Com um dos maiores crescimentos econômicos do País previstos para este ano, Mato Grosso do Sul enfrenta um paradoxo: sobram vagas e faltam profissionais preparados. Para o especialista em Gestão de Pessoas e Recrutamento Executivo Carlos Ornellas, sócio da consultoria Exec, o Estado precisa acelerar a formação de talentos locais e aprimorar sua atratividade para reter lideranças em regiões fora dos grandes centros.
Nesta entrevista ao Correio do Estado, Ornellas analisa os impactos da expansão agroindustrial sobre o mercado de trabalho, aponta os setores mais atingidos pela escassez de profissionais e alerta para os entraves enfrentados pelas empresas familiares e as cidades do interior.
Segundo ele, mesmo com o avanço de fábricas de celulose, usinas de etanol e frigoríficos, o crescimento acelerado de MS tem superado a capacidade local de formação técnica e de atração de profissionais qualificados, criando um descompasso que ameaça a sustentabilidade do atual ciclo de desenvolvimento.
Confira a entrevista a seguir.
O que impulsiona o crescimento de Mato Grosso do Sul neste ano? Quais setores enfrentam maior falta de mão de obra?
Com um dos crescimentos econômicos mais expressivos do País projetado para 2025, Mato Grosso do Sul vive um paradoxo estratégico: enquanto é um dos líderes na geração de empregos formais, enfrenta gargalos cada vez mais críticos em qualificação profissional, mobilidade de executivos e sucessão nas empresas familiares.
Segundo levantamento da equipe econômica do Banco do Brasil, divulgado na Resenha Regional, Mato Grosso do Sul deve registrar o terceiro maior crescimento econômico do Brasil neste ano, com projeção de alta de 5,3% no Produto Interno Bruto [PIB]. Desempenho mais que o dobro acima da média nacional, estimada em 2,5%. O Estado fica atrás apenas de Mato Grosso, com 6,7%, e Rondônia, com 5,5%.
Esse avanço é impulsionado por três grandes pilares: a força do agronegócio, a consolidação da agroindustrialização e os investimentos contínuos em infraestrutura logística. A diversificação da matriz agrícola e produtiva – com fábricas de celulose, plantas de etanol de milho e cana-de-açúcar, frigoríficos, usinas de biodiesel e investimentos crescentes em citricultura, entre outros – tem sustentado um ciclo virtuoso de desenvolvimento econômico e social.
Contudo, à medida que a economia acelera, a lacuna de profissionais qualificados se amplia. Praticamente todos os setores enfrentam dificuldades – desde o setor primário, com a agricultura e a pecuária, passando pelo setor secundário, com a agroindústria e a construção civil, até o setor terciário, com o varejo, a saúde, o transporte e a logística.
A escassez de mão de obra especializada é ainda mais crítica nas regiões do interior do Estado. A velocidade da expansão econômica superou a capacidade local de formação técnica, provocando um descompasso estrutural entre a oferta e a demanda por talentos.
A agroindustrialização do Estado é um dos destaques do crescimento. Qual o maior desafio de capital humano nesse processo?
Considerando o setor agroindustrial, o maior desafio está em formar e reter profissionais com competências técnicas e operacionais específicas para plantas industriais de alta complexidade. A transição do campo para a indústria exige capacitação em processos automatizados, domínio de tecnologias industriais e práticas de gestão da cadeia produtiva, conhecimentos que nem sempre estão disponíveis nas regiões onde essas unidades se instalam.
Além disso, a atração de lideranças qualificadas, com perfil técnico e capacidade de gestão, para localidades remotas tem se mostrado uma barreira crítica para o pleno aproveitamento do potencial agroindustrial do Estado. O desafio é duplo: desenvolver talentos localmente e atrair profissionais de fora com velocidade e escala compatíveis ao ritmo acelerado de crescimento.
Quais áreas estão enfrentando maior escassez de mão de obra qualificada?
As carências são generalizadas e impactam praticamente todos os setores produtivos do Estado. O setor florestal, impulsionado pela expansão da silvicultura e do processamento de celulose, ganhou relevância nos últimos anos com os investimentos realizados e ainda em curso no chamado Vale da Celulose, liderados por empresas como Suzano, Arauco, Eldorado e Bracell. No entanto, a escassez de mão de obra qualificada também atinge outros segmentos estratégicos, como frigoríficos, usinas de etanol de cana e milho, produção de grãos, bioenergia, construção civil, varejo, serviços, logística e transporte.
De acordo com a Fundação do Trabalho de Mato Grosso do Sul [Funtrab], o Estado encerrou 2024 com 24.280 vagas de trabalho não preenchidas, sendo a indústria o setor mais impactado, com um deficit de 5.858 postos. Embora os dados de 2025 ainda não tenham sido divulgados, a tendência é de agravamento do cenário, diante da continuidade do crescimento econômico.
Essa escassez de profissionais revela, por um lado, a ausência de centros formadores regionais com escala e aderência às necessidades setoriais e, por outro, a baixa atratividade das regiões do interior para profissionais de outras partes do País, especialmente aqueles com maior qualificação técnica ou perfil de liderança.
