Valores foram investidos sob gestões de Bolsonaro e Lula; além da falta de planejamento, não há fiscalização adequada, segundo auditoria do tribunal
Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) revela que mais de R$ 3,5 bilhões em emendas parlamentares foram investidos em obras de pavimentação feitas sem critério técnico ou de necessidade durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e no primeiro ano da gestão Lula (PT) por meio da estatal Codevasf.
A escolha a dedo feita pelos congressistas favoreceu um grande número de municípios com vias que sequer possuem sistemas de drenagem, o que compromete a qualidade dos asfaltamentos e leva a um prejuízo aos cofres públicos decorrente da rápida deterioração dos pavimentos, indica a apuração do TCU.
Além da falta de planejamento nas obras feitas em redutos eleitorais de deputados e senadores, no decorrer e fim delas, não há fiscalização adequada dos serviços, já que a estatal não possui técnicos e equipamentos especializados em número suficiente para dar conta da crescente demanda, de acordo com a auditoria.
A situação indica risco de formação de cartel, desvios e corrupção nas obras, algumas delas já sob investigação pelo TCU e pela Polícia Federal.
A investigação dos técnicos do TCU mostra que a farra das pavimentações com emendas parlamentares da Codevasf iniciada pela gestão Bolsonaro foi consolidada na administração Lula, apesar de o petista e aliados terem criticado os investimentos sem critérios técnicos na campanha eleitoral e na fase de transição de governo, em 2022.
No fim daquele ano, o então coordenador dos grupos técnicos da transição, Aloizio Mercadante (PT), chegou a dizer que "não pode pulverizar em asfalto quando não tem defesa civil. Não pode jogar recurso em pequenas obras quando não tem Operação Carro-Pipa ou oferta de água, abastecimento de grandes cidades. Mais uma vez, estamos vendo total colapso orçamentário, desestruturação de políticas públicas".
Porém, a cúpula da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) indicada pelo centrão do Congresso na gestão Bolsonaro foi mantida no comando da estatal pelo atual governo, e o perfil de emendoduto dos congressistas não se alterou.
O trabalho dos auditores do TCU sobre as obras de pavimentação da empresa pública faz parte de processos abertos no tribunal após a Folha de S.Paulo ter revelado uma série de irregularidades em obras da Codevasf no fim de 2021.
Desde aquela época, reportagens mostraram situações como asfaltamentos que derretiam com o forte calor e grudavam nos pés dos moradores de Petrolina (PE).
Um dos casos revelados foi o fato de a empreiteira Engefort ter passado a dominar as licitações da Codevasf, ganhando mais da metade das concorrências de 2021, e, em parte delas, ter sido acompanhada por uma empresa de fachada registrada em nome do irmão de um de seus sócios, com o objetivo de simular disputa pelos contratos.
As publicações levaram o TCU a investigar as obras da estatal, e aquela sobre a Engefort levou a uma auditoria que apontou indícios de formação de um cartel liderado pela construtora. O caso ainda está sob investigação pelo TCU e pela PF, e a empreiteira nega ter cometido o crime.
Um dos desmembramentos das apurações levou o TCU a abrir um processo para fazer um acompanhamento das obras de pavimentação da estatal e, em outubro, esse caso recebeu um relatório da área de auditoria do tribunal.
Segundo o relatório, "as prioridades da Codevasf na implementação de obras viárias urbanas são determinadas exclusivamente pela indicação de aplicação dos recursos oriundos de emendas, em vez de se basearem também em dados técnicos e análises que apontariam quais municípios são mais carentes de melhorias".
"A Codevasf não possui estudos, dados ou análises que subsidiem a decisão dos parlamentares com informação qualificada", segundo o levantamento.
A auditoria relata uma pesquisa realizada junto aos funcionários da estatal que indicou que grande parte das pavimentações não foi feita em vias com sistemas de drenagem adequados.
"Essa constatação merece o devido destaque, já que a água é uma das principais fontes de danos aos pavimentos, causando diversas manifestações patológicas (erosões, deterioração do asfalto ou concreto, enfraquecimento das camadas do pavimento, formação de poças e alagamentos)", segundo os auditores.
O relatório também traz depoimentos de funcionários quanto à insuficiência do corpo técnico da estatal.
Segundo um deles, não identificado na auditoria, "a fiscalização de obras da Codevasf é formada, em sua maioria, por engenheiros que nunca atuaram na área de pavimentação e não receberam um treinamento aprofundado como deveria. Apenas após um ano atuando na fiscalização a empresa disponibilizou um curso sobre pavimentação".
Além disso, a empresa não tem estrutura como equipamentos de topografia, laboratórios de
controle tecnológico para contraprova e softwares para análise dos projetos, segundo o funcionário.
Em sessão do plenário do TCU na tarde desta quarta-feira (13), o ministro Jorge Oliveira, relator do caso, proferiu um voto pelo encaminhamento de determinações à Codevasf com base no relatório da auditoria, mas não detalhou as medidas a serem adotadas pela estatal. O teor das determinações poderá ser conhecido quando o ministro publicar o seu voto.
Procurada pela reportagem, a Codevasf afirma em nota que "mantém diálogo permanente com o TCU e é diligente no esforço de aperfeiçoamento de processos relacionados à contratação, à execução e à fiscalização de todas as suas obras. As determinações e recomendações do órgão são integradas tempestivamente às rotinas da empresa".
Segundo a estatal, "como reconhecido pelo Tribunal, o modelo de contratação adotado pela Codevasf para obras de pavimentação proporciona agilidade e economia à execução dos serviços".
*Informações da Folhapress