Há alguns anos, a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) era o sonho dos jovens que recém completavam os 18 anos. No entanto, atualmente, a realidade é outra.
A queda na procura é notável. Em 2021, 13.241 pessoas tiraram a primeira habilitação em Campo Grande, uma média de 1.103 novos habilitados por mês. Em 2022, foram 12.285 novos habilitados, uma redução de 7,2%, e média de 1.023 carteiras de habilitação emitidas mensalmente.
Neste ano, temos a menor média mensal de habilitados na Capital, com 6.272 novos habilitados nos primeiros sete meses do ano, o que aponta para uma média de 896 novas carteiras de habilitação emitidas por mês.
Os números, do Departamento de Transito de Mato Grosso do Sul (Detran-MS), mostram uma queda de 12,4% nos novos habilitados em comparação com o ano passado.
Para Carlos Guarini, chefe da Divisão de Operação e Coordenação de Fiscalização de Trânsito da Agência de Trânsito de Campo Grande (Agetran), a questão financeira é o principal fator que afasta os jovens e adultos da habilitação.
"A gente associa a redução na procura a diversas situações, mas ocorre principalmente pela falta de condições financeiras para tirar essa habilitação, porque a pessoa tem que pagar pelo centro de formação de condutores e passar pelos exames teórico e prático", destacou.
Atualmente, o interessado em tirar a carteira de motorista AB (para moto e carro) precisa ter condições de investir pelo menos R$ 2.904,00* no processo. Isso se passar de primeira nos exames, porque, caso reprove, a pessoa ainda terá de pagar por aulas extras.
*O valor foi estimado com base em uma média nos preços cobrados pelas autoescolas da Capital, que variam de R$ 1.920 a R$ 2.180, somados à taxa do Detran-MS, que é de R$ 854,79 para a categoria AB.
A reportagem procurou por jovens que ainda não possuem CNH, e comprovou que o preço cobrado pelas autoescolas e pelo Detran-MS é o principal obstáculo para a habilitação.
Dentre os dez entrevistados, dez mencionaram o custo das aulas e taxas do Detran como principal obstáculo.
A jornalista Bianka Macário, de 26 anos, contou que ao completar 18 anos acabou não tirando a CNH por não ter carro.
"Quando fiz 18 anos, não tirei devido a desculpa básica de 'não tenho carro'. Então fui deixando e o tempo passou. Continuo sem carro, mas hoje já penso sim em tirar, mesmo com os valores altos, tiraria só pra ter mesmo", comentou.
Um dos pontos que fez Bianka repensar a habilitação foi a possibilidade de precisar dirigir em alguma emergência.
"Outro motivo que me faz pensar em tirar é caso eu precise dirigir em alguma emergência, ou ajudar alguém, como já precisei e não pude. É um ponto que atualmente me faz repensar na CNH", afirmou.
Além da comodidade e questões financeiras, outro ponto citado pela jornalista como obstáculo é o receio de dirigir no trânsito de Campo Grande.
"Acho o trânsito daqui caótico, bate um medo em pensar na possibilidade de ter que digirir aqui em Campo Grande", concluiu.
A líder de marketing, Isabella Pazin, de 24 anos, também divide do mesmo medo.
"Eu tenho um certo receio em dirigir aqui na cidade, e também não tirei a CNH ainda porque acho bem caro", pontuou.
Isabella menciona ainda que já ficou sabendo de muitos casos em que pessoas tiveram experiências ruins na autoescola, e precisaram gastar um valor muito acima do esperado.
"Acho que o preço cobrado é um absurdo, e parece que sempre arrumam um jeito de nos fazer pagar algo a mais para lucrarem em cima disso", desabafou.
Para Paulo Henrique, que estuda e trabalha em tempo integral, outro obstáculo além do dinheiro é a falta de tempo.
"Não optei por tirar por comodidade, por não ter muito tempo pra fazer aula, e por falta de dinheiro. O valor é um absurdo", afirmou.
Quando tiver a oportunidade, pretende ir atrás da habilitação.
"Acho que a CNH é uma necessidade hoje em dia, dirigir e não depender de transporte público ou aplicativo de mobilidade também", concluiu.
