Depois de seis portões se chega até a sala que, em meio a tantas grades, se torna a liberdade dentro do Instituto Penal de Campo Grande. Nela, menos de 10 internos trabalham com as mãos e a mente para ocupar o tempo com algo produtivo, enquanto a pena ou a medida judicial ainda correm. Nos dedos, estão talentos até então não descobertos ou inexplorados que, como ferramentas, funcionam para aproximar corações que a distância e o “status” de presidiário não permitem estarem juntos.
Oséias não viu o filho nascer nem tampouco sabe o dia que ele veio ao mundo. Preso há três meses em Campo Grande, o rondoniano “caiu” por tráfico de drogas em Chapadão do Sul, quando vinha de Cuiabá, em Mato Grosso. Pelas contas que ele fez, a criança deve ter nascido entre semana passada ou retrasada.
“Eu penso no meu filho, eu não o vi, não ouvi o choro dele”, diz baixinho Oséias de Souza Carvalho, 29 anos.
Do bebê, ele só sabe o nome, que havia sido escolhido antes de sua prisão, Henrique Gabriel.
Formado em Administração, como ele se apresenta, Oséias tem no rosto a tatuagem de uma ferramenta que entrega a profissão exercida antes das grades, “mecânico customizador”, mas ali dentro, ele corrige: “Sou só pintor”, exibindo o ofício. Por não ter familiares aqui nem visitas que foi recomendado a ele que participasse da arteterapia.
“Eu gosto de pintar, porque sai um pouco dessa grade, lembro da minha família, e também porque cria laços ajudando outros presos. Me sinto um pouco fora das grades, me liberto”, descreve.
ARTERAPIA
Oséias faz parte dos internos do projeto Um Olhar além das Grades, que, desde julho do ano passado, dá enfoque artístico ao que até então era só uma terapia de grupo. Idealizado pela psicóloga Rozimeire Zeferino da Silva e pela diretora do Módulo de Saúde, Angélica Rosa de Almeida. Sem perceber, os internos vão colocando por meio da pintura, desenho, origami, escultura ou confecção de terços sentimentos como angústia e frustrações para fora, bem como a expectativa que têm da vida depois das grades.
TALENTOS DENTRO E FORA
Marcelo se destaca dos demais pela desinibição e também pelo talento. Ele já era um artista nascido antes de cometer o crime de homicídio e começar a cumprir a pena em 2009. Na contagem regressiva para atingir a condicional, ele também foi um caso de recomendação de psicoterapia pelo convívio que a arte traz.
Na parede, um dos trabalhos mais benfeitos. A deusa da Justiça, que ainda não foi finalizada. “É um desenho feito só no lápis mesmo. Esse tipo de trabalho leva um tempo, porque a gente tenta ser o mais real possível nos traços”, explica Marcelo de Oliveira, 30 anos. O trabalho é uma encomenda feita por um juiz.
“Eu desenho desde os 7 anos de idade e, na última quebra minha, eu sabia que iria voltar, então fui fazer um curso de realismo”, conta. O que trouxe a ele mais uma atividade: esculturas feitas de argila e sabão.
“Se você não tem algo a fazer na instituição, não é que você surta, mas é mais fácil para sair de uma cela com 50, 60 pessoas. Aí você pode sair para um lugar todo dia e ter um pouco de liberdade, desde que haja respeito”.


