A área da segurança pública certamente é a mais demandada neste início de governo de Eduardo Riedel. Em pouco mais de dois meses, após ter sido reconduzido à titularidade da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Antônio Carlos Videira teve de intensificar o seu trabalho para gerenciar crises.
As demandas são as mais variadas: a permanente e cruel realidade que coloca Mato Grosso do Sul como um dos estados brasileiros que lideram as estatísticas de violência contra a mulher e também o cruel assassinato da pequena Sophia de Jesus Ocampo, de 2 anos, morta após ter sido violentada pelo padrasto com a suposta conivência da mãe e sob uma suposta negligência do poder público, que teria desprezado as denúncias de violência feitas pelo pai dela.
Videira ainda teve de lidar com o assassinato do empresário Antônio Caetano Carvalho, ocorrido dentro de uma repartição pública, o Procon. O crime foi praticado pelo policial militar da Reserva José Roberto de Souza, em fevereiro.
Neste mês, lida com as invasões de fazendas por indígenas e sem-terra e a escalada da tensão no campo. Quanto a isso, foi categórico: "Sempre que houver risco de morte, nós vamos intervir", afirmou.
A Polícia Militar foi acusada de ter prendido ilegalmente três indígenas durante uma invasão em Rio Brilhante, no início deste mês. Como será a atuação das forças de segurança nos conflitos agrários?
Um dos exemplos que eu dou sobre a atuação da PM é de um confronto que ocorreu em Caarapó, na década passada. Ali, eu e o comandante-geral fomos para o palco, e por quê?
A polícia existe para evitar confrontos e mortes. A presença da polícia, por exemplo, evita que um grupo armado queira fazer justiça ou expulsar o grupo que reivindica a área, e sem a polícia por lá vai ter confronto, vai ter morte.
É como ocorreu lá em Antônio João, também na década passada. Na época, eu era superintendente, um índio disparou uma arma e matou o irmão, e a polícia interveio para evitar uma tragédia maior.
Em Caarapó, estivemos na região da Fazenda Santa Maria, e vocês podem lembrar que três produtores acabaram presos [e assim permaneceram] porque expulsaram os indígenas por conta própria e acabaram matando um deles.
Por isso, sempre que houver risco de morte, nós vamos intervir. E sobre esse caso específico de Rio Brilhante, a área ainda é disputada por um grupo de acampados, o dono da terra é presidente [municipal] do PT. Mas lá é uma terra produtiva, que não preenche os requisitos da reforma agrária, inclusive, eles nem colheram a soja lá ainda.
Nossa inteligência levantou que, logo após a invasão pelos índios, um grupo pretendia ir lá e expulsar os índios por conta própria. Então a polícia foi lá, mandou os índios irem embora e prendeu os que estavam resistindo, inflamando.
Foram levados para a delegacia e autuados em flagrante. A juíza converteu a prisão em prisão preventiva e isso expressa que a prisão foi legal. Ela poderia ter relaxado o flagrante.
Depois, chegaram mais dois ou três ônibus e a terra foi ocupada novamente.
É possível que os policiais de Mato Grosso do Sul tenham câmera na farda?
Para mim, é muito tranquilo falar sobre isso, e por quê? Porque, na verdade, o Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública [Consesp], ainda no governo anterior, o ministro ainda era o Anderson Torres, havia designado para que nós nos manifestássemos.
Criamos um grupo de trabalho que deliberou que a solução seria mais ampla, até porque não é apenas a compra da câmera, é todo um sistema, desde o acionamento, a captura da imagem, o armazenamento.
Então, uma solução barata seria que a União lançasse uma ata de registro de preços, para que os estados fizessem a adesão. Como a União também terá de instalar câmeras nas fardas dos policiais federais e rodoviários federais, deliberamos com o governador Eduardo Riedel de optar pela mesma solução que atender a Polícia Rodoviária Federal, porque daí temos uma padronização, uma redução de custos.
Além disso, não é uma solução barata, e não queremos que esse recurso saia do Susp [Sistema Único de Segurança Pública] ou dos cofres do Estado. Queremos que a União, por exemplo, pegue os bilhões que tem em um fundo de direitos difusos e assim contemple todos os estados.
