Foram constatados pelos técnicos em regulação da autarquia que, em alguns trechos, 94,5% dos dormentes estão estragados
Enquanto o processo de análise da relicitação do contrato de concessão da Rumo Malha Oeste está parado há mais de um ano, a empresa abandonou a linha férrea em 2024. Essa é a constatação de uma inspeção técnica realizada em junho do ano passado no trecho de 436 km entre Campo Grande e Três Lagoas pela Agência Nacional de Transportes (ANTT) – e que resultou em uma multa de R$ 2,1 milhões.
Foi observado pelos técnicos em regulação da autarquia que, em certos trechos, 94,5% dos dormentes estão estragados, isso porque a concessionária deixou de fazer “investimentos necessários à manutenção dos bens da concessão”.
“A RMO [Rumo Malha Oeste] informa que não foram realizados e que não há programação para serviços de manutenção de infraestrutura. Sendo assim, como era de se esperar, a situação da via permanente se deteriorou muito desde a última inspeção. Observou-se muitos trechos em que os dormentes apresentavam malha de 18, isso é, uma taxa de dormentação inservível de 94,5%, mesmo em curvas”, aponta o documento.
O relatório da inspeção afirma que a empresa não acatou determinações da ANTT para que tais investimentos fossem feitos.
“Cabe ressaltar a grande quantidade de malhas acima de 10 dormentes inservíveis em sequência, a qual, de acordo com a prospecção, são 247 equipamentos nessas condições (17,2% do total). Foi aplicado, em 2023, no trecho entre Três Lagoas e Indubrasil, um total de 15.428 dormentes, e para 2024 a previsão era de aplicação de 7.200 dormentes – até abril do ano passado, foram aplicados 1.955 dormentes. Esses quantitativos são insuficientes, em face do grande porcentual e das grandes malhas de dormentes inservíveis verificadas no trecho”, analisa o texto.
Além da questão dos dormentes deteriorados, o laudo concluiu que a empresa não está fazendo “nenhuma manutenção na infraestrutura”, citando que não há recuperação de bueiros rompidos nem do solapamento de aterros, que o prédio de manutenção no Indubrasil está abandonado e que não há fiscalização pela empresa da linha férrea, o que permitiu a invasão da faixa de domínio com a construção de imóveis e a criação de passagens de nível ilegais.
Essas situações são reforçadas em um outro trecho do documento em que aponta que “houve a desativação de sete pátios, perfazendo uma soma de comprimento útil de desvio de 5.394 metros, sem que houvesse autorização formal do concedente para tanto”, explicando que, “em que pese haverem sido suprimidos 5.394 metros de linha desviada, só houve a aplicação de 96 metros de trilhos em 2023 e que havia a previsão de aplicação de 156 metros de trilhos usados em 2024”.
Essa equipe de fiscalização não encontrou nem sequer vestígios dos 5.142 metros faltantes, exceto quando pela suspeita de que podem ter sido usados para a confecção de mata-burros comumente vistos na entrada de propriedades rurais lindeiras, bocas de lobo em perímetros urbanos, entre outros.
AVALIAÇÃO GERAL
Em uma avaliação geral, “considerando a quantidade de defeitos de dormentes, trilhos e lastro expostos anteriormente, observa-se que a programação de serviços e materiais para 2024 foi totalmente insuficiente para correção das irregularidades do trecho. Importante notar que não há previsão em norma técnica nenhuma para a aplicação de trilhos usados, fato que, somado à supressão meticulosa de linhas desviadas com preservação dos AMVs [aparelhos de mudança de via], indica a ‘canibalização’ dos pátios para a manutenção da linha principal”.
Os técnicos da autarquia resumem que, “segundo informações fornecidas pela concessionária, houve a substituição de 32 metros de trilhos em 2022 e de 96 metros em 2023. Em 2024, ainda não houve tal serviço.
A falta de trilhos para a reposição é um indicativo de que a concessionária não pretende manter a linha em condições de operação”.
Sem a devida manutenção, o parecer da autarquia afirma que as péssimas condições da ferrovia causaram “[a interrupção da] prestação do serviço público de transporte ferroviário de cargas no trecho Três Lagoas-Indubrasil” desde junho de 2023, “em franca violação à cláusula 3ª do segundo termo aditivo ao contrato de concessão”.
