Mais do que um registro jornalístico, “Apocalipse nos Trópicos” (2025) utiliza uma linguagem visual poderosa – alternando imagens de multidões, discursos político-sagrados e momentos íntimos –, construindo uma metáfora audiovisual do apocalipse como acesso ao poder.
A cineasta Petra Costa entrelaça passado e presente com um olhar poético que transcende o mero documentário. Em um Brasil marcado por grandes tensões entre fé e poder, o documentário surge como uma denúncia grave: a diretora mostra como o movimento evangélico – que na atualidade representa 30% da população – foi decisivo na ascensão de Jair Bolsonaro e questiona até onde essa influência pode ameaçar a democracia.
Quando uma democracia se torna vulnerável à manipulação religiosa, intensificando-se com discursos apocalípticos, privilégios institucionais e uma grande estratégia de poder utilizando o medo, a esperança e a fé, ela se consolida por meio de discursos proféticos e políticas voltadas às igrejas, que transformam a fé em identidade política, algo que mobiliza muito mais do que promessas econômicas ou sociais.
Lançado em 29 de agosto de 2024, fora de competição no 81º festival de Veneza, chegou nos cinemas brasileiros em 3 de julho deste e ao catálogo da Netflix no dia 14 de julho.
O documentário parte de uma investigação pessoal da própria diretora Petra sobre os impactos da fé evangélica na política nacional dos últimos d10 anos, com acesso a figuras importantes na política brasileira, como Luiz Inácio Lula da Silva, atual presidente da República, Silas Malafaia, influente televangelista ligado a Bolsonaro, e o próprio Jair Bolsonaro, ex-presidente da República.
O longa-metragem traz uma reflexão sobre a ideologia apocalíptica que circula no movimento evangélico e como tudo é instrumentalizado politicamente, trazendo uma perspectiva histórica que recua até a ditadura militar.
Diversos críticos do filme destacam certos pontos sobre o documentário, com diversos elogios, por lançar um alerta urgente sobre os riscos do uso político da fé e provocar reflexões fundamentais sobre como a religião foi transformada em uma ferramenta de poder por certos políticos, em que pastores e líderes religiosos não apenas pregam, mas indicam candidatos e orientam votos, moldando uma narrativa do que é certo e errado na política, e, dessa forma, criam um certo controle ideológico de quem segue a fé, que tende também a seguir a orientação política de seu líder religioso.
Petra Costa convida o espectador a pensar até onde a política pode se misturar com a religião sem comprometer a democracia. Não acusando a fé em si, mas questionando o uso da fé como moeda de poder, usando debates que deveriam ser baseados em ciência, direitos e pluralidade e que se tornaram pautados pela Bíblia e pelo que eles interpretam, a partir de uma leitura própria com intenções preconceituosas.
Em cenas que mesclam cultos pulsantes, arranha-céus do poder e momentos íntimos de oração, “Apocalipse nos Trópicos” nos transporta para um país em transe, onde fé e política se confundem.