O tráfico de drogas existe nas fronteiras há algumas décadas, mas agora a violência escalou, com situações que remetem aos conflitos dos cartéis mexicanos. O que pode ser feito para melhorar?
Existem as seguintes situações: a droga é produzida além da nossa fronteira e o grande volume é para além das nossas divisas.
E aqui é o corredor. E as ações policiais que ocorrem aqui são uma das formas de descapitalizar as organizações criminosas. É por isso que morre gente aqui.
Em decorrência das apreensões, porque a maioria das pessoas que têm a missão de receber e dar o apoio para o transporte é daqui. Elas conhecem as vias, conhecem tudo.
Além disso, para ver como a disputa é complexa, há disputa por fornecedores entre as próprias quadrilhas. Quando um traficante já está descapitalizado, ele busca outro fornecedor para tentar se reerguer.
Então, a disputa não é apenas pela rota, mas também porque tem gente que está entrando em um mercado que está consolidado.
O tráfico na fronteira então ficou mais complexo?
A maioria das execuções ocorre do lado de lá, porque, se eles começam a matar pessoas com fuzil em Ponta Porã, a gente fecha a fronteira, e quando se fecha a fronteira, eles têm uma estimativa de prejuízo de R$ 8 milhões por dia. Porque não é só droga que sai de lá, há também o contrabando de cigarros, de agroquímicos.
Se hoje há mais pessoas perdendo drogas, vide as apreensões recordes, também temos mais criminosos endividados com as facções morrendo porque não pagou. Isso é uma grande corrente que tem seus reflexos.
E sobre o caso Sophia, o que houve de errado?
O serviço público não pode ser uma linha de montagem. Exige-se uma transversalidade de ações, porque muitas vezes essa criança não vai chegar à delegacia. Essa criança nem sabe que aquilo que estão fazendo com ela é crime. Então, é um papel muito importante do profissional de saúde, de educação, do posto de atendimento médico.
É lá que o profissional vai olhar e falar: "Espera aí, essa criança tem lesões que não são compatíveis com a versão da mãe, ou a versão da tia". Porque muitas vezes a mãe, o pai ou padrasto é quem está praticando o crime.
E omissão é crime, por isso a mãe ou aquele que tem a responsabilidade responderá pela omissão, e não somente pelo ato comissivo do pai. A questão é que a mãe, em muitos casos, tem uma dependência não só financeira, mas também psicológica do marido.
Desde o caso Sophia, muitas denúncias passaram a vir de profissionais de saúde que atendem crianças nos postos e até de professoras, que percebem um comportamento atípico em seus alunos.
E nós estamos fomentando cada vez mais as salas lilás, para ter um ambiente propício para essa vítima ser atendida e relatar o fato. Mas não é somente isso.
Nos últimos concursos, nomeamos médicos-legistas para todo o Estado, porque não adianta nada a Polícia Militar ir ao local, encontrar a mulher lesionada, conduzi-la até a Casa da Mulher Brasileira e o autor ser autuado em flagrante, a promotora representar contra ele e a Justiça decretar a prisão preventiva se a vítima não comparecer para fazer o exame de corpo de delito.
A materialização por meio do laudo fica prejudicada, beneficia o autor. E muitas vezes é esse autor que mantém a casa, o que dificulta a vítima de retornar para fazer o exame.
E sobre o alto índice de violência contra a mulher no Estado?
Os meios de comunicação e as campanhas estão incentivando as mulheres a denunciar os abusos. E em Mato Grosso do Sul temos feito políticas para incentivar as mulheres a denunciar.
Estamos incentivando o empoderamento e estamos fazendo muito essa aproximação nos conselhos comunitários de segurança e também nos conselhos comunitários de segurança indígena.
E sobre o atendimento da polícia às vítimas de abuso, é preciso uma capacitação?
Chegando à polícia, o que a gente precisa é não revitimizar a pessoa ou a criança. Por isso estamos fazendo uma recapacitação de oitivas especializadas. Já capacitamos 160 policiais e vamos capacitar mais 400 agora, duas turmas de 200.
