Para começo de conversa, é bom fazer a distinção: no preparo do cuscuz paulista, o ingrediente utilizado é o floco de milho mais grosso, de tamanho maior; o cuscuz nordestino é feito com uma farinha também flocada, porém mais fina; já o cuscuz marroquino, assunto da aventura do sabor desta edição do Correio B, é preparado com a sêmola (ou semolina) do trigo.
Utiliza-se, especificamente, a sêmola do chamado trigo durum, uma variação que garante uma espécie de sêmola nobre após o cereal ser moído. Ela é fonte, por exemplo, de proteína vegetal, carboidratos, Vitamina A, Vitamina B1 e de selênio, um mineral com propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e cardioprotetoras, que fortalece o sistema imunológico e ajuda na prevenção de esclerose múltipla, infarto, AVC e outros problemas de saúde.
Ao contrário das duas versões brasileiras, o cuscuz marroquino, embora também apresente sabor neutro, não precisa ser cozido. Basta cobrir a quantidade desejada de sêmola com água quente e deixar hidratando por uns cinco minutos. A hidratação também pode ser feita com caldo de legumes ou outros tipos de caldo, conforme a receita em mãos.
Além do fácil preparo, o prato marroquino casa bem com uma grande variedade de acompanhamentos, a exemplo de arroz, feijão, saladas, legumes, carnes, risoto e diversos tipos de molho. Ao mesmo tempo singular e versátil, como vários outros pratos da farta culinária árabe, esse tipo de cuscuz pode, justamente, ser preparado de formas bem diferentes, variando conforme os hábitos e o paladar de cada país ou região.
ORIGENS
Muitas vezes identificado com uma grafia um pouco diferente fora do Brasil (couscous), o termo original (kuskus) vem da língua berbere e está relacionado ao processo de arredondamento do grão do trigo durante a extração da farinha.
O cuscuz marroquino tem como ingrediente a sêmola de trigo durum, um tipo de trigo que, depois de moído, produz uma sêmola de alta qualidade. Os berberes foram os primeiros povos que habitaram a região de origem do cuscuz.
É uma iguaria típica do Magrebe, a parte ocidental do mundo árabe, na região noroeste do continente africano, envolvendo países como Mauritânia, Argélia e Tunísia, além do próprio Marrocos que lhe dá nome.
Os registros mais remotos sobre o seu preparo estão em uma obra do século 13, de autoria anônima, escrita durante o período do Califado Almóada. Esse califado (regime monárquico do mundo islâmico) tinha conquistado o norte da África e grande parte da Península Ibérica um século antes.
PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE
De tão presente no cotidiano desse pedaço da África, que também é considerado a porção inicial do Oriente Médio, a receita foi proclamada Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), no ano de 2020, após um pedido conjunto dos quatro países.
“O cuscuz é muito mais que um prato, é um momento, memórias, tradições, gestos que se transmitem de geração em geração”, diz o texto assinado pelas quatro nações que foi encaminhado com a inscrição do pleito para a Unesco.
CUSCUZ DA MAMÃE
Um outro argumento que seguiu com o pedido pode ser até prosaico, mas parece ter tido peso para reforçar a solicitação. Mesmo não tendo uma origem geográfica precisamente definida, talvez, inclusive, por fazer parte da dieta de populações nômades, o cuscuz serve de alimento desde a Idade Média, com registro de vários povos propalando uma máxima – “o melhor cuscuz é o da minha mãe” – que destaca o caráter de tradição geracional do prato e sua onipresença nos ambientes familiares, tanto em datas especiais quanto no cardápio diário.
A figura feminina tem um grande papel na tradição e na perpetuação do alimento como um bem cultural que segue vivo, aberto ao diálogo com o passado, o presente e o futuro. As mulheres não são somente quem, na maior parte dos casos, prepara o cuscuz, além de naturalmente consumi-lo. Elas também ajudam a passar, de geração a geração, os valores simbólicos das receitas, por transmissão oral, da observação direta e da imitação na hora de fazer.
GEOGRAFIAS E TRADIÇÕES
A ocorrência em diferentes geografias – ilhas, desertos e regiões montanhosas, por exemplo, de vários países – também aparece no pedido, já que a diversidade de receitas, todas podendo ser consideradas tradicionais, fez e faz do cuscuz “um verdadeiro espelho das sociedades onde é cozinhado”. Mesmo a moagem da sêmola e as outras etapas antes do preparo propriamente dito entraram no rol dos argumentos em prol do cuscuz.
Todo o processo é encarado como parte da tradição. “É também uma questão de destreza e gestos artesanais. Artesãos que fazem os utensílios do cuscuz, agricultores que produzem os cereais, moleiros que os transformam em semolina, comerciantes e, mais recentemente, proprietários de hotéis, envolve todo um tecido social”, diz a inscrição deferida pela Unesco.
“Essa inscrição conjunta de um patrimônio compartilhado ilustra até que ponto o patrimônio cultural imaterial pode ser um assunto sobre o qual os Estados se reúnem e cooperam (…) aproximando-os por meio das práticas e saberes que têm em comum”, aponta o deferimento.
UMA DE VÁRIAS
Como se vê, o cuscuz marroquino pode ser extremamente apropriado conforme diversas tradições, lugares e momentos. A sugestão de preparo de hoje, com camarão, alho-poró e damasco, é apenas uma das várias possibilidades de receita.
Assuma o seu protagonismo e, partindo da receita base, voe alto com o seu avental. Para as medidas indicadas, o rendimento do prato é de 1,5 kg. Agora ao trabalho e bom apetite.
Cuscuz Marroquino
Ingredientes
> 500 g de sêmola de trigo;
> 400 g de camarão;
> 300 g de alho-poró;
> 25 g de uva-passa preta;
> 100 g de amêndoa;
> 100 g de cebolinha;
> 150 g de damasco.
Modo de Preparo
Inicialmente, higienize os ingredientes conforme as recomendações e pique o alho-poró, a cebolinha e o damasco. Na sequência, corte as amêndoas em lâminas.
Em um recipiente, coloque a farinha e cubra com água quente para hidratar, de cinco a dez minutos.
Em uma panela, refogue o camarão e o alho-poró.
Em seguida, adicione a farinha já hidratada e os demais ingredientes. Misture. Para deixar no capricho, decore com cebolinha e damasco.




