Opiniões antagônicas do Ministério de Portos e Aeroportos e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) sobre a participação da mineradora LHG Mining, do grupo J&F, de Joesley e Wesley Batista, na primeira etapa do leilão do tramo sul da hidrovia do Rio Paraguai jogou no colo do Tribunal de Contas da União (TCU) a decisão sobre este ponto no certame. É que a diretoria da Antaq proibiu, mas o Ministério quer autorizar.
Esse posicionamento do Ministério que contrapõe decisão da Antaq foi apresentado em agosto, dois meses após a diretoria da agência aprovar em reunião colegiada um acórdão com 10 determinações de ajustes na primeira redação dos esboços da minuta do edital e do contrato de concessão, restringindo a participação da mineradora – que explora jazidas de alto teor de ferro e de manganês, em Corumbá, e é a maior usuária do transporte fluvial – no certame apenas na segunda etapa, isso caso não haja interessados no primeiro momento.
A autarquia acatou relatório do diretor Alber Vasconcelos sobre o Plano de Outorga Específica (POE), alertando sobre o risco da concentração do serviço com a LHG, que é e será a maior usuária do serviço, evitando a concentração, práticas anticoncorrenciais e manipulação de mercado.
Mesmo com este posicionamento, o Ministério de Portos e Aeroportos sugeriu alterações nos editais após realizar um market sounding (conversa com empresas do segmento), entre elas, a liberação da mineradora para participar da primeira etapa. Em nota técnica da Pasta é afirmado que: “Entendemos legítima a preocupação de propor a referida vedação, pois a LHG Mineração detém cerca de 70% do minério de ferro transportado por via hidroviária e é proprietária do principal terminal de escoamento dessa carga, o que poderia resultar em uma integração vertical e eventual uso indevido da infraestrutura. Entretanto, o cumprimento de limites e condicionantes legais, previstos na legislação brasileira, ou mesmo o acompanhamento da atuação do concessionário e a implementação de instrumentos regulatórios e concorrenciais pela agência reguladora podem mitigar esse risco, não sendo, portanto, no nosso entendimento, necessária a vedação daquela empresa”.
Em nota técnica, assinada em 29 de outubro por Bruna Santoyo, coordenadora-geral de Política de Navegação Interior do Ministério de Portos e Aeroportos, e por Otto Silveira Filho, diretor do Departamento de Navegação e Fomento, é sugerido que a decisão da Antaq (Acórdão nº 443/2025) seja revista, argumentando que o temor de eventual discriminação de acesso à infraestrutura da hidrovia em relação aos concorrentes não vai se materializar.
“O concessionário não terá o poder de autorizar ou não a navegação, pois isso é feito pela Marinha do Brasil. Ainda, quando um ponto do rio estiver sendo dragado, existe uma comunicação oficial de horários de fechamento e abertura daquele ponto, sendo público, autorizado pela Marinha e conhecido por todos os armadores”, trouxe a nota técnica.
Com base nesse parecer, a Antaq acatou os argumentos do Ministério e fez a revisão do texto do edital, excluindo a proibição de a empresa participar da primeira fase do certame. No dia 31 de outubro, a agência reformulou a minuta, retirando todo o conteúdo do item 3.7 do texto, que tratava das restrições para a LHG Mining, tornando público no dia 6 deste mês o edital de licitação revisado. O documento também foi enviado ao TCU, para que o Tribunal desse seu parecer.
Em despacho interno da Antaq, no dia 7 de novembro, foi afirmado que: “Em síntese, foram realizados ajustes no edital do projeto, mais especificamente no critério de disputa do leilão (retorno ao critério de menor tarifa) e nas regras de participação (exclusão das restrições de participação)”.
Só que, ao ser consultada pelo Ministério de Portos e Aeroportos, a Advocacia-Geral da União (AGU), no dia 16, deu um parecer, assinado pelo procurador-geral da Antaq, Flávio Azevedo, no qual afirma, após analisar a legislação das atribuições de cada um dos órgãos, que “parece inequívoco que compete, exclusivamente, à própria Antaq definir as regras da licitação e de participação nos projetos de concessão de infraestrutura aquaviária, cabendo ao Ministério, tão somente, a definição da política pública setorial. Isso se torna ainda mais evidente quando comparadas, na legislação citada, as atribuições e competências referentes às instalações portuárias (portos) e, também, à aviação civil (outra esfera de atuação do mesmo ministério)”, destacando que a Antaq tem autonomia, por isso, “certo é que o Ministério (assim como outros atores evolvidos) poderá propor, a título de colaboração, quaisquer medidas que entender salutares ao desenvolvimento dos projetos, e esta agência poderá, eventualmente, acolher ou não tais sugestões”.
Ele concluiu que “as contribuições encaminhadas pelo Ministério de Portos e Aeroportos ao Tribunal de Contas da União: a) devem ser entendidas como subsídios para decisão que será tomada pela Corte de Contas; e b) não têm o condão de alterar a decisão da diretoria colegiada desta agência”.

OFÍCIO
Com este parecer, o diretor-geral da Antaq, Frederico Dias, encaminhou, no dia 17, ofício ao ministro do TCU Benjamin Zymler afirmando que a posição de liberar a mineradora informada à Corte de Contas pelo Ministério diverge da decisão da autarquia, citando que “cabe a esta Antaq conduzir a licitação e celebrar os contratos de concessão de hidrovias, nos termos da lei, considera-se que eventuais mudanças sugeridas pelo Ministério somente surtiriam efeitos jurídicos se efetuadas pela própria agência, para que o processo licitatório pudesse seguir seu andamento regular dentro dos preceitos da legalidade e observadas as competências legais atribuídas à agência”.
No documento é afirmado que se trata de questão relacionada à proteção da autonomia decisória das agências. No entendimento da diretoria colegiada da Antaq, a “manifestação divergente de ministério supervisor não tem o condão de alterar decisão de agência reguladora a ele vinculada, validamente aprovada mediante acórdão e lastreada nos fundamentos ali apresentados. Esse também é o entendimento da Procuradoria Federal junto à Antaq, nos termos do pronunciamento que ora encaminho às suas considerações”.
Ele finaliza o ofício afirmando que é o TCU que poderá propor a alteração nos editais. “Diferentemente seriam as decisões dessa Corte de Contas que, no regular exercício do controle externo, viessem a determinar ou recomendar alterações, as quais viriam a ser implementadas pela agência em fase posterior”.
Este comunicado ao TCU é necessário porque a Corte precisa aprovar a proposta de desestatização para que ela possa ser realizada. Os ministros do TCU estão em recesso, só retomam os trabalhos em fevereiro.
O leilão do tramo sul do Rio Paraguai – que vai de Corumbá até a Foz do Rio Apa, em Porto Murtinho, com 590 km –, mais 10 km do Canal do Tamengo, em Corumbá, estava previsto para o fim deste ano, mas deve ocorrer somente no primeiro semestre de 2026.




