Leila Roque Diniz (1945-1972) e Glauce Eldé Ilgenfritz Corrêa de Araújo Rocha (1930-1971) viveram pouco, mas o bastante para deixar o nome na história do cinema e da cultura brasileira. Ou melhor, em pouco tempo de vida, legaram arte e pensamento que redefiniram estéticas, ensejaram movimentos e moldaram novas ideias, seja no campo da criação ou da vida social.
Reinventando, na esfera pública, a condição da mulher ao apontar caminhos para o empoderamento quando o contexto exigia bem mais que um post.
Dois ícones do cinema brasileiro – e do teatro e da televisão – que teimam em sustentar com suas trajetórias tão distintas quanto convergentes a estampa de revolucionárias, as duas atrizes, no set, no palco, na imprensa ou na lida com amores, caprichos e generais, imprimiram presenças singulares no ambiente cultural do País, ditando modas, renovando o ofício da interpretação e soltando o verbo.
Depois da campo-grandense Glauce Rocha e de Leila Diniz, nascida em Niterói (RJ), o Brasil nunca mais seria o mesmo e a passagem das atrizes pela cena da segunda metade do século 20 ainda centelha reconhecimento e inspiração que, se não à altura do poder de fogo da dupla, tampouco deixam o status quo e a preguiça aquietarem a memória no limbo do esquecimento.
E as faíscas reluzem no resgate das obras, dos passos e dos gestos e ideais das manas símbolo de uma utopia que parece se perpetuar como fonte de resistência a cada notícia ou decreto.
Livres, libertárias e comprometidas com a emancipação e o respeito ao indivíduo, a começar pelas mulheres, elas construíram trajetórias que inspiram e que vem se tornando, há alguns meses, o motor do Cine Mulheres, Glauces e Leilas***, um cineclube que nasce como projeto de extensão universitária da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), reunindo professores e estudantes dos cursos de psicologia, direito, audiovisual e jornalismo. A coordenação geral é da professora Jacy Curado.
A partir da esquerda, Eva Todor, Tônia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Bengell em protesto contra censura em 13 de fevereiro de 1968, no Rio de Janeiro - Foto / ReproduçãoFILMES DE ESTREIA
A primeira sessão do Cine Mulheres será realizada hoje, a partir das 18h30min, no Museu da Imagem e do Som (MIS). As duas produções a serem exibidas focam na atriz de Campo Grande, que, mal saindo da adolescência, já buscava os rudimentos de sua arte no Rio de Janeiro do início dos anos cinquenta: “Glauces – Estudo de Um Rosto” (2001, 30min), de Joel Pizzini; e “Jardim de Pedra – Vida e Morte de Glauce Rocha” (2024, 14mim), de Daphyne Schiffer Gonzaga.
CINEMA DE POESIA
A primeira exibição desta terça-feira, de extração intensamente poética, busca a essência da personagem Glauce por meio de um exercício formal em que arquivo, montagem e divagação delirante fazem das texturas, rimas, contrastes e sobretons de imagem e som a ponte para possíveis acessos sensoriais à intrigante presença da artista na tela, vazando sentidos que ampliam e enrobustecem a mesma busca por alguém que foge o enquadramento mais linear, como terá sido a própria trajetória e rememoração de quem o filme quer revelar.
FIO DE BUSCA
Glauce RochaA segunda exibição da noite opera na chave do documentário mais tradicional, mas faz o fio de busca da realizadora, na tentativa de jogar luzes sobre o paradeiro da memória da atriz do clássico “Terra em Transe” (1967), artifício de empatia e condução para o (des)caminho da coleta de dados, referências ou qualquer vestígio capaz de trazer à tona um parecer de potência da biografada. É assim, como um díptico de essência e referência, que os dois trabalhos tornam-se complementares na apresentação de quem é – foi e será – Glauce Rocha.
LEILA
Leila Diniz - Foto / ReproduçãoFamosa por dizer palavrões em tempos que até um sorriso feminino podia soar inadequado, mas também por seu talento e por estrelar filmes de sucesso, de público e de crítica, como “Todas as Mulheres do Mundo” (1966), de Domingos de Oliveira, Leila Diniz ganha destaque na segunda etapa do Cine Mulheres, que acontecerá no dia 29 de outubro, às 18h30min, também no MIS.
É quando será exibido o longa de ficção biográfica “Leila Diniz” (1987), de Luiz Carlos Lacerda.
Leila teve a carreira interrompida por um acidente aéreo fatal em 1972.
Após cada sessão, está previsto um debate para uma reflexão sobre o que as projeções possam despertar no público, as lições de cinema, política, vida e comportamento que as obras poderão suscitar.
“As homenageadas são grandes mulheres do cinema brasileiro com trajetórias incríveis de emancipação e de resistência no processo de redemocratização do País. Os legados dessas duas atrizes vão inspirar nosso projeto”, propõe o Cine Mulheres Glauces e Leilas***.
PROPOSTA
A principal relevância, segundo o projeto, é “criar um espaço para mulheres compartilharem suas vivências e experiências de vida”, por meio de uma “metodologia participativa” para “trazer e atribuir sentidos ao debate, seja pela experiência de vida, intelectual, política, social, etc”.
Ao todo serão projetados 12 filmes no período de 18 meses, perpassando relacionamentos afetivos, sexualidade, questão racial, desigualdade de gênero, trabalho precário, etarismo, solidão, solitude, solteirice, participação política e democracia.
“O Cine Mulheres busca um diálogo entre arte e psicologia para ampliar o olhar e a sensibilidade especialmente das mulheres sobre seus dilemas cotidianos, alinhado com os projetos que já promovemos no diálogo com o teatro, artes visuais, literatura e, agora, o cinema, buscando a promoção da saúde, o empoderamento e outros ganhos”, comenta a professora e psicóloga Jacy Curado, responsável pelos projetos Arte & Aids – Maratona de Teatro, Imagens da Violência (audiovisual e artes plásticas) e Círculo de Leitura entre Mulheres (literatura), entre outras iniciativas.
O filme da sequência de exibições também já está definido: “Flor do Deserto” (2009), de Sherry Hormann, com apresentação marcada para o dia 25 de novembro.

Neli Marlene Monteiro Tomari e Yosichico Tomari, que hoje comemoram bodas de ouro, 50 anos de casamento - Foto: Arquivo Pessoal
Donata Meirelles - Foto: Marcos Samerson