O estudante Gabriel Malulei, 21, completou os 18 anos durante a pandemia, e acabou não dando início às aulas da autoescola. Com o fim do isolamento, optou por aproveitar o tempo com outras atividades, e deixou a habilitação de segundo plano.
Conciliando faculdade e estágio, Gabriel se planeja para tirar a CNH ainda no fim de 2023.
"Eu quis aproveitar o tempo pós-pandemia fazendo outras coisas. Pretendo tirar a CNH no final do ano, se tudo ocorrer como planejo", comentou.
Para diminuir o impacto no bolso, o estudante já começou a fazer as pesquisas de preço, para escolher a autoescola com a melhor oferta.
"Em muitos lugares que vi os preços ultrapassam os R$ 2 mil. Procurando bem e analisando outros lugares você acha valores menores. Acredito que para que quem faz estágio e está na faculdade, o valor pode ser um pouco alto", acrescentou.
A redatora publicitária Júlia Bressan, de 23 anos, está no processo para tirar a habilitação. Em entrevista ao Correio do Estado, a jovem relatou que a decisão de tirar a CNH só surgiu após ter certa estabilidade em um emprego, que também acaba demandando que ela saiba dirigir.
"Eu sempre tive a disponibilidade da minha mãe me levar e me buscar dos lugares antes de fazer 18 anos, e logo que fiz os aplicativos de transporte já tinham chegado em Campo Grande. Como eu estava na faculdade e não tinha emprego, fui deixando pra depois. Agora eu tenho um emprego que me permite viajar, e nas cidades que vou o aluguel de carro é uma alternativa melhor", comentou.
Além disso, conseguiu conquistar o primeiro carro, o que serviu como incentivo para a habilitação.
"Nunca foi uma opção dirigir sem a CNH", completou.
Mas, tudo exigiu muito planejamento - e pesquisa.
"As autoescolas até parcelam no boleto, mas pra quem não ganha dos pais e precisa pagar por si, sem um emprego, é difícil se comprometer com os valores. Não acho o preço justo, é necessário muita pesquisa pra escolher o lugar com o melhor preço, mas que também seja de confiança", concluiu.
Os problemas financeiros não são exclusivos dos jovens. A secretária Roseli Moraes Honório, de 54 anos, afirmou que o preço das aulas foi o principal obstáculo. Ela já tentou iniciar o processo de habilitação, mas não conseguiu dar continuidade.
"Não é um preço justo. Todo o processo poderia ser mais barato", afirmou.
Durante a entrevista, Roseli declarou que ainda tem o desejo de, um dia, tirar a carteira de habilitação.
Transporte Público
A principal opção utilizada pelos não-habilitados é o transporte público, por ser mais barato e prático. Mas, ele também acaba tendo um preço de tarifa elevado, e deixa a desejar.
"É muito caro o valor da tarifa, muita demora porque chego nos horários de pico, e os motoristas são muito mal educados", desabafou.
A líder de marketing, Isabella Pazin, também utiliza o transporte público diariamente, e tem várias críticas a fazer.
"Acho o transporte público completamente horrível e insalubre. Nós ainda pagamos caro para andar em ônibus lotados, estragados e ainda podendo ter lidar com furtos e abusos", declarou.
Para o estudante Paulo Henrique, que também utiliza o transporte público de maneira rotineira, o maior tempo de deslocamento do ônibus também é um obstáculo.
"Normalmente só preciso pegar uma linha de ônibus, mas por outro lado sempre é bem cheio, às vezes atrasa, e o tempo de deslocamento de ônibus aumenta mais do que indo de carro", destacou.
CNH Social
O Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, por meio do Detran-MS, desenvolveu o programa CNH MS Social, que no primeiro edital vai contemplar 5 mil pessoas que já foram selecionadas, e aos poucos estão sendo convocadas para iniciarem o processo de habilitação nos seus respectivos municípios.
Desde o início do programa, já foram 167 CNHs emitidas, e 2500 processos abertos.
Até o momento, foram convocados candidatos de Campo Grande, Ponta Porã, Amambai, Coronel Sapucaia, Aral Moreira, Antônio João, Aquidauana, Anastácio, Miranda, Bodoquena, Dois Irmãos do Buriti, Corumbá, Ladário, Paranaíba, Cassilândia, Costa Rica, Chapadão do Sul, Paraíso das Águas, Inocência, Aparecida do Taboado.