A dificuldade de atrair executivos de fora ainda é uma realidade em MS?
Sim, especialmente para posições em cidades do interior, distantes dos grandes centros urbanos. Executivos consideram variáveis como qualidade de vida, acesso à educação para os filhos, infraestrutura de saúde e oportunidades para cônjuges. A ausência de um ecossistema urbano atrativo dificulta a mobilidade executiva.
O que pode ser feito para reduzir a alta rotatividade desses profissionais no Estado?
Reduzir a rotatividade exige uma estratégia integrada de onboarding, desenvolvimento contínuo e qualidade de vida local. Empresas que oferecem programas de integração familiar, apoio à mobilidade, trilhas de carreira claras e benefícios compatíveis com o padrão de grandes centros têm conseguido manter talentos por mais tempo.
Além disso, fortalecer vínculos com a comunidade local e investir na liderança regional também são fatores que ajudam a reduzir a evasão.
Acredita que os benefícios sociais resultam, de alguma forma, na escassez de mão de obra?
Um estudo divulgado em 2024 pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas [FGV Ibre] apontou que a ampliação dos benefícios do Bolsa Família nos últimos anos tem contribuído para a redução da busca por emprego entre grupos mais vulneráveis da população, como mulheres, jovens e trabalhadores com menor escolaridade.
A pesquisa, conduzida por Daniel Duque, mestre em Ciências Econômicas pela UFRJ e pesquisador da área de Mercado de Trabalho no FGV Ibre, analisou os efeitos do programa sobre a taxa de participação laboral no Brasil, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [Pnad Contínua], do IBGE.
O estudo propõe uma abordagem metodológica que busca mensurar de forma causal os impactos da expansão das transferências de renda sobre a força de trabalho, considerando diferentes regiões e contextos socioeconômicos do País. Segundo Duque, diferentemente de análises anteriores, a investigação utiliza uma estratégia de identificação mais robusta para avaliar os efeitos diretos do benefício na decisão de buscar ocupação.
Foram analisados dados dos anos de 2019, 2022 e 2023. Em 2019, antes da pandemia, o cruzamento das informações indicava que o recebimento do auxílio não interferia significativamente na decisão de participar do mercado de trabalho. No entanto, em anos mais recentes, com o aumento expressivo no valor médio do benefício, que praticamente triplicou em relação ao patamar pré-pandemia, observou-se um efeito direto e relevante na queda da participação laboral.
Como tornar Mato Grosso do Sul mais atrativo para quem vem de grandes centros urbanos?
É fundamental criar uma narrativa positiva sobre qualidade de vida, segurança e oportunidade de crescimento profissional. Além disso, políticas públicas e parcerias público-privadas que ampliem o acesso à educação de qualidade, saúde, lazer e cultura ajudam a criar um ambiente mais receptivo.
Empresas também têm papel central: programas de acolhimento, pacotes de realocação, flexibilidade híbrida e trilhas de desenvolvimento aumentam a atratividade para talentos de fora.
O interior de Mato Grosso do Sul é um desafio à parte?
Sem dúvida, o interior concentra grande parte dos investimentos agroindustriais, mas ainda enfrenta entraves estruturais significativos. A deficiência em infraestrutura básica, como rodovias em boas condições e aeroportos funcionais, somada à oferta limitada de serviços essenciais, como educação e saúde, e à escassez de opções de lazer e habitação de qualidade, dificulta a fixação de profissionais qualificados, principalmente provenientes de grandes centros, nessas regiões.
Como consequência, a escassez de talentos se intensifica, pressionando os salários, elevando os índices de rotatividade e comprometendo a estabilidade operacional das empresas.
O que falta ao ensino local para atender o agro?
É fundamental fortalecer a integração entre as demandas do agronegócio e a grade curricular dos cursos técnicos e universitários. Para isso, é necessário intensificar programas de qualificação profissional como os oferecidos pelo Estado, como o MS Qualifica, além de ampliar a capilaridade e o alcance de iniciativas conduzidas por instituições como o Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS) e o sistema S, que desempenham papel estratégico na formação técnica.
A articulação entre escolas técnicas, universidades e empresas do setor pode acelerar o alinhamento entre a formação educacional e as necessidades reais do campo. Essa sinergia é essencial para desenvolver uma nova geração de profissionais preparados para os desafios do agro 4.0, capazes de aliar conhecimento técnico, inovação e uso de tecnologias emergentes no campo.
Perfil
Carlos Ornellas
Graduado em Engenharia Química pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), tem MBA em Gestão Estratégica de Pessoas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e MBA em Liderança Estratégica de Negócios pela Ohio University, além de mais de 13 anos de experiência em executive search. Participou do início das operações do escritório da Hays, em Campinas, tornando-se posteriormente o head da operação. De 2020 a 2023, atuou como diretor da Hays Executive. Atualmente, é sócio da Exec, consultoria especializada em recrutamento e desenvolvimento de altos executivos e conselheiros.




