Com uma crise de leitos quase permanente e sem secretário de Saúde há um mês, Campo Grande convive com Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) lotadas, com pacientes que esperam dias e até meses por uma vaga em hospitais que atendem via Sistema Único de Saúde (SUS).
Mesmo com um terço do orçamento do Município (R$ 2,1 bilhões de R$ 6,87 bilhões este ano e R$ 2,25 bilhões de R$ 6,97 bilhões previstos para 2026), a Saúde campo-grandense vem experimentando constantes colapsos em leitos hospitalares, seja adulto ou pediátrico, números que foram confirmados por hospitais ao Correio do Estado.
Pelo lado da administração pública, não há qualquer sinalização para melhorar este quadro de falta de leitos, muito menos um plano. Os membros do Comitê Gestor da Saúde, que fazem, às vezes, a função de secretário, ainda não entregaram nenhuma proposta neste sentido.
As UPAs lotadas são reflexo dos hospitais lotados. O Correio do Estado verificou ontem a situação das unidades que dá aos usuários da saúde pública o seguinte panorama: o Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Humap-UFMS) conta com nove leitos de Centro de Terapia Intensiva (CTI) adulto, nove leitos na Unidade Coronariana (UCO), nove leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica e seis leitos de UTI neonatal. Todos com 100% de ocupação; a Santa Casa informou que são disponibilizados 637 leitos para saúde pública, ou seja, SUS (609 entre UTI e enfermarias, 23 leitos de pronto-socorro e oito de C.O.), dos quais 80,87% estão ocupados. O hospital ainda complementa que, em média, o tempo de permanência de pacientes em leitos é de 7,28 dias.
Já o Hospital Adventista do Pênfigo (HAP) disse que conta com 20 leitos de UTI e 30 leitos clínicos contratualizados com a Prefeitura de Campo Grande e mais 10 leitos de UTI e 20 leitos clínicos com contrato vigente com o Estado, acordo este que vai até novembro. Novamente, todos se encontram ocupados.
A reportagem também entrou em contato com o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul para obter informações, mas, até o fechamento desta edição, não houve retorno.
No Sistema de Gestão de Saúde (SiGS), portal disponibilizado pela Prefeitura para verificação de leitos e tempo de espera em cada UPA e Centro Regional de Saúde (CRS), cinco unidades aparecem com leitos lotados, tanto para emergência quanto observação: UPA Vila Almeida, UPA Coronel Antonino, UPA Leblon, UPA Santa Mônica e UPA Moreninhas. Nas outras unidades, há pouquíssimas vagas em leitos, seja para emergência ou observação. Os dados são atualizados a cada duas horas no site.
O Correio do Estado entrou em contato com o Município pedindo esclarecimentos sobre a lotação dos leitos e o colapso que está por vir nas alas hospitalares. Porém, não houve resposta até a publicação da reportagem.
Regulação
Enquanto diversos problemas atingem a saúde da Capital, a regulação das vagas do SUS em Mato Grosso do Sul virou “cabo de guerra” entre o governo do Estado e a Prefeitura de Campo Grande.
Atualmente, existem duas centrais que decidem para onde vai cada paciente, uma controlada pelo Executivo estadual e outra pelo Município.
Inclusive, a saúde municipal tem sido alvo frequente do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) este ano, seja sobre o atendimento ou demora para conseguir leitos. E, por isso, muitos doentes precisam “acampar” em unidades de saúde para tentar conseguir uma vaga.
Drama dos pacientes
Dilfa Almeida, de 74 anos, deu entrada na UPA Leblon na manhã de segunda-feira, após um exame de endoscopia indicar que havia certa quantidade de sangue em suas vias respiratórias.
A senhora contou que no início do ano começou a ter episódios de tosse contínua com a saída de sangue, mas que depois passou, só que na última semana o problema retornou e foi então que foi realizado o exame.
O médico responsável pela endoscopia entregou um encaminhamento para internação urgente em hospital para investigação, por se tratar, segundo ele, de um caso grave.
Segundo familiares da paciente, que preferiram não se identificar, na unidade de saúde ela fez um exame de raios-x, onde foi possível perceber que o pulmão direito estava limpo, porém, o esquerdo estava mais escuro e havia uma massa.
“O médico que pediu o [exame de] raios-x explicou que é necessário fazer uma tomografia para saber exatamente o que seria essa massa, mas como na UPA não há esse tipo de exame, apenas em um hospital ela conseguiria ter esses cuidados. A vaga foi solicitada assim que ela chegou, mas ainda não houve retorno”, explica o familiar.
Ainda segundo parentes de Dilfa, na noite seguinte da internação, a idosa teve outro episódio de tosse com saída de bolas de sangue ainda maiores, o que eleva a preocupação dos familiares e, consequentemente, demonstra urgência na situação. Também, a situação da senhora esbarra no entrave de que a avaliação pedida é oncológica, o que também é um obstáculo na saúde de Campo Grande.
Como reportado pelo Correio do Estado em abril deste ano, pacientes de Mato Grosso do Sul podem esperar até 16 anos para conseguirem realizar a primeira consulta nesta especialidade, conforme levantamento foi feito publicado pelo governo do Estado em razão do programa MS Saúde.
Nesta quarta-feira, a família da paciente entrou com pedido para vaga pela Defensoria Pública.
Espera longa
Outro caso semelhante é o de Maria da Glória de Lima, de 85 anos, que está há quatro dias esperando por vaga após sofrer um infarto e vai para mais um dia sem resposta e aguardando internação, novamente na UPA Leblon.
“Aparece vaga, mas passam umas pessoas mais na frente dela. A gente entende que todo mundo precisa, né? Mas a gente também, ela tem 85 anos. Estamos aqui sem uma resposta, só fala que está esperando a vaga. A gente fica aqui esperando. É difícil”, disse Marilene Pádua, filha da idosa.
Chegou ao conhecimento da reportagem que outra idosa, de 71 anos, aguarda ainda mais tempo, desde o dia 1º deste mês, por vaga no hospital. Segundo consta no SiGS e como mencionado no decorrer desta matéria, a UPA do Jardim Leblon está com leitos lotados, inclusive com um extra em cada ala (observação e emergência).
O comitê
Rosana Leite de Melo, ex-secretária de saúde de Campo Grande, foi exonerada no dia 5 de setembro. No lugar, a Prefeitura instituiu um comitê para comandar a pasta, formado por seis pessoas: Ivoni Kanaan Nabhan Pelegrinelli; gestora de planejamento e execução estratégia, Catiana Sabadin Zamarrenho; a gestora jurídica Andréa Alves Ferreira Rocha; o gestor de finanças e orçamento, Isaac José de Araújo; o gestor administrativo Vanderlei Bispo de Oliveira; e o gestor de contratação André de Moura Brandão.
Mesmo com tempo previsto de seis meses de duração desse comitê e com ar de mistério, Adriane Lopes (PP) confirmou que já tem um nome em mente.
“Não, já está tudo decidido, eu já tenho o nome, a Câmara tem feito uma sugestão muito responsável, de pessoas muito técnicas, mas quando começamos o projeto de reestruturação, já tínhamos desenhado o começo, meio e fim. A partir do momento que a reestruturação estiver concluída, o comitê continua trabalhando em parceria com a secretária, ou o secretário, que for assumir”, disse a chefe do executivo Municipal de Campo Grande nesta segunda-feira.
De acordo com fontes apuradas pelo Correio do Estado, a questão de não ter um secretário específico para comandar a Pasta também atrasa as demandas e leva à demora para resolver os problemas, incluindo a superlotação de unidades de saúde e o deficit de leitos.