É citado que por esse motivo está sendo descumprido um contrato de transporte entre a Rumo Malha Oeste S.A. e a ArcelorMittal Brasil S.A., com volume registrado de 144 mil toneladas anuais, até 2026, para o fluxo de vergalhão, com origem em Bauru (SP) e com destino a Corumbá.
Com tais constatações, a ANTT multou no dia 2 de dezembro do ano passado a Rumo Malha Oeste em R$ 2,1 milhões. Em decisão em primeira instância é afirmado que “fica, assim, estabelecida a aplicação da penalidade administrativa de multa do grupo III (30 mil vezes o valor básico unitário), em dobro, em razão da reincidência, no valor de R$ 2.111.400,00, o qual foi calculado nos termos do contrato de concessão de 7/6/1996”.
A empresa apresentou sua defesa no dia 17/12/2024 pedindo a nulidade da infração, argumentando que a punição deveria ser menor, “limitando-se eventual penalidade a ser aplicada pela ANTT, no máximo,
à advertência, eis que perfeitamente cabível no caso”, além de questionar os critérios utilizados pela autarquia para aplicar a penalidade.
Em um trecho do recurso é afirmado que, “apesar do contrato de concessão prever a obrigação de conservação e funcionamento dos bens vinculados à concessão, não há na legislação e na regulamentação aplicável a definição das características de um bem considerado como conservado e funcional, restando à ANTT, a partir de sua avaliação, defini-los como tal”.
Também cita que, “ao contrário do que faz crer a decisão de primeira instância administrativa, as obrigações firmadas no contexto de relicitação se diferem das estabelecidas originalmente no contrato de concessão, pois se limitam aos investimentos essenciais à manutenção dos bens vinculados à concessão”.
O argumento da concessionária tem como parâmetro a assinatura de um termo aditivo que reduz as exigências de investimentos, mas que obriga a manter investimentos necessários à manutenção da linha férrea.
Mesmo com o recurso, no dia 18/12/2024, o titular da Gerência de Fiscalização de Infraestrutura e Serviços (Gecof) da ANTT, Daniel de Oliveira Santos, e a coordenadora de Gestão de Processo Administrativo Sancionador Ferroviário da autarquia federal, Fernanda Kobata, decidiram que “não constam no recurso administrativo fundamentos que justifiquem a reconsideração da decisão proferida pela Gecof/Super [Superintendência de Transporte Ferroviário], motivo pelo qual encaminha-se o referido recurso administrativo para as providências decorrentes”.
Essa decisão tem como base o relatório de inspeção que diz que, “em consequência da não prestação do serviço, ocorre a violação da cláusula quarta do segundo termo aditivo ao contrato de concessão, qual seja, prover investimentos necessários à manutenção dos bens da concessão”.
O tratamento da concessionária dispensado quanto a essas obrigações contratuais é exatamente aquele informado na Carta nº 521/Greg/2024: “A RMO informa que não há circulação de trens no trecho supracitado [...] e que não foram realizados e não há programação para serviços de manutenção de infraestrutura”.
ABANDONO
Outra constatação dos fiscais da ANTT é em relação ao abandono do prédio da empresa em Campo Grande. “O posto de manutenção de locomotivas e vagões e o posto de abastecimento de Campo Grande se encontravam completamente destruídos, saqueados, vandalizados e sem equipe de vigilância patrimonial nem nenhum outro pessoal lá alocado”.
“Esta equipe de fiscalização constatou a ausência do veículo arrendado, um caminhão Mercedes Benz LK 1513, NBP 283200. Um guindaste arrendado estava incendiado. Todas as instalações hidráulicas, louças, metais, guarda-corpos, telhas metálicas, ferramentas e motores elétricos foram destruídos ou subtraídos. Postes de iluminação, talas de junção, barras de trilhos em linhas desviadas, janelas de vidro, forros e divisórias, móveis e aparelhos eletrônicos de escritório estavam destruídos e/ ou preparados para serem retirados”, detalha o texto.
“Em companhia do senhor Márcio Pereira, coordenador do trecho, e do senhor Molina, líder do trecho, esta equipe de fiscalização os indagou sobre a situação escandalosa encontrada. A resposta foi de que os furtos e as depredações passaram a ocorrem desde outubro de 2023, quando o local deixou de contar com qualquer tipo de vigilância patrimonial”, finaliza.
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