O I Workshop Internacional Conflitos com Grandes Felinos, evento inédito no Brasil, ocorre entre os dias 26 e 27 de agosto. Durante o encontro, renomados especialistas debaterão os ataques de onças-pintadas registrados no primeiro semestre de 2025.
Neste ano, foram registrados episódios envolvendo o maior felino da América Latina em cidades como Aquidauana (MS), Corumbá (MS) e Campinaçu (GO), que pautaram o noticiário e tiveram ampla repercussão pública.
Os incidentes reforçaram a necessidade do debate, ainda pouco aprofundado em nossa sociedade, sobre estratégias de coexistência segura entre seres humanos e grandes predadores da fauna.
Reprodução Redes SociaisAtaque fatal no Pantanal
Como o caseiro Jorge Avalo, de 60 anos, que foi encontrado morto no dia 21 de abril deste ano, após ter sido atacado por uma onça-pintada. O caso ganhou destaque na imprensa nacional.
“Seu Jorge”, como era popularmente conhecido na região, trabalhava em um pesqueiro, em uma área de difícil acesso, no rio Miranda, conhecido como Touro Morto, em Aquidauana, município localizado a 140 quilômetros de Campo Grande.
A Polícia Militar Ambiental (PMA) esteve no local após receber denúncias de que a causa da morte teria sido um ataque do maior felino da América Latina.
Essa suspeita de ataque de onça-pintada surgiu porque turistas e caseiros que passaram pelo local viram várias pegadas que sugeriam a presença do animal. Essa região tem ocorrência comum de onças; inclusive, já houve averiguação de autoridades sobre o crime de "ceva", que é o oferecimento de alimento para animais selvagens.
Partes do corpo de “Seu Jorge” foram encontradas em área de mata fechada, após os familiares do caseiro indicarem o possível local para onde o corpo teria sido arrastado.
Conhecedores da região, o irmão e o cunhado de Jorge auxiliaram os agentes da Polícia Civil (PC) e da Militar Ambiental (PMA). O grupo de busca, composto por moradores e pescadores, chegou a ser atacado pela onça ao alcançar o ponto em que o corpo estava.
Como o corpo de Jorge foi encontrado em mata fechada e, diante do ataque do animal ao grupo de resgate, os envolvidos precisaram retirar os restos mortais da área antes mesmo de acionarem os agentes da perícia.
Captura
Em resposta rápida, as autoridades de Mato Grosso do Sul capturaram a onça-pintada, dias depois do ataque que tirou a vida do caseiro em uma fazenda no Pantanal.
O felino, um macho que pesava 94 kg, foi levado ao Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras), em Campo Grande, onde passou por exames, recebeu suporte nutricional e hidratação.
A Polícia Científica de Mato Grosso do Sul, por meio de exames de DNA, confirmou que se tratava do animal que atacou o caseiro. Após passar pelo processo de reabilitação, o animal, que recebeu o nome de Irapuã, seguiu para um instituto em São Paulo.
Divulgação Corpo de BombeirosSegundo ataque
Cerca de quatro meses depois, um segundo ataque ocorreu em Corumbá, conhecida como Capital do Pantanal, município localizado a 296 quilômetros do local onde ocorreu o ataque que tirou a vida de Seu Jorge.
A vítima, de 57 anos, tentou defender o cachorro que estava sendo atacado e acabou se tornando alvo da onça-pintada em uma área conhecida como Mirante da Capivara.
O homem conseguiu escapar do ataque com vários ferimentos, mas o cachorro não resistiu. Depois desses episódios, vários debates foram conduzidos pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul e por órgãos responsáveis, além de a PMA ter redobrado as rondas em regiões onde a população reside próxima a áreas de mata.
Com isso, trazer especialistas com experiência em diferentes países e cenários é fundamental para estabelecer políticas públicas eficientes, capazes de mitigar situações como essas
Encontro de especialistas
Apesar de ocorrências como essa serem raras no Brasil, os episódios recentes deixaram claro que, embora o país registre menos casos do que na Índia e na África do Sul, a proximidade da presença humana em áreas de mata pode resultar em encontros indesejados, o que exige:
- ações preventivas;
- políticas públicas;
- campanhas de educação ambiental.
O workshop discutirá esses e outros temas na sede da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), em Campo Grande. A abertura contará com a presença do governador Eduardo Riedel (PP) e do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, que mediará um dos painéis.
