O transporte de passageiros foi encerrado no trecho em 1996; em 2002, houve a paralisação completa da via
Depois de reincluir, no mês passado, o ramal de Ponta Porã no processo de relicitação da ferrovia Malha Oeste, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) vai realizar em abril uma fiscalização nos 355 km da via, a fim de verificar as reais condições da linha férrea.
No entanto, conforme apurou o Correio do Estado, a ferrovia segue abandonada há 30 anos e que, por isso, não há muito o que ser fiscalizado.
Oficialmente, o transporte de passageiros foi desativado em 1996 e o de cargas, em 2002. O trecho liga Campo Grande a Ponta Porã, passando por Sidrolândia e Maracaju.
Moradores de Sidrolândia que preferiram não se identificar afirmam que o ramal parou de funcionar antes mesmo da década de 1990 e que onde deveriam estar os trilhos da linha férrea são encontrados barracos.
A decisão de fiscalizar a ferrovia está no Plano Anual de Fiscalização 2025 da Superintendência de Transporte Ferroviário (Sufer) da autarquia federal, divulgado no dia 15.
Essa vistoria contempla a decisão da diretoria colegiada da ANTT do dia 19 de dezembro de 2024, que aprovou ser opcional a reconstrução e a reativação do trecho.
O encaminhamento ocorreu com a aprovação do relatório final da Audiência Pública nº 5/2023, em abril e maio do ano passado em Campo Grande e em Brasília (DF).
Esse documento trouxe 79 contribuições e sugestões realizadas pela sociedade para o aprimoramento das minutas do edital e do contrato, além de estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental.
Lucas Asfor, diretor da ANTT e relator da pauta, citou que a exploração do ramal de Ponta Porã passou a ser opcional, ponto incorporado ao processo de relicitação.
Essa decisão foi acatada após manifestação de cidadãos e parlamentares sul-mato-grossenses tanto na audiência pública quanto na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul e no Congresso Nacional.
FISCALIZAÇÃO
Com esse encaminhamento, a ANTT incluiu em seu plano anual a fiscalização dos 355 km do ramal, conforme divulgado no dia 15. Serão cinco dias de verificações, entre 7 e 11 de abril, das condições da linha férrea. Segundo o anexo do plano, serão analisados os ativos (bens e materiais) de forma presencial.
“A fiscalização visa, fundamentalmente, a verificação do cumprimento por parte das concessionárias das condições avançadas nos editais de licitação, nos contratos de concessão, nos normativos da ANTT e na legislação aplicável, no que tange às cláusulas econômico-financeiras e, ainda, à apuração de acontecimentos supervenientes ou fatos relevantes de demandas específicas internas ou externas à agência”, preconizou Carlos Alexandre Motta, gerente substituto de Fiscalização Econômico-Financeira da Sufer.
Após a constatação da situação do ramal, se a concessionária está de fato cumprindo o edital de concessão,
serão adotadas as “providências necessárias junto às empresas, para que eventuais irregularidades sejam sanadas e que, quando necessário, haja a lavratura de auto de infração e a abertura de processo administrativo sancionador”.
O projeto apresentado pela ANTT definiu que a Malha Oeste terá a extensão total de 1.625,30 km, conectando os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul e se estendendo de Mairinque (SP) a Corumbá.
Esse levantamento técnico excluía os 355 km do ramal de Ponta Porã, alegando que não teria viabilidade financeira.
A previsão é de que serão necessários R$ 2 bilhões para recuperar o trecho.
Técnicos da ANTT também vão vistoriar a linha férrea da Malha Oeste entre Indubrasil, em Campo Grande, até Corumbá, além dos ramais de Ladário e de Porto Esperança.
A verificação da “via permanente e operacional (serviços)” será realizada em outubro, entre os dias 13 e 17, nos 466 km do segmento ferroviário.
MULTA
Em 2024, a ANTT constatou o abandono da linha férrea da Rumo Malha Oeste no trecho de 436 km entre Campo Grande e Três Lagoas, o que resultou em uma multa de R$ 2,1 milhões.
Os técnicos em regulação da autarquia federal apontaram que, em certos trechos, 94,5% dos dormentes estão estragados, pois a concessionária deixou de fazer “os investimentos necessários à manutenção dos bens da concessão”.
O laudo elaborado pela autarquia apontou que a empresa não fez “nenhuma manutenção na infraestrutura” no trecho fiscalizado, citando que não houve a recuperação de bueiros rompidos nem do solapamento de aterros.
Ainda, que o prédio de manutenção no Indubrasil está abandonado, que ocorreu a invasão da faixa de domínio com a construção de imóveis e que houve a criação de passagens por falta de fiscalização da empresa na linha férrea.
RELICITAÇÃO OU ACORDO?
Conforme adiantou o Correio do Estado em dezembro do ano passado, as tratativas para relicitar a malha ferroviária que corta Mato Grosso do Sul de leste a oeste estão travadas.
Mesmo com novas conversas sobre um acordo entre a concessionária Rumo Logística e o Ministério dos Transportes, até agora nada foi concretizado.
Segundo o titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, a principal estratégia hoje é repactuar o contrato de concessão
e revitalizar a malha ferroviária.
“Essa proposta de repactuação [do contrato] seria fazer a rebitolagem de Campo Grande até Três Lagoas e desativar a de Três Lagoas até Mairinque. Já a de Três Lagoas subiríamos com essa ferrovia até o município de Aparecida do Taboado, mantendo [a via] na bitola estreita de Campo Grande até Corumbá. Então, esse seria o desenho atual da questão ferroviária. A gente tem insistido, mas praticamente ficou paralisada essa proposta ao longo deste ano [2024]”, explicou Verruck em entrevista concedida no mês passado.
Ainda de acordo com o secretário, com a revitalização da ferrovia, o projeto faria com que as gigantes do Vale da Celulose possam se conectar à linha férrea e otimizar o tempo para o transporte da produção ao Porto de Santos, uma vez que todas os grupos têm terminais próprios dentro da área portuária.
A reportagem também adiantou, na edição de 31 de outubro de 2024, que o Ministério dos Transportes quer acelerar a renovação da concessão da ferrovia entre Mato Grosso do Sul e São Paulo com um novo contrato de 30 anos.
A promessa era de que uma proposta de solução consensual seria apresentada em junho por um grupo de trabalho criado pela Pasta.
A proposta que está em discussão inclui a devolução de 650 km do trecho paulista para a conversão futura em transporte de passageiros.
Já em Mato Grosso do Sul a concessionária Rumo Logística teria exclusividade sobre a Malha Oeste e investiria em 137 km adicionais – um projeto de cerca de R$ 2,7 bilhões para integrar o traçado à Malha Paulista.
De olho no corte de custos, o plano é prorrogar a concessão por mais 30 anos, evitando o vencimento do contrato atual, pois um novo processo de relicitação seria mais extenso e custoso.
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