Com 120 mil empresas inadimplentes em MS, juros altos e restrição ao crédito ampliam fragilidade financeira e risco de fechamento
Com a quantidade de empresários endividados em crescimento, especialistas avaliam o cenário como um momento crítico. Dados do Serasa Experian apontam que a inadimplência entre as empresas atingiu novo recorde em 2025, contabilizando auge de 8,4 milhões de CNPJs inadimplentes em todo o País e quase 120 mil em Mato Grosso do Sul, maior da série histórica.
“Esse quadro é justamente o reflexo do modus operandi das empresas brasileiras, sobretudo as pequenas, e o que nós vemos é um quadro como esse, de uma inadimplência em taxas alarmantes”, avalia o economista Eduardo Matos.
Ainda de acordo com os dados do Serasa Experian, a região Centro-Oeste foi uma das que registrou menor volume de companhias no vermelho, com 729 mil empresas negativadas.
Em números absolutos, são os estados do Sudeste que concentram maior volume de CNPJs no vermelho, com mais de 4,5 milhões. Ainda sim, só em Mato Grosso do Sul é possível observar o aumento gradativo ao longo do ano.
Em janeiro de 2025, as empresas inadimplentes somavam 89,4 mil, enquanto em outubro o salto foi para 119,8 mil.
“Não há uma organização financeira. A cultura empresarial, em muitos casos, principalmente nas menores empresas, é puramente de subsistência, então não há um preparo, não há também a busca e o apoio adequado a essas pequenas instituições. Logicamente para os credores isso é bastante problemático”, analisa Matos.
Para o economista, existem ressalvas a serem levadas em consideração, no que se refere aos impactos diretos em vagas de emprego, por exemplo.
“Muitas dessas empresas inadimplentes já não se encontram mais em operação. Muitos empresários criam dívidas, encerram o CNPJ, ou simplesmente largam lá e empreendem sob um outro CPF, o que é infelizmente algo muito comum, a utilização popular do laranja. Ou eles ainda buscam outra forma de subsistência, outra forma de empreender, até mesmo partindo para a informalidade”, elenca.
Marcos Pelozato, advogado, contador, conselheiro e especialista em Reestruturação Empresarial, opina que o problema se agrava porque a maior parte dos empresários ignora sinais de colapso.
“O empresário brasileiro costuma buscar ajuda somente quando a situação já fugiu do controle. Quando o caixa trava, o fornecedor fecha a torneira e a dívida explode, as alternativas ficam muito mais restritas”, afirma.
A deterioração financeira pode ter origem em fatores combinados, como queda de faturamento, juros elevados, retração no crédito e falta de gestão especializada.
Nesse contexto, Pelozato ressalta que a cultura de reação tardia potencializa a mortalidade de negócios, especialmente entre micro e pequenas empresas, público que mais sofre com oscilações de receita e com o acúmulo rápido de passivos. Em sua análise, essa deterioração acende um alerta nacional.
“Se mais de 7,6 milhões de empresas estão em risco e você faz parte desse grupo, esperar não é uma opção. A omissão é uma escolha pelo fechamento”, expressa.
O especialista ainda reforça que a situação de inadimplência generalizada já começa a produzir efeitos sistêmicos no funcionamento das empresas.
Com o aumento da restrição ao crédito e o avanço das dívidas vencidas, companhias de menor porte têm perdido capacidade de honrar compromissos, renegociar com fornecedores e manter estoques básicos.
SOLUÇÕES
Pelozato aponta que restam, na prática, dois caminhos para as empresas financeiramente travadas: aderir a um processo profundo de reestruturação, como o conselho de crise, ou ingressar com pedido de recuperação judicial. Ambos exigem diagnóstico estruturado, reorganização do passivo e ação imediata.
“A recuperação judicial não é uma confissão de fracasso. É uma ferramenta legal que protege empresas viáveis”, explica.
Ele também defende uma atuação mais preventiva por parte de profissionais de contabilidade e do direito, que muitas vezes só são acionados em momentos de colapso.
“Falta conhecimento técnico entre empresários e até entre profissionais que deveriam orientar esses negócios. Sem essa preparação, muitas empresas acabam fechando sem sequer considerar alternativas legais de reorganização”, acrescenta.
Ainda na opinião de Pelozato, o tempo é um fator decisivo em todo processo. Empresas em situação crítica precisam agir em questão de semanas, não meses.
“A cada mês de atraso, a dívida cresce, o caixa diminui e as chances de recuperação despencam. Reorganizar o passivo, renegociar dívidas e comprovar a viabilidade econômica são etapas que precisam ser iniciadas imediatamente”, conclui.
Na avaliação de Matos, o alívio desses índices só é possível com uma taxa de juros mais barata e o objetivo precisa ser a estabilidade econômica.
“Nós temos um custo financeiro muito alto, principalmente um custo de juros muito alto. Então é claro que, no momento em que o empresário adquire uma dívida, ele tem ciência da taxa de juros que vai ser paga, mas isso é um problema, porque o capital de giro em muitas empresas, em muitos setores, é um problema real. O custo financeiro, o custo do capital, ele precisa ser barateado”, enumera.
“Isso só vem com uma estabilidade econômica, uma economia instável gera um custo financeiro muito alto, um custo de crédito muito alto”, complementa.
Além da política monetária, Matos destaca a importância de preparo e apoio institucional aos pequenos negócios.
“Principalmente ao que o Sebrae já desenvolve, o governo do estado de Mato Grosso do Sul desenvolve, outras entidades desenvolvem, o próprio Senac tem iniciativas importantes, justamente para contornar problemas como esse e evitar problemas”, sugere.
Na mesma linha, o economista Renato Gomes avalia que a diminuição da taxa Selic e a redução dos impostos que incidem sobre a produção e o consumo seriam medidas centrais para aliviar o endividamento empresarial.
“A diminuição da taxa Selic e a diminuição dos impostos que incidem sobre a produção e o consumo seriam as duas principais medidas que poderiam contribuir para que as empresas brasileiras superassem esse fardo que carregam, e que hoje está representado no endividamento empresarial excessivo”, afirma.
“Além disso, programas generalizados de parcelamentos de dívidas tributárias, porém com perdão das multas e dos juros. Alguns dos impactos seriam: maior disposição a investir, mais capacidade de assumir compromissos, mais confiança dos empresários em colocar projetos de pé”, finaliza.
CONSUMIDORES
O endividamento do consumidor sul-mato-grossense também atingiu o nível mais alto da série histórica e já compromete mais da metade da população adulta.
Segundo os dados de outubro, o Estado soma 1.234.934 moradores com o nome negativado, o equivalente a 57,2% da população. Somados, eles acumulam 5,42 milhões de dívidas, que totalizam R$ 9,23 bilhões.
As dívidas com bancos e cartões de crédito são as principais responsáveis pela inadimplência, concentrando 29,6% do total. Em seguida vêm as financeiras (18,3%), o varejo (10,9%) e as contas básicas de serviços como energia e telefonia (12,8%).
Os dados mostram que a inadimplência em Mato Grosso do Sul é estrutural e crescente, mesmo com o avanço de modalidades de crédito mais acessíveis, como o consignado CLT e o saque-aniversário do FGTS, que têm funcionado como alívio imediato, mas ampliado o risco de endividamento permanente.
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