Uma denúncia anônima feita ao Ministério Público Estadual revelando que uma servidora comissionada da Câmara de Vereadores de Eldorado, cidade no extremo sul de Mato Grosso do Sul, recebeu uma indenização de R$ 313 mil no final do ano passado, acabou revelando que naquele município existe uma espécie de sangria dos cofres públicos e que, segundo a promotoria, é ilegal.
Esta mesma denúncia apontou que outro servidor recebeu R$ 142 mil na mesma época, mas nenhum destes pagamentos aparecia no site da transparência da Câmara no espaço reservado à folha de pagamento. Ambos estavam registrados como se estes servidores fossem "fornecedores".
Quando a promotoria exigiu explicações, a direção da Câmara informou que os pagamentos estavam embasados em uma lei municipal de 2011, a qual prevê que “os ocupantes de cargo em comissão, bem como os que a Lei declarar de livre nomeação e exoneração, quando demitidos ou exonerados pelo Poder Público, fará jus a uma indenização compensatória proporcional ao tempo de serviço, à razão de um mês de remuneração por ano de serviço prestado”.
Assim, os R$ 313 mil pagos à servidora, segundo a presidência da Câmara, referem-se à indenização de R$ 9.760,21 anuais computados desde 2 de janeiro de 1991 a 21 de dezembro de 2021.
Mas, apesar desse acerto de contas, ela foi recontratada e continua com cargo de confiança na Câmara. O servidor que recebeu R$ 142 mil foi indenizado por ter trabalhado de julho de 1994 a janeiro de 2015, recebendo R$ 6,9 mil por ano. Na explicação oficial, eles foram indenizados no ano passado porque havia disponibilidade de recursos nos cofres públicos e para evitar acúmulo ainda maior para os anos seguintes.
Em suas explicações, o presidente da Câmara revelou que esse pagamento de um 14º salário pago a servidores nomeados pelos políticos não é uma exclusividade da casa de leis. O mesmo vale para todos aqueles que ocupam cargos na prefeitura, como é o caso dos secretários e nomeados em cargos para os quais não é feito concurso.
Em sua defesa ele enviou ao promotor Fábio Adalberto Cardoso de Morais uma lista com dezenas de indenizações que foram pagas nos últimos anos a servidores do Executivo de Eldorado. Estas indenizações, porém, são proibidas pela Constituição, segundo o promotor.
A promotoria transcreve, inclusive, trecho de decisão do STF dizendo que "a disposição que prevê o pagamento pelos cofres públicos de indenização compensatória aos ocupantes de cargos em comissão, sem outro vínculo com o serviço público, por ocasião da exoneração ou dispensa, restringe a possibilidade de livre exoneração, tal como prevista no art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal".
Nesta relação, que cita o nome dos beneficiados, aparecem inúmeros pagamentos entre R$ 40 e R$ 90 mil liberados ao longo dos últimos anos. Com uma população de cerca de 12 mil habitantes, o orçamento da prefeitura de Eldorado, cidade às margens da BR-163, é da ordem de R$ 100 milhões anuais.
RECOMENDAÇÃO
Por conta dessa ilegalidade, o promotor instaurou um inquérito civil e nesta sexta-feira (13) publicou recomendação para que tanto a Câmara quanto a Prefeitura evitem o pagamento destas indenizações no final deste ano, quando vão ocorrer dezenas de demissões de apadrinhados em meio à traca de comando nas duas instituições.
Na publicação, o promotor “RESOLVE RECOMENDAR AO Município de Eldorado (tanto na pessoa de seu atual Prefeito quanto e de sua atual Vice-Prefeita - eleita como Prefeita para a próxima gestão municipal) e à Câmara de Vereadores (tanto na pessoa de seu atual Presidente quanto na pessoa de quem futuramente ocupe este posto), que: 01. Se abstenham, imediatamente, de efetuar qualquer pagamento aos servidores municipais com fundamento no artigo 250 da Lei Complementar Municipal n. 059/2011, ainda que haja valores já empenhados para tanto, comunicando suas Secretarias, Departamentos ou Setores internos responsáveis”.
Além de solicitar que cancelem a lei que prevê o pagamento do 14º salário, o promotor estipula prazo de 48 para que informem se acataram a recomendação. E, se houver discordância, o promotor diz que “a ausência de observância das medidas enunciadas impulsionará o Ministério Público Estadual a adotar as providências judiciais e extrajudiciais pertinentes para garantir a prevalência das normas de que trata esta Recomendação”.
.”