Estamos melhorando a acolhida, e não é só na Capital, é em todo o Estado. Hoje, todas as delegacias da mulher já vinham atendendo crianças e adolescentes do sexo feminino, mas também passaremos a atender crianças do sexo masculino.
Depois que ficar pronto um ambiente na Depac Cepol [Delegacia de plantão das especializadas], a DPCA [Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente] terá um plantão de 24 horas e um núcleo do Instituto Médico Legal também.
Se esse pai [da pequena Sophia] tivesse pegado a criança na primeira vez [em que procurou a polícia] e já tivesse ali o exame médico, não precisaria ter de se deslocar para provar a agressão.
E se houver servidor culpado pela omissão neste caso, será punido?
Sim. Por quê? Porque você tem uma responsabilidade ética enquanto servidor público. Comunicar e acionar a polícia nesses casos.
O profissional da saúde, por exemplo, que está atendendo, que tem o primeiro contato com a criança, tem todos os dados dela e está com o pai e a mãe ali.
Tanto que depois do caso Sophia têm aumentado as denúncias feitas por profissionais de saúde e de educação, porque eles estão mais atentos. Também viram que a omissão pode gerar um caso como esse da Sophia.
Talvez, se nós tivéssemos tido uma atuação mais eficiente em todos os setores, nós poderíamos ter tido um destino diferente para ela.
E no caso do assassinato de um homem dentro do Procon, o que pode ser feito?
Em primeiro lugar, isso mostra que a preocupação estadual e federal com a criação dos Centros de Atenção Psicossocial é importante.
Temos hoje um grande número de pessoas com problemas psíquicos herdados de políticas falhas de trinta anos atrás, na época em que esse rapaz entrou. Ele já havia sido reformado.
Agora, sobre a segurança no Procon, cabe aos gestores dos órgãos gerar as demandas. Esse policial, os vizinhos o descreveram como uma pessoa mansa e pacata. Cometeu um crime bárbaro? Sim. A arma dele estava legal, não era arma da carga da PM.
Então, o que temos? Podemos dizer que um policial em cada órgão vai resolver? Talvez seja uma solução momentânea. Mas nunca veio para mim nenhum pedido de policiais para o Procon desde que eu estou aqui na Sejusp.
Crimes podem acontecer no posto de saúde, em outras repartições, e nós vamos colocar um policial para cuidar de cada um? Não, porque vai faltar policial para atender a população que está na rua. E o que os órgãos têm de fazer? Filtrar.
Saber quem são as pessoas que vão mediar, se em determinado dia é necessário reforço policial. Nós não vamos ficar oferecendo polícia porque, se formos fornecer para todas as pessoas que pedem, para todos os órgãos que pedem, tiraremos todos os policiais da rua.
Vários órgãos têm assessorias militares. E já está faltando. Todo mundo quer um policial para chamar de seu.
Houve corporativismo na busca pelo autor do crime, um policial?
Começaram as tratativas com quem? Com as pessoas mais próximas. A polícia mediou a apresentação daquela pessoa porque ela poderia, por exemplo, se suicidar. E a gente admitia isso. Ele, consciente do crime que cometeu, da desproporção, já sabia da besteira que havia feito.
Ele era um policial e, em um momento de fúria, em uma audiência, matou uma pessoa com a qual ele já vinha sofrendo esse estresse.
Não é um momento só a transação, era um problema que envolvia as duas partes desde a garantia de um motor. E por causa disso foi perdida a vida de uma pessoa que ajudava um monte de gente.
Por isso, nós admitimos a possibilidade de o autor matar, porque ele já tinha um histórico de problema psíquico. Um suicídio resolveria o problema? Traria a vida do outro? Não.
Todas as tratativas foram feitas desde o início com a família dele. E a família foi quem o localizou e o convenceu, então ele se apresentou e vai responder pelo crime. Não vai escapar do flagrante, como afirmaram, tanto que a prisão preventiva dele já estava decretada.
Perfil
Antônio Carlos Videira
Antônio Carlos Videira ingressou na área da segurança pública em 1990, quando foi aprovado em concurso de escrivão da Polícia. Depois de concluir o curso de Direito, em 1995, assumiu, em 2000, o cargo de delegado de Polícia Civil. É secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública desde 2017.




