“Ele gosta muito de brincar, nadar, ir para o sítio e andar a cavalo, assistir desenhos. Estuda, faz aulas de taekwondo e inglês. Nos finais de semana, participa do Clube de Aventureiros, onde aprende sobre o amor a Jesus e o respeito ao próximo e também faz atividades como acampamentos.
Para o futuro, já pensou em ser médico, bombeiro e, agora, quer ser médico veterinário”, conta Andréia Strinta dos Santos Elias, mãe do pequeno Gabriel, de 8 anos.
Até aí, um relato do dia a dia comum de um garoto de sua idade. Nada de extraordinário, certo? Mas para aqueles conhecem um pouco mais da história de Gabriel Amadeu Strinta dos Santos Elias, de Céu Azul, no Paraná, município localizado a cerca de 800 quilômetros de Bauru, essa afirmação não poderia estar mais errada.
Gabriel e sua irmã gêmea Marina nasceram prematuros, com 32 semanas – ele com a Síndrome de Treacher Collins. Porém a família só veio a saber disso quase dois meses depois, quando chegou ao Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da USP em Bauru, um dos poucos centros no Brasil e no mundo especializados no tratamento desse tipo de síndrome rara.
“Foi uma gestação cercada de amor e cuidados. Durante os exames, nunca diagnosticaram nenhuma alteração no Gabriel. Assim que nasceram, foram para a UTI neonatal e após 20 dias a Marina recebeu alta. Mas os médicos não sabiam explicar o que acontecia com o Gabriel, que não conseguia respirar sozinho nem sugar. Os dias foram passando e, quando ele vomitou pelo nariz e pela boca, viram a fissura no palato (céu da boca)”, relata a mãe. “Foi aí que, com orientação de uma fonoaudióloga, procuramos a transferência do Gabriel para o Centrinho. Até então, este era um universo que não conhecíamos. Centrinho, fissura, palato… Era tudo novo e assustador. Mas estávamos dispostos a fazer de tudo pela vida do nosso pequeno.”
Gabriel nasceu no dia 20 de dezembro de 2008 e, em 7 de fevereiro de 2009, foi transferido de UTI móvel de Cascavel (PR), cidade onde estava internado, para Bauru, no HRAC.
“Ainda me lembro da entrada na UTI, eu só chorava. A equipe nos orientou e explicou sobre a síndrome. Então me senti acolhida e respeitada, senti que estávamos no lugar certo. Sentimos insegurança quanto ao futuro, mas, ao mesmo tempo, sentimos esperança, pois sabíamos qual era o problema do nosso filho e estávamos ali dispostos a lutar”, relembra Andréia.
No primeiro ano de vida, Gabriel enfrentou muitas dificuldades com relação à saúde. De acordo com a mãe, a dificuldade respiratória resultou na traqueostomia – no terceiro mês de vida – e a dificuldade de deglutição, na gastrostomia, após vários meses de tentativas e utilização de sonda nasogástrica.
“Passamos praticamente seis meses com o Gabriel hospitalizado no Centrinho. Foram várias idas e vindas para a UTI e, nesse período, aprendemos a cuidar dele e nos preparávamos para como seria em casa.”
ROTINA DE CIRURGIAS
Durante esses anos, Gabriel já realizou 21 cirurgias. “A cada etapa do tratamento, nosso filho evoluiu, melhorou a condição respiratória e também da deglutição”, comemora Andréia.
Em 2015, grandes vitórias para o pequeno, então com seis anos: as cirurgias para retirada da traqueostomia e da gastrostomia. “A traqueostomia salvou a vida dele. Aprendemos a cuidar com extremo zelo, seguindo as orientações do hospital. Mas foram anos difíceis. E hoje, sem ela, nos sentimos ‘livres para respirar’.”
“Somos gratos a Deus porque tivemos a oportunidade de chegar até o Centrinho. Por nosso filho ter acesso a esse tratamento excelente. Hoje, o Gabriel tem uma ótima saúde, se alimenta normalmente e tem a deficiência auditiva amenizada pelo uso do aparelho. Acreditamos que o nosso comprometimento, aliado ao tratamento correto efetuado por uma equipe como a do Centrinho e também por profissionais que nos atendem no Paraná – todos com muito amor, respeito e dedicação –, só faz melhorar ainda mais o desenvolvimento dele”, salienta Andréia.
NA TELA DO CINEMA
A Síndrome de Treacher Collins está em evidência mundialmente com o recente lançamento do filme "Extraordinário", em cartaz nos cinemas de todo o País e do exterior, com a atriz Julia Roberts no elenco.
No último mês de novembro, o HRAC recebeu o biólogo norte-americano Francis Smith, nascido com a síndrome e autor do prefácio da nova edição do livro que originou o filme.
A obra, de R. J. Palacio, conta a história de August Pullman, o Auggie, uma criança nascida com Síndrome de Treacher Collins que passou por diversas cirurgias e complicações médicas na infância. Educado em casa até os dez anos, pela primeira vez ele irá frequentar uma escola regular e precisará se esforçar para conseguir se encaixar em sua nova realidade.
Francis Smith é pós-doutorando da University of Colorado School of Dental Medicine, dos Estados Unidos, com especial interesse em anomalias craniofaciais. Ele realiza análises do genoma de tecidos embrionários e do formato da face utilizando técnicas especializadas.
Em Bauru, foi um dos palestrantes do 5º Simpósio Internacional de Fissuras Orofaciais e Anomalias Relacionadas, promovido pelo HRAC. Relatou suas experiências de vida com a Síndrome de Treacher Collins e apresentou suas pesquisas sobre as origens das anomalias craniofaciais em embriões. Também deu aula para alunos do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação do hospital.
“Nessa visita ao Centrinho, finalmente conheci novos colegas de pesquisa na área de anomalias craniofaciais (professoras Ivy Suedam e Inge Trindade), assim como colegas na área de cirurgia craniofacial, odontologia e outras especialidades. Gostei muito de auxiliar a professora Ivy em sua pesquisa na qual medimos as vias aéreas superiores de pacientes com Síndrome de Treacher Collins”, afirma Smith.
“A primeira vez que ouvi sobre o Centrinho foi de um colega da University of Dundee, na Escócia (professor Peter Mossey, membro do Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde-OMS para Anomalias Craniofaciais). Ele me falou sobre esse hospital único dedicado à pesquisa e reabilitação das anomalias craniofaciais e me encorajou a fazer uma visita”, revela.
A SÍNDROME
“A Síndrome de Treacher Collins é uma condição congênita rara, de causa genética, que acomete uma a cada 50 a 70 mil nascidos vivos. Caracteriza-se, principalmente, pelo comprometimento dos ossos da face. Os achados clínicos mais frequentemente observados são: mandíbula pequena ou com malformação e orelhas malformadas ou muitas vezes ausentes. Além disso, a maioria dos pacientes apresenta olhos inclinados devido às malformações no esqueleto ósseo e, outras vezes, fissuras palatinas estão associadas”, explica o médico Cristiano Tonello, chefe técnico da Seção de Cirurgia Craniofacial do HRAC e doutor em Clínica Cirúrgica pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
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