Tudo o que ela mais queria era seguir carreira fazendo arte, sua paixão. Mas, desde cedo, a pressão familiar por um futuro mais seguro a fez escolher o Direito. Na época, Ana Graziela Hana Aysha tinha pouco mais de 20 anos. “Amo muito artes, fiz teatro na adolescência e só cursei Direito por causa da família. Quando terminei a faculdade, abracei algo ligado à arte, que na época foram as aulas de dança do ventre”, explica a hoje professora e dançarina de dança do ventre, 41 anos, que há cinco anos abriu seu próprio estúdio em Campo Grande.
O que torna essa trajetória uma história de superação depois de vários anos é o fato de Ana Aysha nunca ter se encaixado naquele biotipo que a sociedade espera de uma profissional da dança. “Por ser advogada, que remete a um perfil de seriedade, e gordinha, todo mundo olhava com maus olhos o fato de eu me dedicar com tanto afinco à dança do ventre. Tanto minha família como várias outras pessoas do meu convívio arranjavam mil e um argumentos para que eu largasse tudo aquilo”.
Mesmo trabalhando como advogada, Ana Aysha nunca desistiu do aprendizado artístico que escolheu, tornando-se professora de um grupo de crianças. “Me apaixonei por aqueles movimentos, por aquelas sensações. Montei a primeira turma de dança do ventre com crianças. Eu não tinha coragem de desistir, tinha que dar a elas a oportunidade que não me deram”.
Porém, o que mais incomodava a dançarina era o problema de autoestima, que a fez ficar por anos apenas ensinando, sem nunca ter pisado em um palco para dançar. “Aprendi a dançar com as melhores professoras de dança do ventre de MS – Anita Amizo, Suzana Leite, Nidal Abdul, entre outras –, mas nunca me apresentava, não chegava a pisar no palco, tinha bloqueio por tudo o que ouvi durante tanto tempo”.
Foram sete anos apenas como professora, formando dezenas de alunas, porém, sem a coragem de subir os degraus para o palco. “As crianças viraram adultas e eu precisava dar o exemplo a elas, você tem de cumprir o que prega. Fiz um trabalho dentro de mim, fui buscar terapia, apoio das minhas amigas de dança, precisava mudar”.
Foi em um evento promovido por Isa Yasmim e Anny Shansa que Ana Aysha, há uns 10 anos, decidiu apresentar um trabalho solo no palco. “Me senti conquistando o mundo. Eu só dançava de vestido, tinha muita vergonha e a barriga ficava sempre tampada”.
Há três anos, com a turma de alunas adultas crescendo, a dançarina iniciou um processo de emagrecimento. “Tinha vários projetos pessoais e achei que era a hora certa. Conquistei muitas coisas pelas minhas alunas, mas precisava ter meu próprio caminho. Meu biotipo sempre vai ser de uma mulher mais cheia, mas hoje eu me aceito como sou”.
Há um ano e meio, Ana Aysha largou a advocacia para se dedicar integralmente ao que ama fazer. E explica que a dança do ventre não foi feita apenas para mulher magra, novinha, branca, de corpo escultural. “Não temos de ter preconceito com isso. A dança está aí para fazer com que elas se empoderem, se transformem, a dança tem esse poder”.
E exemplifica citando os melhores resultados que Mato Grosso do Sul já obteve em um dos mais importantes festivais do gênero, o Mercado Persa Brasil. “Em 2018, me apresentei e fiquei com o quinto lugar geral, mesmo com 40 anos! No fim de semana retrasado, no mesmo festival, cinco bailarinas do Estado foram premiadas. Entre elas, minha aluna Cristiane Magalhães Chiquito, que ficou com a medalha de bronze na categoria solo amador rubi, para mulheres acima de 45 anos. É uma prova de que a dança é para todo mundo”.
O que se conhece por dança do ventre hoje em dia, no mundo ocidental, é a dança árabe (Oriente Médio e Norte da África) miscigenada e influenciada por várias outras culturas, compilada em seus movimentos mais populares, adicionada de um breve ocidentalismo (véus, meia-ponta), com belos vestidos coloridos, lantejoulas e franjas, e transformada em espetáculo. É a primeira dança feminina de que se tem registro.
NOITE DAS ARÁBIAS
Em Campo Grande, uma vez por mês, no Jack Music Hall, o palco é aberto para as dançarinas de dança do ventre que desejam se apresentar. A ideia é de Leticia Torales, professora de dança, que decidiu abrir espaço para as dezenas de amigas que fazem a dança do ventre. “Eu não ensino este estilo, mas tenho várias amigas que dançam e decidi apoiá-las”.
Amanhã, das 21h às 22h30min, um grupo de oito delas, incluindo Ana Aysha, se apresentará. Cada dançarina se apresenta em trabalho solo, com músicas que elas próprias selecionam. “São profissionais vindas dos mais diversos grupos de dança do ventre existentes em Campo Grande. Tem do grupo da Ana Aysha, da Isa Yasmin, da Nidal Abdul. Tem outras professoras que dão aula particular e também vêm”.
O ingresso custa R$ 15 e o bar localiza-se na Rua 15 de Novembro, 2.098.



