Uma das opções de investimentos mais usadas pelos brasileiros é comprar imóveis, e quando se fala em adquirir um imóvel que ainda está na fase de construção (na planta), os rendimentos tendem a ser ainda maiores, devido à valorização do imóvel durante a fase de construção.
Por isso comprar imóveis na planta tem sido um dos investimentos mais realizados por esta parcela da população brasileira que possui condições financeiras para investir.
Porém o atraso na entrega deste tipo de imóvel pode ocorrer por fatores previsíveis (clima, falta de insumos, licenças). Por isso muitos contratos trazem cláusula de tolerância, que a Justiça reconhece como válida de até 180 dias, porém, se o atraso na entrega ultrapassar este prazo, configura mora da construtora e o comprador passa a ter uma série de direitos.
Quais indenizações posso exigir se passou do prazo (incluída a tolerância)?
A boa notícia: prejuízo do comprador é presumido (automático) a partir do fim do prazo + tolerância. Você não precisa provar “cada centavo” para tudo — há itens automáticos e outros que exigem prova.
1) Lucros cessantes (aluguel que você deixou de ganhar ou que teve de pagar)
O STJ fixou que o atraso gera indenização pela privação do uso do bem, normalmente medida pelo valor locatício de um imóvel semelhante, até a entrega das chaves. É vedada a cumulação de lucros cessantes com cláusula penal moratória que já remunera o atraso.
Tradução: ou a construtora paga a multa moratória prevista no contrato ou os lucros cessantes (aluguel), não os dois. (Tese repetitiva Tema 970 do STJ). Diversos tribunais aplicam percentuais práticos (p.ex., 0,5% ao mês do valor do imóvel) como referência de aluguel, do fim da tolerância até as chaves.
2) Danos materiais (você prova com documentos)
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Aluguel que você continuou pagando por causa do atraso;
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Multa por rescisão de contrato de locação que você precisou romper;
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Gastos extras com mudança, guarda-móveis, mobiliário planejado perdido/adiado, hotel.
Todos exigem comprovantes. A Justiça reconhece com frequência.
3) Juros de obra (taxa de evolução) após o prazo: devolução
Cobrar juros de obra depois do prazo de entrega (incluída a tolerância) é ilícito. Se você pagou, pode pedir restituição. (Tema repetitivo 996 do STJ).
Além disso, ultrapassado o prazo, não se aplica mais indexador setorial de custo de construção (ex.: INCC) sobre o saldo: a correção deve migrar para IPCA, se for mais favorável ao consumidor — entendimento adotado por cortes com base nas teses repetitivas.
4) Danos morais: quando cabem?
O atraso, por si só, não gera dano moral automático segundo o STJ. Mas situações excepcionais que afetem direitos da personalidade (p.ex., casamento planejado, nascimento de filho, necessidades de saúde, perda de oportunidade séria) podem justificar. É preciso demonstrar gravidade além de aborrecimento comum.
Como agir: passo a passo prático
Junte provas: Contrato (com quadro-resumo), aditivos, e-mails, mensagens, boletins da obra, fotos, comprovantes de aluguel, recibos de juros de obra pagos após o prazo, anúncios com prazo prometido.
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Calcule prazos: Data contratual + 180 dias = fim da tolerância. Daí em diante contam lucros cessantes, devolução de juros de obra e eventuais danos.
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Notifique a construtora: Peça entrega imediata, ou indenização: aluguel de mercado (ou multa prevista), devolução de juros de obra, correção adequada (IPCA se aplicável), e danos materiais (com notas).
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Tente acordo: Muitas empresas negociam — é mais barato para elas do que perder em juízo. Documente tudo.
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Ação judicial (se necessário): Nesta fase o consumidor pode pedir danos materiais, danos morais, restituição de juros de obra, e demais direitos específicos a ser analisado caso a caso.
Atraso na entrega de imóvel na planta não é “risco do jogo”. A cláusula de 180 dias existe e é válida, mas depois dela a construtora entra em mora e deve indenizar: aluguel/lucros cessantes (ou multa moratória, sem cumular), restituir juros de obra cobrados após o prazo e pagar danos materiais; danos morais cabem quando houver violação séria dos seus direitos de personalidade. Com provas organizadas e a jurisprudência do STJ a seu favor, as chances de êxito aumentam muito.
A chave pode atrasar — seus direitos, não: quem conhece a regra dos 180 dias transforma prejuízo em direitos.