Pesquisadores
O evento reunirá nomes de destaque no cenário internacional:
- Dr. Craig Packer (EUA), apontado como o maior especialista em leões do mundo, fundador do Lion Research Center da Universidade de Minnesota, onde é professor, e do projeto Serengeti Lion Project, na Tanzânia;
- Dra. Krithi Karanth (Índia), diretora-executiva da CWS (Índia) e uma das maiores especialistas em tigres do mundo, com foco em conflitos entre humanos e grandes carnívoros;
- Agustín Iriarte (Chile), biólogo especializado em ecologia e conservação de mamíferos sul-americanos, com mais de 40 anos de experiência com pumas e conflitos.
A troca de experiências internacionais proporcionará melhor entendimento sobre como lidar com a situação em Mato Grosso do Sul.
Serão abordados temas como manejo de conflitos, protocolos emergenciais aplicados em vilarejos da Índia e estratégias usadas em reservas ambientais dos Estados Unidos.
Foto: Gustavo Figueroa / Imagem DivulgaçãoAlém disso, o workshop fomentará debates sobre soluções adaptadas ao contexto brasileiro, como:
- prevenção de ataques sem o recurso do abate dos animais;
- inclusão de saberes indígenas, de produtores rurais e de comunidades tradicionais;
- utilização de dados de ataques para sistematizar e transformar ocorrências em ações preventivas;
- o papel da imprensa na percepção de riscos, sem gerar alarmismo na sociedade.
Com base em eventos e fóruns internacionais, o workshop traçará iniciativas de prevenção fundamentadas na ciência e voltadas aos desafios da convivência entre seres humanos e grandes predadores.
“Os últimos incidentes no Brasil trouxeram à tona a falta de um protocolo de resposta em casos envolvendo humanos e predadores, assim como a ausência de uma política pública que integre instituições governamentais, sociedade civil e academia na mitigação e prevenção desses conflitos. A coexistência entre seres humanos e grandes predadores não é novidade, e a possibilidade de trazer exemplos de fora, onde esse convívio é mais intenso, pode nos ajudar a encurtar o caminho para o sucesso”, avalia Gustavo Figueirôa, diretor de Comunicação do Instituto SOS Pantanal e um dos organizadores.
O evento é promovido pelo Instituto SOS Pantanal, Associação Onçafari, Instituto Onça Pintada e Instituto Homem Pantaneiro.
O encontro reunirá especialistas do Brasil, Índia, África, Bangladesh, Chile, África do Sul e Estados Unidos, com experiências diversas, para discutir estratégias e protocolos que garantam tanto a segurança das pessoas quanto a conservação das espécies, diante do crescimento de conflitos envolvendo grandes felinos no Brasil.
Foto: Gustavo Figueroa / Imagem DivulgaçãoPúblico-alvo
O workshop é destinado a gestores públicos, pesquisadores, ONGs, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e forças de segurança como a Polícia Militar Ambiental, Polícia Federal, Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal, além de profissionais da saúde, comunidades locais e jornalistas.
A programação inclui painéis técnicos, debates e oficinas. O objetivo é reunir ciência, gestão territorial, cultura e comunicação, sempre apoiados em dados científicos e no respeito ao saber das populações locais.
Entre as metas do evento estão:
- elaboração de um documento técnico com recomendações em âmbito nacional, com propostas viáveis e baseadas em dados para prevenir ataques, melhorar a convivência e embasar políticas públicas;
- produção de artigos técnicos e científicos a partir dos debates e apresentações, com foco em dados comparativos e soluções baseadas em evidências;
- criação e promoção de campanhas de educação ambiental, elaboradas pelas equipes de comunicação das organizações promotoras, para ações formativas em escolas públicas e privadas, comunidades locais e redes sociais;
- fortalecimento de políticas públicas e protocolos de emergência, com subsídios técnicos e articulações para criação de protocolos interinstitucionais de resposta, elaborados por um comitê integrado por órgãos como Imasul, ICMBio e Defesa Civil;
- redação da Carta de Diretrizes para a Convivência com Grandes Felinos, documento colaborativo construído ao longo do evento, que será assinado por participantes e instituições presentes, estabelecendo compromissos de conservação e segurança.
“A realização desse primeiro workshop internacional é uma grande oportunidade de reunir diferentes expertises e realidades para a construção de propostas que auxiliem uma relação mais segura e respeitosa com grandes felinos. O desenvolvimento de um documento técnico, com um olhar coletivo para mitigação, prevenção e diretrizes de convivência com onças-pardas e onças-pintadas, é fundamental no Brasil, país que desempenha papel-chave para a conservação dessas espécies”, conclui Mario Haberfeld, CEO e fundador da Associação Onçafari.




