Enquanto a sociedade discute políticas públicas, economia e tecnologia, um universo silencioso e de desenvolvimento frenético acontece dentro de nossas casas: a primeira infância das crianças. Este período, que vai da gestação aos seis anos de idade, é muito mais do que uma fase de cuidados básicos, é a janela de oportunidade mais crítica para construir os alicerces de um adulto saudável, emocionalmente equilibrado e cognitivamente preparado.
Estima-se que 90% das conexões cerebrais são estabelecidas e 1 milhão de novas conexões neurais (sinapses) são formadas a cada segundo nessa fase. Essas conexões formam a arquitetura cerebral básica, que será a base para a aprendizagem, os comportamentos e a saúde física e mental no futuro. Negligenciar essa fase é como construir uma casa com alicerces frágeis: mesmo com materiais caros no andar de cima, a estrutura sempre estará vulnerável.
PILARES
O desenvolvimento na primeira infância não se resume a aprender a andar e a falar. É um processo integrado que ocorre em cinco domínios principais.
1. Motor: envolve o controle do corpo, desde segurar a cabeça, rolar, sentar, engatinhar, andar e correr até a coordenação motora fina, para desenhar, recortar e escrever.
2. Cognitivo: refere-se à capacidade de pensar, raciocinar, resolver problemas, compreender o mundo e formar memórias.
3. Linguagem: é a habilidade de se comunicar, desde o balbucio e as primeiras palavras até a formação de frases complexas e a compreensão da linguagem oral e, posteriormente, escrita.
4. Socioafetivo: envolve a capacidade de formar vínculos, reconhecer e regular emoções, desenvolver empatia e interagir com outras pessoas.
5. Sensorial: a forma como a criança explora e interpreta o mundo por meio dos sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato).
Cada um desses pilares está interligado, e o estímulo em uma área influencia positivamente as outras.
Nesse contexto, a figura do cuidador – sejam os pais, avós, tios ou educadores – é primordial. Eles são os “arquitetos cerebrais” da criança. Não se trata de uma missão que exige recursos financeiros abundantes, mas sim de presença, atenção intencional e muito afeto.
COMO ATUAR
Incorporar estímulos adequados na rotina é mais simples do que parece. Pequenas ações fazem uma diferença colossal. Confira sugestões, divididas por área.
Linguagem e cognição
Narre o mundo: desde bebê, descreva o que você está fazendo. “Agora vou pegar a colher vermelha para te dar a papinha”. Isso amplia o vocabulário e associa palavras a ações e objetos
Leia: a leitura em voz alta é um superpoder. Comece com livros de pano e borracha, evolua para livros de imagens e, depois, para histórias curtas. Aponte para as figuras, faça vozes diferentes, crie um ritual aconchegante.
Cante e brinque com rimas: músicas infantis e parlendas (“O rato roeu a roupa do rei de Roma”) desenvolvem a consciência fonológica, habilidade fundamental para a alfabetização.
Converse: ouça com genuíno interesse as tentativas de comunicação da criança e responda, mesmo que ela ainda só balbucie. Faça perguntas abertas e dê tempo para ela elaborar a resposta.
Brincadeiras de classificação: agrupar brinquedos por cor, tamanho ou tipo estimula o pensamento lógico.
Desenvolvimento motor e sensorial
Tummy time (barriguinha para baixo): desde os primeiros meses, sob supervisão, coloque o bebê de bruços por curtos períodos, para fortalecer a musculatura do pescoço, costas e ombros, essencial para engatinhar e sentar.
Permita o “brincar livre”: crie um ambiente seguro para que a criança explore, suba, role, pule e caia. O risco calculado é necessário para desenvolver noção espacial, equilíbrio e confiança corporal.
Ofereça materiais diversos: não apenas brinquedos plásticos. Deixe a criança manipular texturas diferentes: massinha caseira, tinta guache, gelatina, areia, grãos (feijão, milho), sempre com supervisão. Pintar com os dedos é uma festa sensorial.
Incentive a autonomia: deixe que tente comer sozinha (mesmo que faça bagunça), calçar os sapatos e guardar os brinquedos. Isso desenvolve a motricidade fina e a independência.
Brincadeiras ao ar livre: correr na grama, subir em árvores (com segurança) e pular poças d’água são experiências sensoriais ricas e fundamentais.
Fortalecimento socioafetivo
Valide as emoções: nunca minimize um sentimento. Frases como “não foi nada” ou “não precisa chorar por isso” invalidam a experiência da criança. Em vez disso, nomeie a emoção: “Vejo que você está muito bravo porque precisamos ir embora” ou “você ficou triste porque o brinquedo quebrou, não foi?”
Estabeleça rotinas previsíveis: crianças se sentem seguras quando sabem o que vai acontecer. Rotinas para a hora de comer, brincar, tomar banho e dormir trazem uma sensação de ordem e controle.
Brincadeiras de faz de conta: quando você entra no mundo do “faz de conta” com seu filho, está ajudando-o a desenvolver empatia, criatividade e a resolver conflitos simbólicos. Deixe-o liderar a brincadeira.
Esteja presente: dedique momentos de qualidade sem distrações. Desligue a TV, guarde o celular e simplesmente esteja ali, interagindo. Dez minutos de conexão plena valem mais que duas horas no mesmo ambiente com a atenção dividida.
Ensine a esperar: a tolerância à frustração é aprendida. Não atenda a todos os desejos imediatamente. Explique com calma: “Eu sei que você quer o brinquedo agora, mas primeiro vamos terminar de almoçar”.
Saúde física
Amamentação: o leite materno é o alimento mais completo, oferecendo nutrientes e anticorpos essenciais.
Vacinação: proteja a criança de doenças graves que podem deixar sequelas no desenvolvimento.
Sono de qualidade: uma boa rotina de sono é reparadora para o cérebro e para o corpo. Crie um ambiente calmo e escuro para a hora de dormir.
Alimentação saudável: ofereça uma variedade de frutas, legumes e proteínas. Evite ao máximo alimentos ultraprocessados, ricos em açúcar e sódio. Envolva a criança no preparo das refeições.
Consulta regular ao pediatra: não apenas em casos de doença. O acompanhamento do crescimento e desenvolvimento é vital.



