cadeia de custódia
Ao analisar o recurso especial interposto pelo policial, o ministro Rogério Schietti Cruz destacou que a própria sentença já havia sinalizado a "ausência de cautela em relação à preservação do armário do acusado e, mais ainda, em relação à própria arrecadação das munições", o que comprometeu de maneira grave o valor da única prova material apresentada contra Márcio.
Com isso, o relator reconheceu a violação de diversos dispositivos legais relacionados à cadeia de custódia produção de provas e preservação de local de crime.
"As demonstradas irregularidades na cadeia de custódia afastam o juízo de certeza acerca da autenticidade e da integridade da única prova dos delitos imputados ao agravante", afirmou o ministro Schietti Cruz em sua decisão.
Mato Grosso do Sul está em alerta para tempestades (Reprodução / Inmet)


