Na mesa de bar, no estádio ou em casa, entre amigos e familiares, os assuntos preferidos dos homens costumam girar em torno de futebol, trabalho, finanças ou política. Quase nunca, sentimentos.
Diferentemente das mulheres, problemas emocionais, inseguranças e fragilidades seguem sendo tabu, tratados com desdém ou silenciados. Esse comportamento cultural afeta diretamente os cuidados com a saúde mental e, em casos mais graves, pode resultar em quadros de dependência química, alcoolismo ou transtornos psiquiátricos.
Para o psicólogo Leonardo Leite, essa diferença tem raízes culturais e sociais. “As mulheres, pela dupla ou tripla jornada e por situações como violência e discriminação, acabam mais expostas ao sofrimento psíquico, o que explica em parte a maior procura por ajuda. Mas isso não significa que os homens não sofram. A diferença é que eles são socializados para reprimir sentimentos e evitam falar sobre vulnerabilidades”, afirma Leite.
Esse silêncio é sustentado pela ideia de que buscar apoio psicológico é sinal de fraqueza. “Ainda existe o estigma de que o homem que procura terapia é fraco ou incapaz de resolver seus próprios problemas. Esse constrangimento faz com que muitos evitem compartilhar suas dores e tentem resolver sozinhos, o que só agrava o problema”, acrescenta o psicólogo, que atua como professor no curso de Psicologia da Estácio.
ESTATÍSTICAS
As consequências desse comportamento aparecem de forma dramática nos números. Segundo dados do Ministério da Saúde, o suicídio é quase quatro vezes mais frequente entre homens: 9,9 mortes autoprovocadas por 100 mil habitantes, contra 2,6 entre as mulheres. A faixa etária mais atingida vai dos 15 aos 29 anos, justamente o período em que surgem os primeiros sintomas de transtornos como depressão e ansiedade, somados às pressões do início da vida adulta.
O professor alerta que, além da resistência em buscar tratamento, muitos homens recorrem a válvulas de escape que só agravam a situação. O uso abusivo de álcool e drogas, por exemplo, é comum como forma de anestesiar sintomas de ansiedade ou tristeza. “Essas substâncias até oferecem alívio momentâneo, mas depois intensificam os sintomas e podem levar à dependência. É uma solução aparente que retroalimenta o problema”, explica Leite.
Outro fator é a escolha de métodos mais letais nas tentativas de suicídio, como enforcamento e armas de fogo, o que aumenta significativamente o número de mortes consumadas. A ingestão de álcool, presente em grande parte desses episódios, atua ainda como um desinibidor, favorecendo atos impulsivos.
RESISTÊNCIA
A resistência em procurar apoio psicológico também gera prejuízos em diferentes dimensões da vida. Muitas vezes, os sinais iniciais, como insônia, crises de irritabilidade ou isolamento, são ignorados até que o sofrimento já compromete relações familiares, desempenho profissional e qualidade de vida. “O que poderia ser resolvido com uma intervenção rápida e eficaz acaba se transformando em pedido de socorro tardio. E quando o homem procura ajuda, já é porque sua vida está bastante desestruturada”, observa o professor.
Esse atraso no cuidado faz com que o tratamento seja mais longo e complexo, além de ampliar o sofrimento individual e coletivo. A família, muitas vezes, também enfrenta dificuldades para identificar os sinais e oferecer apoio sem julgamentos.
ACOLHIMENTO
Apesar dos dados alarmantes, especialistas acreditam que é possível transformar essa realidade. Para Leonardo Leite, a principal aposta deve estar na educação e no incentivo a práticas preventivas desde cedo.
“Precisamos ensinar nossos filhos, sobrinhos e irmãos que falar sobre sentimentos é legítimo. Esse hábito precisa ser cultivado desde a infância para que as próximas gerações cresçam entendendo que pedir ajuda não é sinal de fraqueza, mas de coragem”, defende.
Além da educação, o professor reforça a importância do acolhimento no cotidiano. “Quando um pai, um tio ou um amigo dá sinais de sofrimento, o ideal não é julgar, mas escutar e oferecer apoio. Esse gesto simples pode salvar vidas”, completa.
DESAFIOS
A campanha do Setembro Amarelo, dedicada à prevenção do suicídio, encontra no público masculino um desafio central: romper barreiras culturais e desconstruir a ideia de que a masculinidade está atrelada à ausência de fragilidades.
Mais do que ampliar serviços de atendimento, a mudança passa por criar novos espaços de diálogo, em que homens possam falar sobre suas dores sem medo de serem ridicularizados. A transformação é lenta, mas urgente. Afinal, como lembram os especialistas, o silêncio pode custar vidas.
Em Campo Grande, as instituições de ensino superior – públicas e privadas – prestam atendimento psicológico gratuito, buscando promover a saúde mental. Na Estácio, por exemplo, o serviço-escola de psicologia (SEP), atende, neste semestre, pacientes encaminhados pela Secretaria Municipal de Saúde (Sesau).
Os Narcóticos Anônimos, organização mundial sem fins lucrativos, por meio de grupos como o Milagres Acontecem (Rua Rio Grande do Sul, nº 1.864, Centro) ou Laços que Nos Unem (Rua Roberto Spengler, nº 368, Jardim Monte Líbano), também atuam no auxílio para os casos de dependência química. Mais informações por telefone: 132 ou 0800 888 8282. Já o Alcoólicos Anônimos conta com 14 endereços na Capital, vários na região central. Mais informações pelo WhatsApp: (67) 99835-0260.

Neli Marlene Monteiro Tomari e Yosichico Tomari, que hoje comemoram bodas de ouro, 50 anos de casamento - Foto: Arquivo Pessoal
Donata Meirelles - Foto: Marcos Samerson


